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Limites e Contradições das Práticas Participativas Pesquisadas

CAPÍTULO 4 – Materialização das Medidas de Gestão Democrática na

4.3. Limites e Contradições das Práticas Participativas Pesquisadas

Como antes mencionamos, as práticas participativas que têm como norte a efetiva democratização da gestão e da educação caracterizam-se pela adoção de vários mecanismos que buscam, dentre outras coisas, conduzir à apropriação da gestão da escola pela comunidade, com vistas à ampliação do espaço público das decisões (GOHN 2004; DOURADO, 1998; AZEVEDO, 2009).

Luck (2006), analisando como podem ser desenvolvidos processos participativos, indica a necessidade de se ter em mente o alcance de dois objetivos. O primeiro seria a promoção do desenvolvimento do ser humano como cidadão em articulação com a transformação da escola em uma unidade social dinâmica e aberta à comunidade. Isto de modo que “a educação se transforme em um valor cultivado pela comunidade e não seja,

como muitas vezes hoje é considerada, uma responsabilidade exclusiva de governo ou da

escola”. O segundo objetivo seria o desenvolvimento do comunitarismo e do espírito de

coletividade caracterizados pela responsabilidade social conjunta, de modo que esta se torne

ambiente de expressão de cidadania por parte de seus profissionais e de aprendizagem social

efetiva e de cidadania, por seus alunos (LUCK, 2006, p.53).

Autores como Paro (2002) e Ferreira (2001) enfatizam, também, que, na realidade brasileira, é preciso considerar e superar os tradicionais valores autoritários e patrimonialistas que historicamente têm estado presentes nas nossas relações sociais para que as relações de poder na escola venham a mudar.

Neste sentido, mesmo que a política de educação de Olinda tenha definido e venha sendo implementada segundo uma perspectiva que incorpora valores democráticos, notamos ainda ser frágil o modo de articulação das escolas com a gestão municipal.

De um lado, a gestora da Secretaria entrevistada compreende que o Conselho, ao exercer o seu papel, contribui para a propagação da gestão democrática na rede, ao mesmo tempo em que contribui para, em última instância, a melhoria da qualidade do ensino:

[...] a partir do momento que ele está contribuindo para melhoria daquela escola, para gestão democrática dentro daquela escola, ele também está contribuindo para que isso se estenda para todo município. Então, uma das atribuições é participar do funcionamento dessa escola, como essa escola está contribuindo para melhoria do ensino, quais as dificuldades que a escola está enfrentando, quais os encaminhamentos que a escola junto com a Secretaria de Educação pode tomar para resolver a situação, e contribui não

só com a questão da gestão junto à diretora, mas para todo funcionamento da escola, levando em consideração a questão pedagógica, o projeto Político Pedagógico que é o que vai fazer com que a escola tenha um direcionamento, então tudo isso precisa da contribuição do conselho escolar (Gestora Secretaria de Educação, agosto de 2008).

Mas, de outro lado, os conselheiros não conseguiram responder de que modo se concretizava a relação entre a escola e a Secretaria no sentido de influenciar nas decisões. Além disso, há demandas por mais presença, e por mais informações:

Olha, até agora nós só tivemos com a Secretaria de Educação no dia da posse. Tivemos a presença de uma pessoa da Secretaria, e ela disse que depois que passasse essa coisa de eleição, tudinho, ela ia fazer uma nova reunião pra nos informar qual a verdadeira função de cada membro, o que é que cada membro pode fazer no conselho pela escola, pela comunidade. Enfim, participação da Secretaria mesmo ainda não teve não (Professora Escola A, agosto de 2008).

Bem, uma coisa é com relação a Secretaria de Educação. Quando foi na semana passada ela esteve aqui [a gestora, mas] o problema é a falta de informação. Outra coisa que ela falou: - O conselho nunca foi para as reuniões setoriais. O problema é que elas são avisadas na véspera. Se a Secretaria quer que tudo flua bem tem que ter informação, né? (Professora Escola B, agosto de 2008).

Ainda que as práticas da Escola A sejam mais abertas e permeáveis à participação, houve evidências da presença de valores autoritários permeando as relações, tal como encontrado em contextos discursivos de conselheiros da Escola B. Notamos, por exemplo, que a gestora, mesmo se referindo positivamente ao envolvimento da comunidade no processo eleitoral, deixa transparecer que a participação na eleição não é incorporada na complexidade da sua significação, pois aqui parece eleição de verdade.

Em contexto discursivo da representante da comunidade, por sua vez, podemos identificar uma relação bastante hierarquizada e, portanto, indicando uma espécie de subalternidade em relação à gestora:

É... a direção dá a opinião dela e a gente vê se tá cabível tudinho. Cada um dá sua opinião e até agora tá todo mundo bem, porque as verbas que veio pra comprar o material (...) a gente viu que tava tudo faltando mesmo e que tinha que ser. Aí, todo mundo entrou em acordo. Todo mundo, acho que não teve nenhum contra, nenhum voto contra. A opinião da diretora prevalece, mas nem tanto, porque tem que entrar em conselho logo com o pessoal que tá presente (Pais Escola A, agosto de 2008).

É interessante perceber as contradições presentes na fala dessa conselheira. Em primeiro lugar, expressões como “acordo” e “opinião”, que em um primeiro momento, poderiam indicar a presença de uma formação discursiva democrática revelam-se, no entanto, estar atreladas a um discurso tradicional marcado pela presença de uma prática meramente gerencial que visa à participação como forma de gerenciar recursos, de suprir as “necessidades” da escola. Além disso, a conselheira ainda deixa claro o caráter autoritário da sua concepção de participação ao relatar que apesar de existir um consenso a opinião da diretora prevalece.

Esse modo de valoração da participação também ficou evidente quando estávamos realizando entrevista com a representante dos funcionários no Conselho da Escola A. Perguntávamos na ocasião como o Conselho poderia auxiliar na busca da qualidade do ensino. A entrevistada repetiu a pergunta: - Como ele pode ajudar? E respondeu: - Nem sei,

eu nem sei como dizer isso. Nesse momento, ela foi bruscamente interrompida pela diretora

que afirmou: – Pode ajudar com esse povo que falta demais aqui; é esse o problema; que tem

umas professoras aqui que vivem empurrando atestado médico. Acatando a “sugestão” da

gestora, a conselheira alvo da entrevista respondeu: - Eu acho, sabe o que é, é muito professor

velho aqui. Esse é o problema. Eu acho que é sim Dona Fulana; porque é um monte de

professor velho sem paciência, sem paciência de ensinar as crianças, tanta gente aí mais

poder sobre as deliberações dos demais conselheiros, muito embora que as concepção verbalizadas sobre o exercício do poder nesta escola tenha sido outra.

Outro ponto a destacar, em termos das contradições, diz respeito a certa redução das funções do Conselho, pois nas duas escolas notamos que prevalece um processo de tomada de decisões mais atrelado às definições orçamentárias voltadas para a infraestrutura do que para deliberações de ordem pedagógica. A tendência, tal como outros estudos têm constatado12, pode ser identificada ao se analisar o conteúdo de contextos discursivos, como

exemplificamos:

A gente tenta tomar as decisões em conjunto na medida das nossas limitações o que a gente sempre fala é que a comunidade precisa participar das decisões orçamentárias da escola (Gestora Escola B, agosto de 2008).

O conselho ele é o começo pra discutir, assim, em que nós vamos investir [...] Há muito tempo os professores vem pedindo pra ser feito um banheiro só pra professores, por que aqui nós temos só dois banheiros [...] Então a gente sente essa necessidade de ter um sanitário para os professores, tem que funcionar na escola, pra não misturar, assim, criança com adulto. quando surgem problemas envolvendo a parte pedagógica o conselho procura criar também buscando soluções. Então na última reunião também falamos sobre isso. Pedimos aos pais que participassem mais e que não ficassem nessa coisa de Ah! Mas fulano falou cicrano disse. (Professora Escola A, agosto de 2008).

Os pais questionando como é que podem ajudar fazendo indagações, eu já respondendo algumas coisas que ficaram pendentes. Então é importante a tesoureira mostrar como é que a escola funciona; como as compras são feitas que o dinheiro que chega vai para um fundo e que precisa ser empregado com objetivo. Tanto que uma mãe me disse: meus planos foram por água

abaixo. Eu disse, olha você vai representar os pais, representar os interesses

deles, ta aqui eleita pra isso, mas você vai ter meios de explicar que o dinheiro vai ser gasto de acordo com reivindicações como a lei diz (Gestora Escola B, agosto de 2008).

12

Em pesquisa sobre os Conselhos Escolares no Sistema Educacional de Ensino do Recife, Andrade (2007) já destacava que é justamente para a administração de recursos que o caráter autônomo do conselho se faz presente, na medida em que este tenta propor alternativas às decisões da Secretaria de Educação.

Em síntese, num movimento contraditório, notamos que apesar dos indícios de autoritarismo presente no discurso de alguns dos conselheiros pertencentes às duas escolas pesquisadas, percebemos que está emergindo certa consciência da importância da participação que vem sendo construída na comunidade escolar. Mesmo distante de uma prática efetivamente democrática, notamos a existência de um processo em construção que vem tendo na escola menor de porte um fluxo mais regular.

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