• Nenhum resultado encontrado

Limites e possibilidades das abordagens evolucionistas da moralidade

A biologia e a antropologia sofreram reviravoltas a partir do florescimento da hipótese evolucionista darwiniana. O motivo inicial, conforme mostramos, está ligado ao fato de que a proposta darwiniana defende que todas as formas de vida, inclusive os seres humanos, são originadas a partir de um lento e contingente processo natural. Esse modelo de desenvolvimento nos inseriu numa concepção de natureza não-essencialista, não-finalista, não-hierárquica, não-antropocêntrica e não-progressista. Dessa forma, tal situação gerou “tumultos morais”, como Darwin identificou: dúvidas e medos sobre as implicações antropológicas de sua hipótese, próxima da filosofia materialista, doutrina metafísica que busca explicar a natureza geral da realidade. Além disso, a hipótese evolucionista borrou as “nítidas linhas” de separação entre os humanos e os animais, colocando em dúvida o que se acreditava sobre a condição humana. Naturalmente uma questão surgiu: se os seres humanos

não passam de animais, o que restaria da dignidade e da liberdade? Assim, defende-se neste

trabalho que uma das principais dificuldades de aceitação da tese darwiniana seria seu suposto poder de transformar a vida em um caos amoral que não exibisse nenhum indício de uma autoridade ou sentido de finalidade, orientação ou desígnio.

Conforme abordado no Capítulo 1, Darwin pressupõe que as diferenças entre a humanidade e os outros animais são distinções de grau e não de natureza em sua proposta de uma “história natural da moral”. Assim, enfrentou a dificuldade de explicar a moralidade, como traço distintivo da humanidade, a partir de um ponto de vista naturalista e evolucionista

154 da consciência moral humana. A explicação darwiniana pretende mostrar que o senso moral é um traço emergente do acoplamento de instintos sociais com a ampla capacidade intelectual humana, originado a partir de demandas ligadas ao benefício dos grupos nos quais os indivíduos estariam inseridos. No entanto, conforme vimos, ao longo dos desenvolvimentos teóricos da biologia, algumas hipóteses questionaram a possibilidade de ocorrer uma seleção ao nível do grupo, conforme o pressuposto de Darwin. Além disso, sua descrição dos processos naturais que deram origem à moralidade humana não fundamenta uma proposta de melhoramento da conduta humana. Mesmo com tais observações, Darwin evidenciou com sua explicação que não há incompatibilidade entre estabelecer as origens naturais da humanidade e o senso moral, naquilo que identificamos como programa descritivo sobre a origem da moralidade humana.

No entanto, para além de tal expectativa descritiva, graves enganos foram cometidos em relação ao alcance das hipóteses evolucionistas sobre a moralidade. Com o objetivo de “encontrar uma base científica para os princípios do certo e do errado”, naquilo que identificamos como programa normativo, Spencer propôs uma ética evolucionista. Porém, esse desenvolvimento se deu a partir de uma concepção errônea da evolução, que se diferenciava da proposta darwiniana e que deu origem à posição política do darwinismo social. Este último foi a base para alguns dos excessos morais e políticos mais grotescos do século passado e algumas das mais grosseiras falácias. Os problemas da hipótese de Spencer envolvem, entre outros questionamentos, uma dimensão empírica, com a compreensão progressista do processo evolutivo, e uma dimensão conceitual, que diz respeito à passagem indevida de fatos a valores, já exposta por Hume, e à identificação questionável entre “natural” e “bem”, configurando a falácia naturalista, conforme identificado por G. E. Moore. A partir dessa análise, a biologia evolucionista, em conjunto ou não com outras ciências que fornecem informações sobre a natureza, passou a ser considerada irrelevante para o estudo filosófico da moralidade.

De acordo com o que foi defendido, com a ampliação das investigações das ciências evolucionistas ao longo do século XX, surge uma nova possibilidade para a relação entre a biologia evolucionista e a moralidade: uma ciência que poderia oferecer informações empíricas sobre a natureza do animal humano, o que nos ajudaria a compreendê-lo de uma forma empiricamente mais estruturada. De todo modo, mesmo com a inviabilidade do programa normativo e da alegada impossibilidade de ligarmos fatos a valores, isso não faz com que a moralidade seja um campo totalmente “autônomo” de indagação, no sentido de ser

155 independente de considerações e investigações sobre fatos. Podemos investigar como nossas intuições morais surgem ou como oferecemos respostas morais. Para isso, uma apreciação do estado atual dos conhecimentos sobre o ser humano é relevante. A biologia pode explicar (descrever, ficar no nível dos fatos) mas não chega a justificar (passar do descritivo ao prescritivo ou valorativo).

No Capítulo 2, vimos que uma nova ciência evolucionista, a sociobiologia, se desenvolveu a partir dos pressupostos da síntese entre a biologia evolucionista darwiniana e a genética mendeliana. Seu objetivo era a compreensão da natureza e das bases do comportamento social animal, incluindo o comportamento humano. Em relação à compreensão tradicional darwiniana, as hipóteses da sociobiologia envolvem uma diferença fundamental acerca de um aspecto: a predominância do gene como principal unidade em que a seleção natural atua. Essa centralidade leva Richard Dawkins a ilustrar o gene como “egoísta”, gerando, conforme exposto, alguns mal-entendidos sobre as características dos organismos e da natureza como um todo. Em seu programa para explicação da moralidade, Edward O. Wilson partia da expectativa de que a biologia poderia explicar com mais sucesso aspectos da humanidade. Assim, “retirar a ética das mãos dos filósofos” era o passo inicial para compreendê-la.

De acordo com essa expectativa, os elementos estruturadores e motivadores dos juízos morais poderiam ser explicados biologicamente, uma vez que a mente humana foi construída dentro das restrições fundamentais do processo evolutivo. Assim, a compreensão da origem e do funcionamento da moralidade poderia encerrar-se na compreensão dos mecanismos puramente biológicos, informações que não eram consideradas pelos filósofos. Para obtermos uma compreensão mais ampla da condição humana e de suas capacidades, baseada numa definição mais fiel da humanidade, é necessário olharmos para dentro, dissecando a maquinaria mental e traçando sua história evolutiva. Juntamente a isso, Wilson esperava que, ao conhecermos mais sobre a condição biológica e material que dá substrato à moralidade humana e ao modo como produzimos nossos julgamentos morais, poderemos estruturar melhor nossa vida moral. Assim como Wilson, Richard Alexander defendeu que uma análise do comportamento moral como resultado da seleção natural não tem sido adequadamente apreciada pelos filósofos e que fazê-lo trará benefícios. Porém, tais informações não dizem nada por si só em relação às possibilidades normativas que poderemos estabelecer, nem em relação à estipulação das práticas sociais humanas.

156 Com o objetivo de avaliar suas possibilidades, apresentamos as críticas relativas à três instâncias do programa sociobiológico. Primeiramente, no que chamamos de críticas aos fundamentos da sociobiologia, questionou-se a centralidade da genética nas explicações, o alegado caráter “egoísta” dos genes, o uso confuso de termos como “altruísmo” e “egoísmo” e a discussão sobre o nível em que a seleção natural atua, destacando alguns excessos das propostas sociobiológicas. Num segundo momento, abordamos as críticas à metodologia da pesquisa sociobiológica, principalmente em relação ao que pode ser identificado como “pensamento adaptacionista”. Os excessos do pensamento adaptacionista nas ciências biológicas, conformo vimos, podem ser afastados com investigações mais rigorosas e estruturadas em evidências mais sólidas, sob o risco de degenerar o programa de pesquisa darwiniano. Também foram expostas as críticas em relação aos pronunciamentos pouco cuidadosos de algumas investigações da sociobiologia.

Nas críticas às abordagens sociobiológicas da moralidade, para além daquelas já implícitas nas duas primeiras famílias de objeções ao programa, abordamos a intervenção inadequada da ciência sobre a moralidade, juntamente com a crítica à descrição da ética a um tipo hábito comportamental, acompanhado de algumas respostas emocionais, sem considerar os métodos racionais e os padrões internos de justificação e crítica que a envolvem. Por fim, ressaltamos o equívoco central das hipóteses sociobiológicas que reduzem e simplificam a moralidade ao compará-la com fenômenos altruístas (existentes em espécies como insetos sociais) ou egoístas (de acordo com a sua compreensão da dinâmica dos genes), uma vez que nas comunidades humanas, o que se pode denominar como “fenômeno moral” é algo mais amplo e complexo. Assim, a chave para entender o papel das relações entre biologia, moralidade e a emergência da mesma, em termos de seleção natural, passa pela compreensão das diferentes respostas ligadas aos elementos do fenômeno moral, e não em reducionismos ou enquadramentos inadequados.

Com base em tais análises, concluiu-se que as dificuldades das hipóteses sociobiológicas em relação às explicações que oferecem acerca da moralidade estão ligadas à complexidade do fenômeno moral, com seus variados elementos e especificidades. Nesse sentido, a insuficiência do programa sociobiológico se deve em muito às expectativas de que, ao explicar em termos evolucionistas a origem e o funcionamento de certos aspectos envolvidos na moralidade, explicaria-se sua totalidade. No entanto, as investigações das ciências evolucionistas podem ser relevantes, ao abordar alguns aspectos da moralidade, no sentido de obter mais informações sobre sua origem ou seus condicionantes, uma vez que se

157 esteja ciente dos limites da pesquisa em relação ao âmbito moral. Essa tarefa exige investigações mais cuidadosas e específicas, com o objetivo de esclarecermos mais sobre nossa condição e sobre os aspectos envolvidos no fenômeno moral.

No Capítulo 3, analisamos primeiramente a psicologia evolucionista, uma área de pesquisa que busca compreender a mente em termos evolutivos e propõe explicações para alguns aspectos da moralidade. Algumas hipóteses na área defendem que o envolvimento de nossos ancestrais em práticas de altruísmo recíproco e reciprocidade indireta deixou marcas na mente humana que favoreceram certas disposições emocionais. Dessa forma, a organização do cérebro humano foi esculpida por pressões seletivas que construíram estruturas preparadas para lidar com relações e trocas sociais. Uma das expectativas dessa investigação é a de que compreender o modo de desenvolvimento do senso moral possa fazer com que nossa compreensão da condição humana avance, pois nos permite entender as condições nas quais evolução e cultura se relacionam. As críticas a este tipo de investigação envolvem a testabilidade das propostas, a inconclusividade das evidências apresentadas e o alegado caráter modular da mente humana. Apontamos algumas respostas para tais desafios, juntamente com a análise sobre o papel da cultura na evolução da espécie humana.

Na seção posterior, abordamos explicações primatológicas e antropológicas para a evolução da cooperação e da normatização e apresentamos, a partir da literatura consultada, as evidências sobre a existência daquilo que pode ser identificado como uma proto-moralidade entre símios. Tratamos também do argumento antropológico sobre os “blocos de construção da moralidade humana”, que advêm da intencionalidade compartilhada e da coordenação de tarefas constantes no desenvolvimento da espécie. As críticas a tais propostas envolvem, de maneira geral, tanto os riscos de antropomorfização quanto a ausência de uma explicação adequada para a capacidade de autogoverno normativo, que muitos apontam como sendo, senão o cerne, um elemento essencial da moralidade.

A investigação sobre a psicologia moral levantou a possibilidade de existirem traços inatos na moralidade humana, conforme as hipóteses da gramática moral universal, a sensibilidade moral em bebês e o modelo intuicionista. No entanto, foram apontadas objeções a tais modelos, envolvendo principalmente as noções de inatismo e a defesa da existência de adaptações exclusivamente ligadas à moralidade. No entanto, as críticas não deixam de reconhecer que as investigações em psicologia moral a partir de um ponto de vista evolucionista podem nos levar a avanços sobre o modo como pensamos e agimos em termos morais. A defesa da posição inatista, aponta para a necessidade de esclarecer certos aspectos

158 da terminologia, pois a noção de “inato” é utilizada de maneiras variadas no debate. Por fim, numa revisão geral, abordou-se a possibilidade de que nossas mentes sejam construídas para considerar algumas normas sociais mais atraentes do que outras, e envolvem certas aversões e preferências, mas seria exagerado afirmar que possuímos uma moralidade inata.

Na última seção do capítulo, tratamos da discussão sobre a neurociência da moralidade, área que tem se desenvolvido muito nos últimos anos. As conclusões de tais estudos apontam para um quadro onde as emoções não são apenas mecanismos instintivos e reativos, mas elementos preponderantes para os julgamentos morais. As críticas oferecidas a esse programa envolvem as expectativas em relação ao seu alcance, o caráter irredutível da experiência moral e a pertinência normativa da hipótese. De forma geral, tais críticas mostram que algumas expectativas e raciocínios envolvidos na riqueza da vida moral humana parecem estar além dos experimentos e resultados da neuroética. No entanto, as pesquisas em neuroética são peculiares pois permitem que se abordem alguns dos problemas tradicionais de filosofia moral a partir de uma nova luz, que leva em conta os desenvolvimentos recentes de nossos conhecimentos sobre o cérebro. Além disso, a neuroética pode melhorar nossa compreensão sobre os processos de tomada de decisão, de escolhas, de aquisição de caráter e temperamento e do desenvolvimento de disposições comportamentais.

Conforme defendemos, as críticas apresentadas em todas as esferas não inviabilizam a relevância dos programas primatológicos, antropológicos, psicológicos e neurocientíficos que abrem possibilidades para uma compreensão mais ampla da moralidade humana, a partir do entendimento da evolução de alguns de seus aspectos. No entanto, não é necessário negar o potencial reflexivo e justificativo das atitudes morais humanas para ceder um lugar às informações empíricas sobre nossa psicologia moral.Nosso objetivo de fundo foi desenvolver um diálogo produtivo entre filosofia e ciência, mantendo sempre em mente as especificidades dessas duas tentativas de compreensão da realidade.1 No entanto, conforme apontamos na Capítulo 1, além da reação religiosa, também surgiram questionamentos sobre a relevância filosófica da hipótese darwiniana à época de Darwin. Contemporaneamente, algumas críticas próximas dessa posição também são colocadas, para além das críticas de cunho religioso.2 Um

1 Algumas hipóteses recentes têm desconsiderado as especificidades da filosofia e da ciência, como por exemplo, a proposta do filósofo e neurocientista Sam Harris (2011 [2013]). Este defende que é possível, ao menos em princípio, que a ciência possa definir os valores morais. A crítica detalhada dessa hipótese foge ao escopo de presente trabalho, mas podemos dizer que se trata de um exemplo das expectativas exageradas que pode se nutrir sobre o alcance da ciência, cerne da posição cientificista.

2 As críticas de viés religioso colocadas ao programa darwiniano envolvem atualmente principalmente o debate acerca do “desenho inteligente”, uma proposta que reestrutura cientificamente o argumento do desígnio proposto por Willian Paley, defendendo a necessidade de um desenhista para as características observadas no mundo

159 exemplo de crítica laica ao programa darwiniano e suas implicações foi lançado pelo filósofo Thomas Nagel (1986 e 2012), cuja crítica sobre o alcance das hipóteses sociobiológicas para a compreensão da moralidade já foi abordada no Capítulo 2. No entanto, Nagel também oferece críticas às investigações antropológicas de viés darwiniano como um todo e cabe aqui abordar essa análise, numa última revisão das possibilidades gerais de tais investigações, diretamente vinculadas ao presente trabalho.

Nagel (1986 [2004], 114-5) identifica as tentativas das ciências evolucionistas dentro daquilo que chama de cientismo, uma posição que “supõe que tudo o que existe deve ser compreendido mediante teorias científicas como as que desenvolvemos até hoje, onde a física e a biologia evolucionista são os paradigmas atuais”. Assim, somos levados a pensar em nós mesmos como organismos contingentes arbitrariamente gerados pela evolução. De acordo com esse quadro antropológico, não haveria nenhuma razão em princípio para esperar que uma criatura finita como essa seja capaz de fazer mais do que acumular informações no nível perceptual e conceitual que ela ocupa por natureza. No entanto, para Nagel, não é assim que as coisas são, uma vez que podemos dar ao conteúdo de nossas reflexões e pensamentos um conteúdo que nos leve muito além de nossas impressões originais. Tal possibilidade não possui uma explicação adequada no quadro evolucionista, situação que evidencia sua limitação para explicar a condição humana. Sobre a possibilidade de investigação evolucionista da moralidade humana, Nagel (1986 [2004], 250) defende que “não podemos substituir o raciocínio prático pela psicologia de nossa capacidade de raciocínio prático.” Não se deve conceber a busca de princípios objetivos práticos como uma investigação psicológica de nosso senso moral, mas sim como um emprego de tal capacidade e a seus frutos. Nossos objetivos mais urgentes envolvem o empenho no raciocínio para descobrir quais razões temos ou não temos para agir.

Mais recentemente, numa ampliação de tais hipóteses, Nagel publicou um novo ataque à compreensão antropológica darwiniana, defendendo a dificuldade do programa evolucionista explicar o conhecimento, a consciência e os valores humanos uma limitação que “tornaria a concepção materialista neodarwiniana da natureza provavelmente falsa” (NAGEL, 2012, 10). O novo ataque defende que as ciências físicas podem apenas nos descrever como partes da ordem espaço-temporal objetiva – nossa estrutura e comportamento no espaço e no

natural. A evolução por seleção natural seria limitada para explicar tais aspectos. A principal referência é o trabalho do bioquímico Michael Behe (1996) [1997]. Outra visão religiosa, para além de discussões empíricas, é colocada por Roger Scruton (2014 e 2017), e envolve questões metafísicas, como a teleologia, a tendência humana para a transcendência e um “profundo grau de experiência do eu” (SCRUTON, 2014 [2016], 14).

160 tempo –, porém não podem descrever experiências subjetivas, nem como o mundo aparece para os seus diferentes pontos de vista particulares. Dessa forma, uma descrição puramente física dos processos neurofisiológicos que dão origem a uma experiência ou a um comportamento deixa de fora a essência subjetiva da experiência, caracterizando um quadro incompleto da nossa condição. Dessa forma, não podemos substituir a dimensão da primeira pessoa pela da terceira pessoa. E é isso o que torna a moralidade irredutível à ciência ou a qualquer discurso descritivo. Por isso a moralidade envolve sempre o debate entre subjetividades (que convergem ou divergem) – e não apenas o debate entre fatos ou entre explicações.3

Conforme foi proposto ao longo do presente trabalho a partir das abordagens evolucionistas da humanidade e da moral, posicionamentos reducionistas (que, numa definição ampla, buscam reduzir necessariamente todas as explicações a um único âmbito) e cientificistas (que, em termos gerais, consistem em procurar nas ciências por respostas a perguntas que estão além de seu escopo4) são limitados em relação a certos aspectos da condição humana e da moralidade. Isso nos faz concordar em parte com as objeções de Nagel. Em revisão às críticas apresentadas, a visão de Nagel sobre a dificuldade de se obter um quadro completo da condição humana a partir das ciências (evolucionistas ou outras), por serem elas limitadas ao discurso descritivo e em terceira pessoa e a reflexão moral se dar como raciocínio prático em primeira pessoa está próxima do que defendemos até aqui. No entanto, a reflexão moral não é indiferente às explicações ou teorias apresentadas pelas ciências; pelo contrário, elas são, justamente, a matéria para a reflexão em cada contexto e para o exercício da escolha; matéria de interpretação e de significação. As informações sobre a evolução mudaram o cenário onde se operam as escolhas morais, pelo simples fato de trazerem algum esclarecimento acerca de por que somos como somos. Não se trata aqui de uma expectativa de explicação total da condição humana, mas sim de obter alguma informação sobre nosso desenvolvimento que nos ajude a compreender nossas capacidades e limitações – principalmente em relação aos processos cognitivos humanos – o que pode informar nossas decisões. O dito acima se aplica certamente ao caso da investigação

3 Conforme apontamos, uma crítica que aborda a incompletude antropológica das explicações evolucionistas também é desenvolvida por Raymond Tallis (2011).

4 A filósofa Susan Haack (2012, 94) identifica esse e mais cinco sinais de cientificismo: (i) usar as palavras “ciência”, “científico”, “cientificamente”, “cientista” etc., como termos genéricos de elogio epistêmico; (ii) adotar os maneirismos e a terminologia das ciências, independentemente de sua real utilidade; (iii) uma intensa