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Limites, momentos e direitos da intervenção

Uma vez que não há, como já referido, uma regulamentação específica para o Amicus

Curiae, mas diversas previsões isoladas em leis federais, necessário se faz que cada texto legal

seja analisado de forma individualizada para identificação dos limites e momentos adequados de intervenção, bem como dos direitos que o interveniente possui no trâmite e procedimento processual, observando de forma subsidiária o Código de Processo Civil vigente.

Por primeiro, necessário ressaltar que a atuação dos Amici é regida pela imparcialidade, ou institucionalidade, do interveniente. Nesse sentido, para que seja possibilitada a intervenção, esta deve ser imparcial e digna de confiança do magistrado, sem qualquer interesse próprio, que não o institucional ou social, na causa, até porque, no entendimento de Bueno (2008, p. 538), todos aqueles que atuam em prol do proferimento de uma decisão jurisdicional, que não são partes ou terceiros interessados, estão sujeitos ao impedimento e à suspeição de que tratam os arts. 134 e 135 do CPC.

Importante destacar, por oportuno, que a principal razão de ser do Amicus Curiae é a auxiliar o juízo. Nessa esteira, necessária a relevância e a utilidade da manifestação, bem como a qualidade das informações que serão prestadas pelo interveniente, de modo que sua

participação não comprometa a rápida solução do litigio ou dificulte o trâmite processual, tornando-se um problema para o processo.

Quanto ao instante procedimental em que a intervenção deve se dar, verifica-se que somente em um dos diplomas legislativos há disposição expressa, a Lei 6.385/76, com relação à CVM, a qual fixa que o momento adequado para a intimação do terceiro é logo após a apresentação da contestação pelo réu, isso é, após o término da fase postulatória, ou no início da fase saneadora, tomando por referência o procedimento ordinário do CPC.

Bueno (2008, p. 545-546) levanta a possibilidade de generalizar tal previsão para os demais casos que a legislação silenciou, inclusive para as hipóteses de intervenção espontânea, argumentando ademais que subsidiariamente poder-se-ia tomar como diretriz a regra de intimação do Ministério Público, do art. 83, I, do CPC, que fixa a vista dos autos após a das partes, possibilitando que o custos legis tenha informações o suficiente para sua manifestação/opinião. Explica o autor que tal momento seria o ideal “justamente porque é após a postulação das partes e sanados eventuais defeitos no plano do processo que o juiz terá condições subjetivas de (começar a) decidir”.

Nada impede, contudo, que o Amicus Curiae venha a intervir desde logo, a exemplo do assistente, conforme estabelece o art. 50, parágrafo único, do CPC vigente. Da mesma forma, em qualquer outro momento poderá o interveniente pedir sua habilitação no processo, fundamentando a conveniência de sua participação e a possibilidade de auxílio ao juízo no proferimento da decisão.

Nesse sentido, inclusive, é a previsão do art. 14, §7º, da Lei 10.259/01, a qual estabeleceu os Juizados Especiais Federais, que determina que “eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias”. Não se fixa quando é o momento específico para a intervenção, mas fixa-se o prazo de 30 dias após o requerimento do interessado em atuar como Amicus Curiae e o deferimento do pedido pelo magistrado. Da mesma forma, o caput do art. 138 do novo CPC prevê o prazo de 15 dias, a contar da intimação, para a manifestação do terceiro.

Necessário se ressaltar que nas ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADI e ADECON), reguladas pela Lei 9.868/99, haviam previsões acerca do momento

oportuno da intervenção, que fixava em 30 dias contados do recebimento do pedido de informações do relator. Entretanto, o §1º do art. 7º, quanto à ADI, e os §§ 1º e 2º do art. 18, quanto à ADECON, os quais continham essa regra de prazo, foram vetados, entendendo-se, então, nas palavras de Bueno (2008, p. 137) que “será admissível a manifestação do Amicus

Curiae até o julgamento da ADIN ou ADECON, o qual se fará em prazo a ser concedido pelo

relator”.

Outro fator a ser analisado é a recorribilidade, ou não, da decisão que admite ou rechaça a intervenção do Amicus Curiae. Nos casos de intervenção determinada em lei não há que se falar em inadmitir o interveniente, mas nas hipóteses de intervenção espontânea, tal decisão cabe ao relator e depende da análise da lei que trata do assunto.

Tomando por exemplo o caso do CADE e da CVM, cuja intimação é obrigatória, nos termos das Leis 8.884/94 e 6.85/76, respectivamente, poderá qualquer deles, não tendo sido devidamente intimado, requerer sua intervenção. Analisados os pressupostos de admissibilidade, o juízo decidirá se admite ou não o interveniente a agir como Amicus Curiae, e essa decisão será, sim, recorrível, conforme expõe Del Prá (2011, p. 152-153):

Ora, a hipótese é regida pela regra geral, da impugnabilidade das decisões interlocutórias por meio do recurso de agravo (CPC, art. 522). De fato, as normas que autorizam a intervenção do CADE e da CVM não regulam o procedimento recursal de forma diferente do CPC; por isso, não só a decisão de inadmissão, mas também qualquer outra proferida quanto à sua atuação serão recorríveis. Da mesma forma, pensamos, deve-se concluir com relação ao INPI [e também quanto à ADPF].

Outrossim, há a previsão do art. 7º, §2º da Lei 9.868/99, estabelecendo ser irrecorrível a decisão que permitir a manifestação de outros órgãos e entidades na ADI e na ADECON. Contudo, essa irrecorribilidade expressa se limita às decisões que admitem a intervenção, silenciando quanto à decisão que inadmite a manifestação do terceiro como Amicus Curiae. Del Prá (2001, p. 155), quanto a esse caso, a despeito da regra de impossibilidade de recurso quanto às decisões interlocutórias prevista na citada lei e da controvérsia doutrinária, acredita ser possível recorrer da decisão denegatória considerando que o Amicus Curiae defende interesses de toda a coletividade, poder esse outorgado pela lei, e dessa forma presentes os pressupostos recursais de interesse, legitimidade e sucumbência.

Além disso, o art. 138 do novo CPC estabelece que a decisão do juiz ou relator acerca da admissão do Amicus Curiae será irrecorrível, e sobre isso a doutrina diverge. Didier Jr (2015, p. 524) e Neves (2015, p. 138) entendem taxativa a previsão legal, mas Amaral (2015, p. 217) entende ser cabível agravo de instrumento (ou recursos internos, no âmbito dos tribunais), em caso de indeferimento, já que se trata de hipótese de intervenção de terceiro. Entretanto, quanto a sua legitimidade recursal, o art. 1º do citado artigo estabelece que não haverá possibilidade de recursos, apenas de interposição de embargos de declaração e, conforme o § 3º, recurso de decisões nos incidentes de resolução de demandas repetitivas.

E, na mesma lógica, considerando que os Amici agem, muitas vezes, como fiscais da lei e com poder de polícia, há que ser estendida a eles a legitimidade reconhecida ao Ministério Público enquanto custos legis, por exemplo, de acordo com o art. 499, §2º, do CPC, ou ao terceiro juridicamente interessado, que demonstrando o nexo entre a decisão recorrida e seus interesses e/ou direitos que serão afetados por aquela, terá legitimidade para tanto.

Assim, destacando que o objetivo do amigo da corte é auxiliar o juízo a proferir a melhor decisão possível, seu direito a recorrer de decisões que vão de encontro a esse propósito e à correta prestação jurisdicional é evidente e salutar, apesar dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários no cenário jurídico brasileiro hodierno.

Em suma, pode-se afirmar que em todas as hipóteses em que a lei autoriza a intervenção voluntária do Amicus Curiae, as decisões sobre sua admissão (e sobre sua forma de agir, inclusive) são passíveis de recurso, cabendo apenas a análise individual da legitimidade do candidato a interventor para recorrer. (DEL PRÁ, 2011, p. 158)

Os limites de intervenção, por sua vez, serão de discricionariedade do julgador, na medida que a razão da intervenção do Amicus Curiae é auxilia-lo a elucidar as questões de fato e de direito para decidir da melhor forma possível. Tal entendimento inclusive foi expressamente consagrado no §2º do art. 138 do novo CPC, que determinou que caberá ao juiz ou ao relator definir os poderes do amicus curiae, já na decisão que solicitar ou admitir a intervenção.

Quanto a esses poderes dos amigos da corte, destaca Bueno (2008, p. 560, grifo do autor) que

a mesma gradação do interesse ou do direito que justifica (que legitima) a intervenção acaba por refletir na qualidade de atuação do terceiro em juízo. Quanto maior a intensidade com que as relações jurídicas do terceiro e das partes interpenetram-se, maior é a possibilidade de atuação desse terceiro. E vice-versa.

Nesse diapasão, os poderes decorrem do seu grau de interesse na intervenção, a fim de atingir as finalidades que os legitimam a intervir como tal. Sua função, e portando os limites de seus poderes, é fundada em seu poder de polícia, de fiscal institucional da lei, e deve ter como objeto o direito material discutido, isso é, o mérito da lide, ampliando os horizontes da questão ali problematizada.

Já os deveres desse terceiro, de forma geral, nos termos do art. 14 do CPC, serão:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé;

III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Destarte, independentemente do tipo de ação que intervirem, os Amici devem, sobretudo, ser imparciais e comprometidos com a função que exercem: a de auxiliar o juízo, que inclusive pode-se classificar como um ônus, trazendo informações relevantes, desconhecidas pelo juízo e/ou não ventiladas pelas partes, colaborando com a prestação jurisdicional.

Relativamente à produção de provas, Bueno (2008, p. 566) aduz que ao amigo da corte deve ser franqueado comprovar o que está alegando em juízo, assegurando a utilidade de sua intervenção e a comprovação, por meios idôneos, de que tais alegações merecem guarida. Mas no caso de entendimento diverso, há, ao menos, a possibilidade de o terceiro sugerir ao julgador que se produzam outras provas além das produzidas pela parte, para o bom saneamento da lide.

De outra banda, cabe analisar os efeitos da decisão prolatada em processo onde houve intervenção do Amicus Curiae. Tendo em vista que este interveniente não pode sequer conduzir

o processo, e que não é considerado parte, nem assistente litisconsorcial, visto que não é titular de nenhum direito deduzido em juízo, ele não ficará sujeito à coisa julgada, apesar de muitas vezes restar afetado pela decisão (BUENO, 2008, p. 594).

Diante do exposto, ainda cabe muito estudo acerca das classificações, limites e poderes dos Amici Curiae no direito processual pátrio, principalmente diante da Lei 13.105, promulgada recentemente, e que, sem afastar as polêmicas acerca do instituto, generalizou a sua intervenção a praticamente todos os processos, pluralizando e tentando qualificar as decisões judiciais de todos os âmbitos da justiça brasileira.

3 O AMICUS CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Nos termos do Glossário Jurídico do site do próprio STF, o verbete Amicus Curiae ou "Amigo da Corte" é forma de

intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos, atuam apenas como interessados na causa.

Nesse sentido, em recente estudo acadêmico sobre o tema, Medina (2010, p. 113-127) analisa os dados obtidos dos relatórios do STF sobre o tema, e define a influência do Amicus

Curiae a partir do exame dos processos em que suas razões foram juntadas aos autos. De um

total de 1.440 pedidos de ingresso de terceiros, 85,8% tiveram seu pedido deferido, o que demonstra que o Supremo possui uma postura extremamente aberta à participação de amigos da corte, vez que grande parte dos indeferimentos se deu por ausência de fundamentação coerente, pedido fora de prazo (após o término da instrução processual ou às vésperas do julgamento), ou ausência de representatividade adequada.

Ainda sobre o citado estudo, concluiu-se que 89,8% dos intervenientes eram pessoas jurídicas, mas que as pessoas físicas também têm franqueado o acesso à jurisdição constitucional. Dentre as pessoas jurídicas, há preponderância de associações (40%) e de entidades sindicais (19%), sendo que também são, comumente, protagonistas as organizações profissionais, as organizações privadas em prol de direitos fundamentais, além de órgãos públicos e unidades governamentais.

Medina (2010, p. 27, grifo nosso) ainda assevera, em suas pesquisas, que

a figura do amigo da corte surge como uma forma de abertura procedimental do STF, sem implicar o aumento da já excessiva carga de processos que a suprema corte lida no seu dia a dia. Cada amicus curiae admitido em um processo pode significar inúmeros processos a menos, o que também contribuirá para a administração da justiça.

De igual forma, Mattos (2010, p. 117, grifo nosso) ressalta a importância da, de certa forma recente, participação do Amicus Curiae como instrumento de democratização das decisões:

Desta forma, numa tentativa de democratizar o controle concentrado brasileiro das normas, principalmente tendo em vista a avaria do controle difuso de constitucionalidade aqui prevalecente, além de, também, fazer sobressair o papel do Supremo Tribunal Federal, não como o guardião de uma ordem de valores, mas sim como o protetor do processo de criação democrática do direito, cumprindo-lhe proteger um sistema de direitos que torne factível a incidência simultânea da autonomia privada e da autonomia pública, celebra- se a inovação do instituto do amicus curiae no sistema jurídico brasileiro.

Bueno Filho (2002), por sua vez, sustenta que cabe à sociedade, e principalmente aos advogados, a tarefa de contribuir para que o Supremo se convença, cada vez mais, da utilidade da participação de terceiros nessa tarefa importantíssima, com a intenção de alargar o juízo de admissibilidade do instituto, abrindo-o a juristas ou personalidades representativas.

Por essa razão, e conforme descrito nos capítulos anteriores, é que se pode afirmar que além do, a nosso ver, importante sentido democrático da participação, o Amicus Curiae vem para enriquecer o debate entre as partes, trazendo aos autos informações e experiências de implicações de vários aspectos (políticas, jurídicas, sociais, culturais, técnicas e econômicas), além de fortalecer o princípio da fundamentação racional das decisões, definido no art. 93, IX, da CF/88.

Assim, passemos a analisar como o STF tem enfrentado a matéria, com a análise de algumas das decisões dos Ministros sobre a admissão, os poderes e os limites da intervenção.

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