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Amicus Curiae: da origem ao novo código de processo civil

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HANNA BAUER RIEGER

AMICUS CURIAE: DA ORIGEM AO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

Ijuí (RS) 2015

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HANNA BAUER RIEGER

AMICUS CURIAE: DA ORIGEM AO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

DCJS − Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. Doglas Cesar Lucas

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho a meu pai Magnus, pelas boas lembranças de dias felizes; à minha mãe Denise, por sua perseverança e força e por iluminar meu caminho; e à minha irmã Sofia, pelo companheirismo e amor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãе Denise, a heroína quе mе dеu apoio, incentivo e fôlego nаs horas difíceis, de desânimo е cansaço, além de todo o amor e cuidado ao longo da vida. Eu não seria nada sem você.

Aos mеus avós, Marlene e Hélio, Juni e Nelson, que mesmo com todas аs dificuldades sempre se dispuseram a me ajudar, da mesma forma que toda a minha família, e a todos meu agradecimento cheio de gratidão.

Obrigada à minha irmã Sofia, por sua paciência, pelo companheirismo e amor, apesar da distância e das nossas diferenças: sempre estaremos juntas.

Agradeço com carinho ao meu noivo João Guilherme, por estar ao meu lado, por não medir esforços para me amparar e por torcer sempre pelo meu sucesso.

Meus agradecimentos também аоs meus amigos, companheiros de trabalho e colegas de curso quе fizeram parte dа minha formação, os quais o Direito me apresentou e que vão continuar presentes еm minha vida.

Agradeço ao meu orientador Doglas, pela dedicação, apoio е confiança, bem como à esta Universidade, sеu corpo docente, direção е administração, os quais oportunizaram o meu crescimento pessoal e profissional, fundado nо mérito е na ética aqui presentes.

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“Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem

um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de

práticas com ela coerentes”.

(Paulo Freire)

“Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora

A mágica presença das estrelas.”

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do Amicus Curiae enquanto instrumento de democratização das decisões judiciais. Aborda-se detalhadamente a origem, os objetivos e as formas de intervenção, delineando a atuação do amigo da corte no direito estrangeiro e internacional, bem como a sua integração ao direito pátrio, ao longo do tempo e das legislações, até o recente e inovador Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Além disso, busca-se conceitua-lo, caracterizando-se suas formas de intervenção e delimitando seus poderes e direitos, enquanto terceiro enigmático. Analisa, ainda, de forma breve, a intervenção do instituto, através de jurisprudências, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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ABSTRACT

This monographic research aims to analyze the Amicus Curiae as an instrument to democratize the juridical decisions. Thus are presented in details it’s origins, objectives and intervention tactics, detailing it’s acting in the international law, as well the integration in the local juridical order (historically and by the statutory laws) up until the Brazilians’ Civil Procedure Code (Law number 13.105/2015). Furthermore this research aims to define the

Amicus Curiae, characterizing it’s intervention tactics and delimiting it’s powers and rights as

a third party. Also, briefly analyze, by jurisprudences, the institute’s intervention in the Supreme Court and the Rio Grande do Sul State’s Court of Justice.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1 1 AMICUS CURIAE: ORIGENS, REFERÊNCIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA...11

1.1 A origem do instituto...11

1.2 O Amicus Curiae no direito estrangeiro e no direito internacional...13

1.3 O Amicus Curiae no direito brasileiro: histórico e previsões legais...15

2 CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES E LIMITES INTERVENTIVOS DO AMICUS CURIAE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ...24

2.1 Em busca de um conceito...24

2.2 Natureza Jurídica...25

2.3 Classificação...28

2.4 Limites, momentos e direitos da intervenção...31

3 3 O AMICUS CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA...37

3.1 Uma breve análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)...38

3.2 Uma breve análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) ...44

CONCLUSÃO...48

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INTRODUÇÃO

Assunto bastante atual na sociedade brasileira, principalmente pelos estudiosos das ciências política e jurídica, o instituto do Amicus Curiae, que já era aceito por muitos países pela sua função colaborativa, e que já vinha sendo aceito pela doutrina e jurisprudência pátrias há algumas décadas, é importante instrumento de democratização da jurisdição, visto que permite a intervenção da sociedade por meio de pessoas, físicas ou jurídicas, e organizações, no processo civil brasileiro e na busca do ideal de justiça. Estudá-lo é, agora mais do que nunca, visto que previsto pelo Novo Código de Processo Civil (Lei. nº 13.105/2015), necessário para os operadores do direito, além de importante, inclusive, para a nação brasileira que, com a inovação, poderá participar mais ativamente nas discussões atinentes à justiça e ao bem comum, trazendo ao judiciário os princípios morais e éticos que prevalecem na sociedade atual.

Mais do que uma forma de renovar a ideia de democracia em meio ao direito positivo, objetivo esse que é inafastável de todo Estado erigido com base no princípio democrático, a previsão legal da participação do Amicus Curiae no processo civil brasileiro, cria certa esperança em um país melhor através de uma justiça mais coerente com as necessidades do povo e suas expectativas.

Tais circunstâncias serão brevemente abordadas no presente estudo, o qual se estrutura em três etapas. Inicialmente, para um melhor entendimento da matéria, é de fundamental importância tecer concisas considerações acerca da origem e do histórico do instituto no direito estrangeiro e internacional, bem como sua absorção e evolução no direito pátrio, através das recentes legislações e inovações jurisprudenciais.

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Posteriormente, busca-se chegar a conceitos, analisando o entendimento de renomados autores, esclarecer as poucas e divergentes classificações doutrinárias acerca da intervenção, além de estabelecer os limites interventivos do amigo da corte na legislação brasileira.

Por fim, faz-se uma breve análise da participação do Amicus Curiae na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no controle de constitucionalidade das normas, destacando o papel democrático desse terceiro na busca pela legitimação das decisões, bem como uma superficial análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS), onde ainda não há uniformidade e total aceitação do instituto.

A presente pesquisa objetiva, dessa forma, trazer ao debate acadêmico esse instituto tão importante para a democracia e para a justiça do país, sobretudo diante de sua significativa inclusão no processo civil brasileiro, oriunda da Lei 13.105/2015, que é a intervenção do

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1 AMICUS CURIAE: ORIGENS, REFERÊNCIAS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O termo Amicus Curiae deriva do latim e significa, literalmente, Amigo da Corte. Esse instituto é, ainda, pouco conhecido pela sociedade brasileira, mas vem sendo assunto bastante discutido pelos estudiosos das ciências política e jurídica, já que o novo Código de Processo Civil, sancionado no início do corrente ano, inovou ao trazer, de forma expressa, a figura do

Amicus Curiae à legislação brasileira.

Para o entendimento de tal instituto é necessário, de início, a análise de suas origens e das referências do instituto, ao longo do tempo, no direito estrangeiro, supralegal e, principalmente, na legislação brasileira. Além disso, far-se-á, para a compreensão desse tipo de intervenção processual, a classificação do instituto, indicando suas espécies, limites e características.

1.1 A origem do instituto

A origem do Amicus Curiae não se encontra pacificada entre os historiadores e doutrinadores do Direito. Sabe-se que essa forma de intervenção, porém, existe desde os tempos mais remotos e foi importante na formação da justiça de diversas civilizações.

Há notícia de que suas raízes se encontram no direito romano, conforme afirma Del Prá (2001, p. 25), esclarecendo que com uma conformação diversa da que encontramos atualmente, mas há outros indícios que apontam ter o instituto sua origem no direito inglês medieval, eis que sua previsão já se encontrava nos chamados Year Books Ingleses, nos séculos XIV a XVI.

Nesse contexto, os doutrinadores que sustentam que a origem do instituto é o Direito Romano, o fazem com base no histórico de que em Roma os julgadores possuíam auxiliares, de suas confianças, e que juntos constituíam o que se chamava por consilium, com funções consultivas nas mais diversas áreas do conhecimento, como economia, política e religião. Bueno (2011, p. 88) cita:

Giovani Criscuoli, contudo, mostra-se bastante cético quanto às origens romanas do instituto. Para ele, o que pode ser sustentado é que o amicus curiae teria derivado do consilliarius romano e que foi a partir dela que o sistema inglês incorporou e desenvolveu a figura, adaptando-a para suas próprias necessidades de acordo com as características, ainda em evolução, de seu próprio sistema jurídico.

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Outros autores, contudo, afirmam que o instituto é originário do sistema da common law inglês, de forma mais sistemática, onde o Amicus era auxiliar das Cortes, com a função de indicar qualquer erro de posicionamento e trazer precedentes desconhecidos ou ignorados pelos julgadores.

Sobre esse posicionamento, Bueno (2008, p. 90, grifos do autor) informa que, no direito inglês, em causas em que não havia interesse governamental, o amicus curiae comparecia perante as Cortes na qualidade de attorney general ou de counsels, para apontar e sistematizar eventuais precedentes (cases) e leis (statutes) que, por qualquer razão, pudessem ser desconhecidos pelos julgadores de determinados casos concretos.

No mesmo sentido, Del Prá (2011, p. 25) esclarece que o Amicus Curiae cumpria um papel meramente informativo e supletivo, mas de clara importância no direito inglês daquela época, já que apontava precedentes jurisprudenciais não ventilados pelas partes, atuando em benefício de menores, e, principalmente, frisando certos fatos relevantes do caso, como o erro manifesto, a morte de uma das partes, o descumprimento do rito processual ou a existência de norma específica para a matéria debatida.

Dessa forma, o instituto surgiu, ao longo da história, para auxiliar a Corte em questões tanto de fato quanto de direito, e por isso recebeu esse nome, Amicus Curiae, o amigo da corte.

Essa intervenção do Amicus Curiae desenvolveu-se para o que se conhece hodiernamente, entretanto, a partir da absorção pelo direito norte-americano, onde o instituto ganhou conformações e características distintas das até agora analisadas. Del Prá (2011, p. 27), sobre isso, aduz que:

Com o tempo, e sobretudo a partir de sua absorção pelo direito norte-americano, o instituto passou gradativamente a deixar de ser instrumento de um terceiro desinteressado, para assumir uma função mais comprometida. Houve, portanto o abandono da original neutralidade de sua função, passando o amicus curiae a assumir uma função mais parcial, interessada.

Atualmente, essa neutralidade característica do instituto nos tempos passados, deixou de ser regra, e hoje a realidade muda de Estado para Estado, de caso para caso e de processo para processo.

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1.2 O Amicus Curiae no direito estrangeiro e internacional

Bueno (2008, p. 92, grifo nosso) cita que na Inglaterra a atuação dos Amici (Amicus no plural) é restrita aos casos em que o Attoney General (função que para o direito brasileiro é exercida pelo Procurador Geral da República ou pelo Advogado Geral da União) atua em juízo em prol de interesses públicos ou para a tutela dos interesses da Coroa inglesa.

Nos Estados Unidos da América, diz-se que a primeira aparição do Amicus Curiae foi em 1812, no caso “The Schooner Exchange vs. McFadden” quando o Attoney General foi admitido em juízo para esclarecer questões referentes à Marinha e de que ele tinha grande conhecimento. Com o passar do tempo, os casos de intervenção de entes públicos (Amici governamentais) passou a ser comum naquele Estado, quando, então, no início do século XX a jurisprudência passou a aceitar a intervenção de particulares (amici privados ou litigantes) com interesse na tutela de direitos privados, o que causou, e ainda causa, bastante divergência entre os juristas norte-americanos.

Del Prá (2011, p. 33), sobre os limites e as características da intervenção do Amicus

Curiae no direito norte-americano expõe:

Interessante notar que a participação do amicus curiae nos EUA, dar-se-á somente nas Supremas Cortes, federais e estaduais, e nos tribunais de apelação, mas nunca nas instâncias inferiores. Ademais, muito embora sua participação se destine a “ajudar a corte”, o amicus curiae age em auxilio a uma das partes [...] Como já anunciado alhures, nos países de cultura jurídica anglo-saxônica (e sobretudo nos EUA), a função do amicus curiae há muito deixou de ser neutra, constituindo verdadeiro ato de “advogar” em favor de uma das partes.

Outrossim, a Suprema Corte dos Estados Unidos regulamentou, em sua Rule (regra) 37, em 1998, que é admissível a intervenção do amicus curiae desde que este traga à Corte matéria relevante, ainda não ventilada pelas partes e que seu conhecimento seja, de alguma forma, útil para a Corte, e ainda acrescenta que o principal objetivo da figura é de auxílio à Corte, de forma que resta vedada sua admissão nos casos em que a intervenção pudesse sobrecarregar a Corte.

Já na França, a Corte de Apelação de Paris admitiu, de forma pioneira naquele Estado, a participação do Amicus Curiae em dois julgamentos no ano de 1988, dando ensejo para que

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a Corte de Cassação também admitisse o instituto no ano de 1991. Tais admissões foram fundadas no entendimento de que ao juiz é livre a investigação de elementos para seu próprio convencimento e para o proferimento da sua decisão, eis que essa é a previsão do Código de Processo Civil francês nos arts. 179 a 183 (DEL PRÁ, 2011, p. 33, grifo nosso).

Importante destacar que a função desempenhada pelo interveniente na França, de acordo com Del Prá (2011, p. 34), é muito parecida com a desempenhada na antiguidade, isso porque age como verdadeiro amigo da corte, em sua fisionomia original, sem interesses próprios.

Nos mesmos moldes, na Itália o instituto é tido como um instrumento que está sempre à disposição do julgador, de forma que é considerado “esperti in una determinata arte o

professione” conforme destaca Del Prá (2011, p. 35, grifo nosso). É de se destacar que a

pretensão principal do Amicus Curiae no direito italiano é trazer benefícios à justiça, de forma desinteressada, no sentido de que o interveniente não traz implícitos interesses próprios ou de pessoas por ele representadas.

Na Argentina, diversamente, havia entendimento de que a intervenção desse terceiro, lá chamado de asistente oficioso, só era admissível nos casos em que havia disposição legal expressa nesse sentido. Na década de 90, contudo, dois organismos internacionais de direitos humanos foram admitidos em um feito que tratava de crimes contra a humanidade, ocorridos durante a ditadura militar. Após esse precedente, muitos outros casos de intervenção foram observados e a sua utilização passou a ser largamente reconhecida no país, com papel importante no âmbito da democracia, nas palavras de Del Prá (2011, p. 37, grifo nosso):

O que impende notar, primeiramente, é que a participação do amicus curiae na Argentina pareceu comportar função mais abrangente e alargada do que aquela verificada na França e na Itália. Enquanto nesses países, e pelo menos em um primeiro momento, o “amigo da corte” era instrumento apenas de busca da verdade pelo juiz, na Argentina ele revelou-se também de extrema importância para a democratização do processo, porquanto possibilitou a participação de organismos não só em benefício da própria corte, mas sobretudo em exercício de um direito de ativa participação democrática.

Por essa razão, na Argentina, a Corte Suprema de Justiça da Nação editou, em 2004, norma interna (Acordada 28/2004) que autorizou a participação de um terceiro na qualidade de

Amicus Curiae, denominando-o de “Amigo del Tribunal” e regulamentando detalhadamente a

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feito no ano 2000. Assim, naquele país há real identificação do instituto como efetiva forma de participação ativa e voluntária dos cidadãos na Justiça.

Nos ordenamentos internacionais, na mesma esteira, houve gradativa, mas rápida, identificação entre a função desempenhada pelo amicus e a função desempenhada pelas instancias internacionais de controle, jurisdicionais e regulatórias. Há, inclusive, previsão expressa da possibilidade desse tipo de intervenção nos acordos e tratados internacionais.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Convenção que é conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, por exemplo, que abrange o Brasil e mais 24 países, autoriza a manifestação de terceiros em busca da verdade real. Essa participação é de suma importância, considerando que as violações a direitos humanos rompem as barreiras territoriais e acabam por atingir toda a humanidade.

1.3 O Amicus Curiae no direito brasileiro: histórico e previsões legais

O Amicus Curiae teve sua primeira aparição no ordenamento jurídico brasileiro de forma

muito singela quando a Lei 6.835 de 07/12/1976, que disciplina o mercado de valores mobiliários, foi alterada pela Lei 6.616 em 1978, e passou a prever, em seu art. 31, que nos processos judiciais onde o objeto central seja de fiscalização e competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), esta será sempre intimada para, entendendo necessário, intervir no feito.

Essa forma de intervenção trazida pela legislação se justificou por serem as questões relacionadas ao mercado mobiliário consideradas de extrema relevância, a ponto de possibilitar que o julgador pudesse obter informações e esclarecimentos importantes que, considerando a formação média do magistrado, pudessem passar despercebidas por ele e assim restasse prejudicada sua decisão.

Todavia, Del Prá (2011, p. 59) ressalta que essa intervenção da CVM não se identifica de forma completa com o que entendemos por Amicus Curiae nos dias atuais. Havia, sim, na Lei 6.835/76 a previsão de uma participação voluntária (já que a intimação era obrigatória, mas a manifestação era apenas uma faculdade da autarquia) de um terceiro que, até certo ponto,

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caracterizava-se por desinteressado juridicamente, mas faltava-lhe um dos atributos principais do amigo da corte: a função democrática.

Pode-se dizer, nesse diapasão, que a primeira hipótese de previsão legal do Amicus

Curiae no direito brasileiro foi em 1978, com terminologia distinta, mas com características

próprias que já o diferiam da intervenção de terceiros prevista no Código de Processo Civil (CPC).

Nos mesmos moldes, mas alguns anos depois, o amigo da corte reapareceu no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 8.884 de 11/06/1994, a qual transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia Federal e dispôs sobre as formas de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

A referida norma permitiu a intervenção do CADE em processos em que se discutia a aplicação da própria lei, e cujas matérias tratadas fossem de apreciação obrigatória da autarquia, haja vista seu poder de polícia no setor econômico, fixado pela própria Constituição Federal (CF) brasileira.

O Art. 89 da Lei 8.884/94, que foi revogado pela Lei nº 12.529/2011 (a qual passou a tratar do assunto da mesma maneira no seu Art. 118), previa que “nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente”. Frisa-se, por oportuno, que o termo “assistente”, empregado pelo legislador, não tem correspondência com a modalidade de assistência regulada pelo CPC no art. 50 e seguintes, porque no diploma processual civil está presente o interesse jurídico subjetivo do assistente, e o CADE intervém apenas como fiscal da lei, de forma impessoal, com o intuito de auxiliar o juízo na solução das questões econômicas e concorrenciais (DEL PRÁ, 2011, p. 64).

A terceira manifestação reconhecida do instituto foi a previsão do art. 49 da Lei 8.906 de 04/06/1994, que permitiu que as autoridades no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), isso é, Presidentes dos Conselhos e das Subseções, pudessem intervir em inquéritos e processos onde figurassem, em qualquer dos polos, pessoas inscritas na OAB. Para Bueno (2008, p. 342), o objetivo da intervenção do órgão é claramente perceptível, pois “a OAB não atua em nome do advogado, mas em prol da defesa, administrativa ou judicial, das prerrogativas

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profissionais dele, de seu múnus público [...]” e por isso pode ser equiparada à figura de Amicus

Curiae.

Ainda dentre as primeiras previsões do instituto, está a intervenção do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) nas causas em que sua participação é obrigatória, a qual está regulada nos arts. 57 e 175 da Lei 9.279 de 14/05/1996, que estabelecem:

Art. 57. A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

Sobre a referida lei, há discordância entre os autores no tocante à qualidade que o órgão assume ao intervir nos processos, com base na interpretação dos artigos citados. A corrente que entende que o INPI seria um litisconsorte necessário o faz com base na obrigatoriedade de participação do órgão no feito, o que não é característica da assistência processual propriamente dita, bem como na falta de vinculação do órgão a qualquer das partes litigantes e na submissão do interventor à decisão proferida.

Del Prá (2011, p. 67-69), pelo contrário, aduz que as únicas hipóteses de litisconsórcio necessário são aquelas expressas por disposição legal ou decorrentes da natureza da relação jurídica, afastando a possibilidade de o INPI figurar como tal. No entanto, o autor também rechaça a ideia de que o órgão agiria como o assistente regulado pelo CPC, pois no presente caso inexiste voluntariedade e não há interesse jurídico ou auxílio a qualquer das partes litigantes.

Bueno (2008, p. 305-306, grifo do autor) acrescenta dizendo que:

Aqui também, portanto, a exemplo do que se dá em outras hipóteses em que a lei processual civil brasileira “insinua” a existência de uma figura que, aqui, chamamos de amicus curiae, isto é, em que se deixa entrever a existência dessa figura, o legislador terá entendido ser oportuna a intervenção de alguém que domine as regras próprias e técnicas daquele específico ramo do direito para viabilizar ao magistrado o proferimento de uma decisão que,

objetivamente, melhor atenda (melhor tutele) o específico direito material

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Pode-se concluir, portanto, que a situação do INPI se assemelha à do CVM e à do CADE, que intervêm, apesar da nomenclatura utilizada e de suas particularidades, como verdadeiros Amici Curiae, prestando informações e esclarecimentos ao juízo, de forma descomprometida em relação às partes, mas comprometida com sua função institucional.

Outrossim, cabe a ressalva de que

a figura do amicus curiae no direito positivo brasileiro, até esse momento histórico, representava vantagem para a atividade jurisdicional apenas no sentido técnico-processual. Ou seja, o auxílio das informações trazidas pela CVM, pelo CADE e pelo INPI [da mesma forma que o auxílio prestado pela OAB] possibilita ao juiz obter melhor desempenho na construção da decisão [...] Sua outra faceta, a de instrumento de participação democrática, ainda não havia sido encampada pelo legislador brasileiro, o que somente veio a ocorrer no âmbito do controle de constitucionalidade [...] (grifo nosso).

Pouco tempo depois, a Lei 9.868 de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), previu a possibilidade de manifestação de órgãos ou entidades na ADI, assim dispondo:

Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1º (VETADO)

§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Necessário se faz o exame de alguns tópicos, no entanto, sobre tal previsão legal. O caráter das ações para o controle de constitucionalidade, como é o caso da ADI, revestem-se de caráter objetivo, isso é, não se admite a propositura para a defesa de interesses subjetivos, mas tão-somente a verificação abstrata da conformidade da norma infraconstitucional com a CF e nesse sentido é a vedação do caput do art. 7º transcrito. Além disso, o legislador tomou o cuidado de usar os termos “outros órgãos e entidades” no parágrafo segundo, para delimitar a intervenção, e estabeleceu mais, é necessária também a relevância da matéria debatida e a representatividade dos postulantes, como bem destaca Del Prá (2011, p. 84-85).

Assim, na ADI, o terceiro atuará como Amicus Curiae desde que cumpra os requisitos previstos na Lei 9.868/99, e isso se dará de forma voluntária ou mediante requisição do relator,

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hipótese essa que, consoante afirmação de alguns autores, poderão intervir não apenas “outros órgãos ou entidades”, mas todo aquele que, no entendimento do relator, puder agir em benefício da causa e da corte.

No mesmo sentido, a Lei 9.868/99 trazia em seu texto inicial o art. 18, §2º, com idêntico teor do artigo 7º, §2º, supracitado, o qual tratava especificamente da possibilidade de intervenção do amigo da corte na ADECON, mas tal disposição acabou sendo vetada do texto legal. No entanto, por questão de isonomia e aplicação analógica, o entendimento dos autores é de que a intervenção de Amici Curiae na ADECON é completamente possível, já que sua participação é autorizada na ADI e o resultado/objetivo de ambas as ações é a mesma: analisar a (in)constitucionalidade de norma infraconstitucional e legitimá-la (DEL PRÁ, 2001, p. 90-91).

Ainda no tocante ao controle concentrado de constitucionalidade, a Lei nº 9.882, de 03/12/1999, que dispõe sobre o processo e o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), admitiu a manifestação “em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria”, de acordo com seu art. 6º, §1º. Contudo, diferente do caso da ADI e da ADECON, na ADPF tal intervenção somente ocorrerá por requisição do relator, mas cabe a ressalva que nessa ação qualquer interessado terá legitimidade para tanto.

Medina (2010, p. 27) acrescente que

[...] a figura do amigo da corte surge como uma forma de abertura procedimental do STF, sem implicar o aumento da já excessiva carga de processos que a suprema corte lida no seu dia a dia. Cada amicus curiae admitido em um processo pode significar inúmeros processos a menos, o que também contribuirá para a administração da justiça.

Em suma, o Amicus Curiae é importante figura de legitimação nos processos que visem o controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que permite a participação ativa da sociedade, por meio de entidades, órgãos, grupos e instituições, que expõem os princípios e valores da maioria e, assim, o conceito de democracia participativa no Brasil recebe nova conotação, e a administração da justiça acaba favorecida.

O termo permanecia citado apenas nas doutrinas brasileiras até que, em 17/09/2004, a Resolução nº 390 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o regimento interno da

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Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudências dos Juizados Especiais Federais, trouxe expressamente, em seu art. 23, o termo Amicus Curiae:

Art. 23. As partes poderão apresentar memoriais e fazer sustentação oral por dez minutos, prorrogáveis por até mais dez, a critério do presidente.

§ 1º O mesmo se permite a eventuais interessados, a entidades de classe, associações, organizações não governamentais, etc., na função de “amicus curiae”, cabendo ao presidente decidir sobre o tempo de sustentação oral. (grifo nosso).

Nessa esteira, a Lei 10.259, de 12/07/2011, dispôs sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal e regulamentou o pedido de uniformização de interpretação de lei federal em seu art. 14:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

[...]

§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias. (grifo nosso).

Sem dúvida, essa inovação expressa no parágrafo supracitado é fruto da tendência observada nas ações de controle de constitucionalidade, a que se analisou anteriormente. Ademais, quanto à abertura da sociedade de interpretes do ordenamento jurídico brasileiro, esse também foi fator importante, já que cada cidadão, sozinho ou de forma indireta ou representada, poderá intervir nos incidentes de interpretação e uniformização de leis federais.

Por fim, mas quiçá a previsão legal mais importante e aguardada quando o assunto é

Amicus Curiae, foi a promulgação da Lei 13.105, em 16/03/2015, o novo Código de Processo

Civil, que entrará em vigor um ano depois de sua publicação, e traz em seu texto o seguinte artigo, localizado no Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Título III - Intervenção de Terceiros, no Capítulo V – DO AMICUS CURIAE:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação

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de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º.

§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. (grifo nosso)

Essa é a primeira vez em que o legislador usa, no ordenamento jurídico brasileiro (desconsiderando a Resolução nº 390/2004 do Conselho da Justiça Federal), o termo derivado do latim, Amicus Curiae, para se referir ao instituto estudado, afastando qualquer possibilidade de interpretação diversa para a intervenção. Para a doutrina, que já escreve sobre a novidade, a intervenção passou a ser possível em qualquer processo, de forma que se generalizou a intervenção do Amicus Curiae e se ampliou o rol de aptos a agirem como tal (DIDIER JR., 2015, p.523).

Importante frisar, contudo, que o legislador impôs requisitos a essa manifestação, estabelecendo ser necessário, de forma conjunta, a existência de relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda e a repercussão social da controvérsia, conforme exposto no próprio caput do artigo.

Do mesmo modo, o legislador determinou quem poderá atuar sob esta veste: “pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada”, sem, entretanto, restringir a intervenção a ponto de dificultá-la, permitindo inclusive a pessoa natural de se manifestar, o que merece destaque.

Neves (2015, p. 137), sobre a nova lei, esclarece que

Exige-se nesse caso a existência de representatividade adequada, ou seja, que o terceiro demonstre ter um interesse institucional na causa, não sendo suficientes interesses meramente corporativos, que digam respeito somente ao terceiro que pretende ingressar na ação. Por interesse institucional compreende-se a possibilidade concreta do terceiro em contribuir com a qualidade da decisão a ser proferida, considerando-se que o terceiro tem grade experiência na área à qual a matéria discutida pertence. A pessoa jurídica deve ter credibilidade e tradição de atuação a respeito da matéria que se discute, enquanto da pessoa natural se espera reconhecido conhecimento técnico sobre a matéria. Ainda que sejam conceitos indeterminados, dependentes de grande dosagem de subjetivismo, são requisitos que se mostram importantes para

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evitar a admissão de terceiros sem efetivas condições de contribuir com a qualidade da prestação jurisdicional.

Entretanto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis, em reunião realizada no Rio de Janeiro entre os dias 25 e 27 de abril de 2014, aprovou o seguinte enunciado: “127. A representatividade adequada exigida do amicus curiae não pressupõe a concordância unânime daqueles a quem representa”. Deixando claro que, muitas das vezes, apesar de reconhecida a representatividade de órgão ou entidade, suas opiniões não refletem a opinião de todos aqueles que estão por trás dessa manifestação.

O Fórum ainda complementou dizendo, no Enunciado 128, que “no processo em que há intervenção do amicus curiae, a decisão deve enfrentar as alegações por ele apresentadas, nos termos do inciso IV do § 1º do art. 499”. Isso porque, nos termos no art. 138, §2º, do novo CPC, o legislador estabeleceu que “caberá ao juiz ou ao relator [...] definir os poderes do amicus

curiae” e, dessa forma, a regra poderá ser amplamente discutida. Contudo, importante registrar

que o órgão julgador não fica vinculado à manifestação do Amicus Curiae, até porque há a possibilidade de admissão de mais de um terceiro nesse papel, e cada um deles poderá defender interesses contrapostos aos dos outros, conforme destaca Didier Jr (2015, p. 526).

Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery (2015, p. 576-577, grifo do autor), em seus comentários ao novo CPC, destacam, outrossim, que o Amicus Curiae não está equiparado à parte ou ao terceiro tradicionalmente considerado, “isto porque não tem interesse jurídico na causa, o que caracteriza a intervenção de terceiros clássica. A situação do Amicus Curiae é de interventor anódino (ad adiuvandum), sem interesse jurídico”. E acrescentam que “a razão pela qual não há delimitação dos poderes processuais [...] está no fato de se tratar de um auxiliar do juízo”.

Ademais, além da previsão genérica do art. 138, a Lei 13.105/15 autoriza sua intervenção em outros casos, como na propositura de ação rescisória nos casos em que era obrigatória sua intimação (art. 967, IV), no incidente de arguição de inconstitucionalidade em tribunal (art. 959, §§ 1º ao 3º), no procedimento de análise da repercussão geral em recurso extraordinário (art. 1.035, §4º) e nos julgamentos de recursos extraordinários ou especiais repetitivos (art. 1.038).

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A forma como a nova regra será recepcionada pelos tribunais, inferiores ou superiores, e pelas instâncias inferiores, ainda é uma incógnita para a sociedade jurídica, que só tem a aguardar a vigência da lei para saber como será sua admissibilidade, o quanto significará para a nova maneira de processamento das lides, e os desdobramentos e consequências dessa novidade no processo civil.

Diante do exposto, arroladas as hipóteses de intervenção do amigo da corte no ordenamento jurídico brasileiro, desde 1978 quando da sua primeira intervenção, disfarçada, até os dias atuais, com o novo CPC, percebe-se que o instituto progrediu consideravelmente e conquistou importância destacável do Direito Processual pátrio.

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2 CONCEITO, CLASSIFICAÇÕES E LIMITES INTERVENTIVOS DO AMICUS CURIAE

Uma vez que não há, ainda, regras e estudos aprofundados do assunto, conceituar o instituto do Amicus Curiae é tentar conciliar entendimentos doutrinários dissonantes e por vezes contrários, da mesma forma que tentar classifica-lo e definir seus limites, de forma satisfatória, ainda não é juridicamente possível, diante das lacunas e entendimentos contraditórios existentes atualmente. Entretanto, considerando a realidade brasileira do instituto, tecer-se-ão algumas conclusões.

2.1 Em busca de um conceito

Da análise do histórico do instituto no ordenamento brasileiro, e da doutrina existente, pode-se chegar ao conceito de Amicus Curiae no direito brasileiro como sendo um terceiro (enigmático) especialmente interessado que, por iniciativa própria (intervenção espontânea) ou por requisição judicial (intervenção provocada), manifesta-se em processo pendente com o intuito de enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas, trazendo ao ambiente judiciário os valores talvez dispersos na sociedade civil e no próprio Estado, os quais, de uma forma mais ou menos intensa, serão afetados pela decisão que ali será prolatada, de maneira a legitimar e pluralizar as decisões tomadas pelo Judiciário (DEL PRÁ, 2011; BUENO, 2008).

Define Medina (2010, p. 17/22) que

O amicus curiae é um terceiro que intervém em um processo, do qual ele não é parte, para oferecer à corte sua perspectiva acerca da questão controvertida, informações técnicas acerca das questões complexas cujo domínio ultrapasse o campo legal ou, ainda, defender os interesses dos grupos por ele representados, no caso de serem, direta ou indiretamente, afetados pela decisão a ser tomada.

As evidencias empíricas sugerem que o amicus curiae contribui para o aumento das alternativas interpretativas ao promover uma abertura procedimental, bem como a pluralização da jurisdição constitucional.

De igual forma, Bisch (2010, p.17) expõe que

É usual definir o termo amicus curiae como o terceiro que intervém em processos judiciais a fim de fornecer informações adicionais e relevantes aos

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juízes da causa, ou mesmo pareceres sobre matérias de seu peculiar interesse e sobre as quais tenha domínio, o que lhe atribui a denominação latina trazida como “amigo da Cúria”, ou “amigo da Corte”. Com efeito, das definições extraídas dos dicionários americanos Steven H Gifis e Black’s Law, depreende-se a utilidade do instituto na hipótese de o juiz não estar convencido ou estar equivocado em uma questão de direito, ou ainda na hipótese de o Tribunal considerar válida a participação de indivíduos interessados na defesa de determinada concepção jurídica, máxime quando verificado tema de vasto interesse público.

Já nas palavras de Didier Jr. (2012, p. 420, grifo do autor),

o amicus curiae compõe, ao lado do juiz, das partes, do Ministério Público e dos auxiliares da justiça, o quadro dos sujeitos processuais. Trata-se de outra espécie, distinta das demais, porquanto sua função seja de auxilio em questões técnico-jurídicas. Municia o magistrado com elementos mais consistentes para que melhor possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia-o na tarefa hermenêutica.

Logo, o amigo da corte não atua em prol de um indivíduo ou uma pessoa singular, ele age em prol de um interesse, que pode, até mesmo, não ser titularizado por ninguém, apesar de ser compartilhado difusa ou coletivamente por um grupo de pessoas, as quais provavelmente serão afetadas pelos efeitos da decisão prolatada. E essa é a razão que enseja a participação desse terceiro como sujeito do processo, a circunstância de ser ele o legítimo portador de um interesse que ultrapassa a esfera jurídica de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse metaindividual, típico de uma sociedade pluralista e democrática.

2.2 Natureza jurídica

O enquadramento dogmático do Amicus Curiae no ordenamento brasileiro não é unânime entre os doutrinadores, o que revela a dificuldade de situa-lo entre as espécies jurídicas processuais. Observa-se que, a esse respeito, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais se contrapõem, de forma que algumas consideram o instituto como uma modalidade de assistência qualificada, outras como uma forma de intervenção atípica de terceiros, e por fim as que o conceituam como auxiliar do juízo ou sujeito processual.

Na lição de Didier (2012, p. 420), o amigo da corte integra o quadro dos sujeitos processuais, ao lado do magistrado, das partes e dos auxiliares. Entretanto, cabe destacar que o

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possui ônus, poderes ou deveres, e por tais razões, não pode ser equiparado às partes do processo. Da mesma forma, não podem ser igualados aos auxiliares, visto que estes estão investidos do múnus públicos, sob a autorização do juiz, não tendo vínculo ou qualquer afetação com a decisão a ser prolatada, o que muitas vezes acontece com o amigo da corte, além de estarem, apesar de não se tratar de rol taxativo, elencados no art. 139 do CPC (BRANDT JUNIOR, 2011, p. 17-18).

Destaca, ainda, Didier (2012, p. 420) que a figura estudada não pode ser confundida com os peritos, já que “esses têm a função clara de servir como instrumento de prova, e, pois, de averiguação do substrato fático”, o que é complementado por Del Prá (2011, p. 82), quando afirma que os peritos são submetidos a regime próprio estabelecido pelo CPC e tem natureza jurídica singular, recebendo honorários e servindo como instrumento de prova no processo.

Além disso, diz-se que não pode ser sobreposto à figura do assistente, já que a assistência se dá apenas de duas formas: simples, quando o assistente intervém na causa auxiliando uma das partes, em desfavor da outra, com o intuito de influenciar a uma sentença que lhe seja favorável; ou litisconsorcial, quando o terceiro não busca apenas uma sentença favorável, mas passa a atuar efetivamente no processo e será diretamente afetado pela decisão prolatada (BRANDT JUNIOR, 2011, p. 23). O Amicus Curiae, diferentemente, e a princípio, busca apenas auxiliar o juízo ou esclarecer questões de fato e de direito, não sendo coadjuvante de nenhuma das partes do processo.

Confirmando esse entendimento, Del Prá (2011, p. 64) afirma que não há essa igualdade com o assistente pois este intervém voluntariamente, ao verificar que há interesse próprio, em busca de algum benefício em sua própria esfera jurídica, o que não ocorre com o amigo da corte, que atua em prol da coletividade, de um grupo ou instituição, ou até de interesses eminentemente públicos, mas não em nome de interesse próprio.

Por sua vez, Morais (apud BISCH, 2010, p. 121), quanto ao papel de salvaguardar o bom direito e a justiça, que muitos atribuem ao instituto, assevera que essa visão induziria a dois erros: vislumbrar a atuação do Amicus Curiae como obrigatória, enquanto certo “fiscal da lei”, e enquadrar o Ministério Público (MP) como Amicus Curiae nas lides em que atua como

custos legis. Assim, em sua visão, o Amicus seria um auxiliar de intepretação plural das questões

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canal de comunicação entre a sociedade civil organizada e o Judiciário, além de ser uma garantia institucional para os cidadãos poderem influenciar a tomada de decisões pelo STF.

Bueno (2008, p. 405/407), ao seu turno, analisa todas as posições doutrinárias e as contrapõe, chamando-o de terceiro “enigmático” e asseverando que o amigo da corte pode ter traços distintos, a depender da situação e do processo que se está a analisar, e da especialidade do direito debatido ou da relevância política da causa. Destaca que é importante observar que as alegações do Amicus são, ou deveriam ser, levadas em conta pelo magistrado na exata proporção em que ele se mostrar confiável, idôneo, imparcial, neutro e respeitado no seu ramo de atividade.

Outrossim, uma vez promulgada a Lei 13.105/2015, que incluiu o Amicus Curiae no Capítulo V do Livro II, espaço reservado às modalidades de Intervenção de Terceiros, Marinoni, Arenhardt e Mitidiero (2015, p. 209-211, grifo nosso) esclarecem que

O “amigo da Corte” é um terceiro [sim], representativo de certo grupo, categoria ou interesse [...] O objetivo da intervenção é o aperfeiçoamento da decisão judicial, subsidiando o magistrado e o processo com argumentos e considerações mais profundas, para a adequada definição do litígio. Embora não se exija imparcialidade do Amicus Curiae, a função de auxiliar do Judiciário que lhe é inerente impõe, ao menos, que o amigo da corte não tenha nenhum interesse jurídico (relação jurídica conexa ou dependente da relação deduzida no processo) no feito, sob pena de essa intervenção transformar-se em uma assistência escamoteada (art. 119 do [novo] CPC).

Pergunta-se, então,

é possível traçar um regime próprio para o Amicus Curiae no direito brasileiro?

O que nos parece essencial e inadiável para responder a esta última indagação é que examinemos quem é ou quem pode ser “terceiro”, analisando-o menos como “pessoa” já dentro do processo e mais como portador de determinados “direitos” ou “interesses” no sentido material, externo ao processo. A dificuldade que o tema envolve, destarte, reside mais “fora” do que “dentro” do processo. O que está “fora” do processo condiciona o que existirá, aquilo que entra para “dentro” dele. O regime jurídico da atuação processual de um terceiro, qualquer terceiro, define-se a partir daquela parcela do direito (interesse) material, que é verdadeiramente condicionado por ela. Com o

Amicus Curiae não é diferente. (BUENO, 2008, p. 421) (grifo do autor).

Por conseguinte, mesmo diante da diversidade de opiniões e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, pode-se chegar a conclusão de que o Amicus Curiae não é parte da relação

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processual, também não possui equivalência com nenhum outro partícipe, de modo idêntico, seja auxiliar ou assistente, cabendo defini-lo como um terceiro especial com características próprias.

2.3 Classificação

Quanto às espécies e modalidades interventivas do Amicus Curiae, também não há consenso entre doutrinadores e pensadores do direito, da mesma forma que é possível verificar que as jurisprudências existentes são dissonantes e ainda não se aprofundaram no assunto a ponto de se poder caracterizá-lo de forma pacífica.

Entretanto, seguindo o entendimento de Bueno (2008, p. 519/531), pode-se separá-los em um sistema tripartite, que convive entre si, e esclarece alguns pontos: a) públicos (quiçá governamentais) ou privados (particulares), dependendo de quem estará exercendo o papel; b) de intervenção espontânea ou provocada, considerando a iniciativa de manifestação no processo; e c) levando em conta a razão de sua intervenção, em vinculada, procedimental ou livre.

No tocante ao primeiro critério, pode-se dizer que há casos em que o amigo da corte será considerado como público, já que o interventor será uma pessoa ou um órgão do próprio Estado, e por isso a doutrina norte-americana o chama de “governamental”. Em outras situações, no entanto, esse terceiro poderá ser uma entidade privada, uma empresa, um indivíduo, uma associação de classe, uma organização não governamental e até um grupo -minimamente - organizado, casos em que será o Amicus Curiae entendido como particular ou privado.

Cabe salientar, contudo, que os amici públicos, por mais que sejam governamentais, não tutelam por interesses do governo, do Estado, pois para isso existem as advocacias públicas, como a Advocacia Geral da União, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ou as Procuradorias dos Estados. O termo “público” é empregado de acordo com o regime jurídico da pessoa interveniente, ou seja, pessoa jurídica de direito público. Exemplos desse tipo de amigo da corte já admitidos no Brasil estão a União Federal e as demais pessoas de direito público federal, estadual, municipal e distrital, através da Lei 9.469/97, a CVM, o INPI, o CADE, e a OAB, nos termos das leis já citadas anteriormente nesse trabalho.

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Bueno (2008, p. 523) destaca que, no Brasil, todos os casos em que a lei elege alguém em específico para agir na qualidade de Amicus Curiae, a hipótese é de amicus curiae público Talvez a causa de tal realidade seja que a principal intenção do legislador, que permitiu essa intervenção (anômala ou sui generis, como destaca o autor), era a de trazê-los ao processo para tutelar tão somente pelos interesses institucionais, que transcendem o litígio concreto, e não para manifestarem-se por direitos seus, enquanto pessoas de direito público. Del Prá (2011, p. 70), no mesmo sentido, assevera que essas intervenções dos Amici públicos se devem ao seu poder de polícia e à sua obrigatoriedade de fiscalização de determinadas situações que, muitas das vezes, são discutidas no judiciário.

De acordo com a jurisprudência brasileira, no entanto, verifica-se a participação de muitas organizações privadas como Amicus Curiae nas ações de controle de constitucionalidade do STF. Bisch (2010, p. 122/128) cita que “90% dos pedidos de intervenção são feitos por pessoas jurídicas, com preponderância de associações (40%) e de entidades sindicais (19%)”. Elenca ainda, a autora, que nessa categoria situam-se as entidades religiosas, organizações não governamentais (ONG) em prol dos direitos humanos e do meio ambiente, associações médicas e científicas, organizações profissionais, e, entre outras, as entidades filantrópicas.

Já quanto à segunda classificação toma como fonte de referência as mesmas regras da intervenção de terceiro, previstas no diploma de processo civil brasileiro, isso é pela iniciativa de intervir. Assim, a intervenção será considerada provocada quando sua manifestação for determinada pelo juiz, e será voluntária, ou espontânea, quando o próprio amicus ingressou, de forma discricionária, no processo alheio a fim de se manifestar sobre o direito discutido.

Por oportuno, necessária a ressalva de que o termo “intervenção provocada” não é sinônimo de intervenção compulsória, ou obrigatória, eis que, conforme leciona Bueno (2008, p. 526, grifo do autor), “o que é compulsório ou obrigatório é a intimação para que o Amicus

Curiae se manifeste, e não sua intervenção propriamente dita”.

Na mesma linha, Del Prá (2011, p. 135, grifo do autor), sobre a intervenção provocada, afirma que

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os casos em que as normas jurídicas autorizam a participação do Amicus

Curiae, por requisição do juiz, ou do órgão julgador, constituem previsões de

participação de terceiros como auxiliares do juízo [...] Portanto, quaisquer pessoas, inclusive grupos de pessoas, pessoas jurídicas ou entes despersonalizados poderão manifestar-se como Amicus Curiae nas hipóteses em que essa manifestação é requisitada pelo juiz, ou pelo órgão julgador.

Vale ressaltar que a intervenção será provocada mesmo quando requerida por uma das partes litigantes, ou quando o juiz, apesar de não haver prescrição legal, sente a necessidade de ouvir o que um terceiro conhecedor da matéria tem a dizer sobre a questão conflituosa do processo. Por outro lado, a intervenção será espontânea se o amigo da corte vier aos autos por iniciativa própria (comparecimento voluntário) mesmo nos casos em que a lei determine que ele deva ser intimado para intervir, pois, como já referido, obrigatória é a sua intimação, e sua manifestação é facultativa.

Por fim, a terceira forma de classificação trazida por Bueno (2008) é fundada na razão pela qual o terceiro intervém como Amicus Curiae, e divide-se em intervenção vinculada, procedimental ou atípica.

A intervenção vinculada é aquela em que as leis de regência específica descrevem claramente o momento e as circunstancias em que o amicus deverá intervir. Não há, dessa forma, discricionariedade do juiz para decidir sobre a necessidade ou benefício da intervenção, estando restrito a identificar se a hipótese está prevista em lei, ou não. É o caso das leis 9.469/97, 6.385/76, 8.884/94, 8.906/94 e 9.279/96 quanto à União, ao CVM, ao CADE, à OAB e ao INPI, respectivamente.

Será procedimental (ou discricionária) a intervenção, outrossim, quando houver previsão legal da oitiva de um terceiro no processo, mas a lei não definir, de forma específica, quem é, ou quem pode ser, esse terceiro. Pode-se observar esse tipo de intervenção nas ações de controle de constitucionalidade (ADI, ADECON e ADPF), no incidente de inconstitucionalidade previsto no art. 482 do CPC vigente, e no incidente de uniformização de jurisprudência de que trata o art. 14, §7º, da Lei 10.259/01, nos quais o legislador permitiu a manifestação de terceiros, mas não os elegeu, não os especificou. Cabe aqui, ainda, a ressalva de que a recente Lei 13.105, publicada em 16/03/2015, que instituiu o. novo Código de Processo Civil, traz no seu art. 138 uma forma de intervenção de terceiros que será, a princípio, procedimental.

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Portanto, a intervenção será atípica nos casos em que não houver indicação de quem poderá ser amicus, nem de quando ele pode intervir, tampouco de que forma intervirá e qual será o procedimento a ser adotado. Bueno (2008, p. 532, grifo do autor) conceitua:

Serão aqueles casos, destarte, “por construir”, que somente o dia-a-dia forense conseguirá, aos poucos, identificar. Justamente porque ainda não estão tipificados no sentido de “previstos expressamente” em alguma “lei” ou em algum “Código”, optamos por identificar essas modalidades interventivas como “atípicas”.

Dessa forma, apesar de classificada nos termos supramencionados, a figura do Amicus

Curiae carece de um maior estudo, sobretudo diante da promulgação do novo CPC que

generaliza as possibilidades de sua intervenção, para que seja possível sua classificação de maneira a esgotar a matéria e torná-la clara e dogmática, afim de ser corretamente aplicada.

2.4 Limites, momentos e direitos da intervenção

Uma vez que não há, como já referido, uma regulamentação específica para o Amicus

Curiae, mas diversas previsões isoladas em leis federais, necessário se faz que cada texto legal

seja analisado de forma individualizada para identificação dos limites e momentos adequados de intervenção, bem como dos direitos que o interveniente possui no trâmite e procedimento processual, observando de forma subsidiária o Código de Processo Civil vigente.

Por primeiro, necessário ressaltar que a atuação dos Amici é regida pela imparcialidade, ou institucionalidade, do interveniente. Nesse sentido, para que seja possibilitada a intervenção, esta deve ser imparcial e digna de confiança do magistrado, sem qualquer interesse próprio, que não o institucional ou social, na causa, até porque, no entendimento de Bueno (2008, p. 538), todos aqueles que atuam em prol do proferimento de uma decisão jurisdicional, que não são partes ou terceiros interessados, estão sujeitos ao impedimento e à suspeição de que tratam os arts. 134 e 135 do CPC.

Importante destacar, por oportuno, que a principal razão de ser do Amicus Curiae é a auxiliar o juízo. Nessa esteira, necessária a relevância e a utilidade da manifestação, bem como a qualidade das informações que serão prestadas pelo interveniente, de modo que sua

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participação não comprometa a rápida solução do litigio ou dificulte o trâmite processual, tornando-se um problema para o processo.

Quanto ao instante procedimental em que a intervenção deve se dar, verifica-se que somente em um dos diplomas legislativos há disposição expressa, a Lei 6.385/76, com relação à CVM, a qual fixa que o momento adequado para a intimação do terceiro é logo após a apresentação da contestação pelo réu, isso é, após o término da fase postulatória, ou no início da fase saneadora, tomando por referência o procedimento ordinário do CPC.

Bueno (2008, p. 545-546) levanta a possibilidade de generalizar tal previsão para os demais casos que a legislação silenciou, inclusive para as hipóteses de intervenção espontânea, argumentando ademais que subsidiariamente poder-se-ia tomar como diretriz a regra de intimação do Ministério Público, do art. 83, I, do CPC, que fixa a vista dos autos após a das partes, possibilitando que o custos legis tenha informações o suficiente para sua manifestação/opinião. Explica o autor que tal momento seria o ideal “justamente porque é após a postulação das partes e sanados eventuais defeitos no plano do processo que o juiz terá condições subjetivas de (começar a) decidir”.

Nada impede, contudo, que o Amicus Curiae venha a intervir desde logo, a exemplo do assistente, conforme estabelece o art. 50, parágrafo único, do CPC vigente. Da mesma forma, em qualquer outro momento poderá o interveniente pedir sua habilitação no processo, fundamentando a conveniência de sua participação e a possibilidade de auxílio ao juízo no proferimento da decisão.

Nesse sentido, inclusive, é a previsão do art. 14, §7º, da Lei 10.259/01, a qual estabeleceu os Juizados Especiais Federais, que determina que “eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias”. Não se fixa quando é o momento específico para a intervenção, mas fixa-se o prazo de 30 dias após o requerimento do interessado em atuar como Amicus Curiae e o deferimento do pedido pelo magistrado. Da mesma forma, o caput do art. 138 do novo CPC prevê o prazo de 15 dias, a contar da intimação, para a manifestação do terceiro.

Necessário se ressaltar que nas ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADI e ADECON), reguladas pela Lei 9.868/99, haviam previsões acerca do momento

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oportuno da intervenção, que fixava em 30 dias contados do recebimento do pedido de informações do relator. Entretanto, o §1º do art. 7º, quanto à ADI, e os §§ 1º e 2º do art. 18, quanto à ADECON, os quais continham essa regra de prazo, foram vetados, entendendo-se, então, nas palavras de Bueno (2008, p. 137) que “será admissível a manifestação do Amicus

Curiae até o julgamento da ADIN ou ADECON, o qual se fará em prazo a ser concedido pelo

relator”.

Outro fator a ser analisado é a recorribilidade, ou não, da decisão que admite ou rechaça a intervenção do Amicus Curiae. Nos casos de intervenção determinada em lei não há que se falar em inadmitir o interveniente, mas nas hipóteses de intervenção espontânea, tal decisão cabe ao relator e depende da análise da lei que trata do assunto.

Tomando por exemplo o caso do CADE e da CVM, cuja intimação é obrigatória, nos termos das Leis 8.884/94 e 6.85/76, respectivamente, poderá qualquer deles, não tendo sido devidamente intimado, requerer sua intervenção. Analisados os pressupostos de admissibilidade, o juízo decidirá se admite ou não o interveniente a agir como Amicus Curiae, e essa decisão será, sim, recorrível, conforme expõe Del Prá (2011, p. 152-153):

Ora, a hipótese é regida pela regra geral, da impugnabilidade das decisões interlocutórias por meio do recurso de agravo (CPC, art. 522). De fato, as normas que autorizam a intervenção do CADE e da CVM não regulam o procedimento recursal de forma diferente do CPC; por isso, não só a decisão de inadmissão, mas também qualquer outra proferida quanto à sua atuação serão recorríveis. Da mesma forma, pensamos, deve-se concluir com relação ao INPI [e também quanto à ADPF].

Outrossim, há a previsão do art. 7º, §2º da Lei 9.868/99, estabelecendo ser irrecorrível a decisão que permitir a manifestação de outros órgãos e entidades na ADI e na ADECON. Contudo, essa irrecorribilidade expressa se limita às decisões que admitem a intervenção, silenciando quanto à decisão que inadmite a manifestação do terceiro como Amicus Curiae. Del Prá (2001, p. 155), quanto a esse caso, a despeito da regra de impossibilidade de recurso quanto às decisões interlocutórias prevista na citada lei e da controvérsia doutrinária, acredita ser possível recorrer da decisão denegatória considerando que o Amicus Curiae defende interesses de toda a coletividade, poder esse outorgado pela lei, e dessa forma presentes os pressupostos recursais de interesse, legitimidade e sucumbência.

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Além disso, o art. 138 do novo CPC estabelece que a decisão do juiz ou relator acerca da admissão do Amicus Curiae será irrecorrível, e sobre isso a doutrina diverge. Didier Jr (2015, p. 524) e Neves (2015, p. 138) entendem taxativa a previsão legal, mas Amaral (2015, p. 217) entende ser cabível agravo de instrumento (ou recursos internos, no âmbito dos tribunais), em caso de indeferimento, já que se trata de hipótese de intervenção de terceiro. Entretanto, quanto a sua legitimidade recursal, o art. 1º do citado artigo estabelece que não haverá possibilidade de recursos, apenas de interposição de embargos de declaração e, conforme o § 3º, recurso de decisões nos incidentes de resolução de demandas repetitivas.

E, na mesma lógica, considerando que os Amici agem, muitas vezes, como fiscais da lei e com poder de polícia, há que ser estendida a eles a legitimidade reconhecida ao Ministério Público enquanto custos legis, por exemplo, de acordo com o art. 499, §2º, do CPC, ou ao terceiro juridicamente interessado, que demonstrando o nexo entre a decisão recorrida e seus interesses e/ou direitos que serão afetados por aquela, terá legitimidade para tanto.

Assim, destacando que o objetivo do amigo da corte é auxiliar o juízo a proferir a melhor decisão possível, seu direito a recorrer de decisões que vão de encontro a esse propósito e à correta prestação jurisdicional é evidente e salutar, apesar dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários no cenário jurídico brasileiro hodierno.

Em suma, pode-se afirmar que em todas as hipóteses em que a lei autoriza a intervenção voluntária do Amicus Curiae, as decisões sobre sua admissão (e sobre sua forma de agir, inclusive) são passíveis de recurso, cabendo apenas a análise individual da legitimidade do candidato a interventor para recorrer. (DEL PRÁ, 2011, p. 158)

Os limites de intervenção, por sua vez, serão de discricionariedade do julgador, na medida que a razão da intervenção do Amicus Curiae é auxilia-lo a elucidar as questões de fato e de direito para decidir da melhor forma possível. Tal entendimento inclusive foi expressamente consagrado no §2º do art. 138 do novo CPC, que determinou que caberá ao juiz ou ao relator definir os poderes do amicus curiae, já na decisão que solicitar ou admitir a intervenção.

Quanto a esses poderes dos amigos da corte, destaca Bueno (2008, p. 560, grifo do autor) que

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a mesma gradação do interesse ou do direito que justifica (que legitima) a intervenção acaba por refletir na qualidade de atuação do terceiro em juízo. Quanto maior a intensidade com que as relações jurídicas do terceiro e das partes interpenetram-se, maior é a possibilidade de atuação desse terceiro. E vice-versa.

Nesse diapasão, os poderes decorrem do seu grau de interesse na intervenção, a fim de atingir as finalidades que os legitimam a intervir como tal. Sua função, e portando os limites de seus poderes, é fundada em seu poder de polícia, de fiscal institucional da lei, e deve ter como objeto o direito material discutido, isso é, o mérito da lide, ampliando os horizontes da questão ali problematizada.

Já os deveres desse terceiro, de forma geral, nos termos do art. 14 do CPC, serão:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé;

III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Destarte, independentemente do tipo de ação que intervirem, os Amici devem, sobretudo, ser imparciais e comprometidos com a função que exercem: a de auxiliar o juízo, que inclusive pode-se classificar como um ônus, trazendo informações relevantes, desconhecidas pelo juízo e/ou não ventiladas pelas partes, colaborando com a prestação jurisdicional.

Relativamente à produção de provas, Bueno (2008, p. 566) aduz que ao amigo da corte deve ser franqueado comprovar o que está alegando em juízo, assegurando a utilidade de sua intervenção e a comprovação, por meios idôneos, de que tais alegações merecem guarida. Mas no caso de entendimento diverso, há, ao menos, a possibilidade de o terceiro sugerir ao julgador que se produzam outras provas além das produzidas pela parte, para o bom saneamento da lide.

De outra banda, cabe analisar os efeitos da decisão prolatada em processo onde houve intervenção do Amicus Curiae. Tendo em vista que este interveniente não pode sequer conduzir

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o processo, e que não é considerado parte, nem assistente litisconsorcial, visto que não é titular de nenhum direito deduzido em juízo, ele não ficará sujeito à coisa julgada, apesar de muitas vezes restar afetado pela decisão (BUENO, 2008, p. 594).

Diante do exposto, ainda cabe muito estudo acerca das classificações, limites e poderes dos Amici Curiae no direito processual pátrio, principalmente diante da Lei 13.105, promulgada recentemente, e que, sem afastar as polêmicas acerca do instituto, generalizou a sua intervenção a praticamente todos os processos, pluralizando e tentando qualificar as decisões judiciais de todos os âmbitos da justiça brasileira.

Referências

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