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Linguagem e aprendizagem: as discussões atuais acerca da teoria dos sistemas

Com seu início na década de 80, a teoria dos sistemas complexos consiste em uma abordagem multidisciplinar aplicada a várias ciências. No que tange aos estudos da linguagem, é na linguística aplicada que essa teoria tem tomado grandes dimensões. A teoria de sistemas complexos tem várias origens e foi denominada anteriormente como teoria da complexidade, tratando de sistemas complexos, dinâmicos, não lineares, auto-organizados, abertos, emergentes, caóticos e adaptativos (LARSEN-FREEMAN, 1997). Nas últimas duas décadas, a teoria da complexidade foi levada também a outras áreas, além daquelas em que se originou: biologia, matemática e física. A proposta era adotar as ideias da teoria para entender outros sistemas complexos que passavam por processos dinâmicos. Já mais próximos da linguística, psicólogos observaram a potencialidade da aplicação da teoria de sistemas dinâmicos ao desenvolvimento motor e até mesmo a outros sistemas humanos, criando um campo propício para outras aéreas da psicologia. Em 1994, Thelen e Smith afirmaram que a abordagem de sistemas dinâmicos proporcionaria uma base biológica, cultural e contextual à cognição humana.

Em 1997, Larsen-Freeman escreveu explicitamente sobre a importância de se observar o processo de aquisição de segunda língua pela teoria do caos, ou complexidade. Logo após, em 2002, discutiu sobre como a teoria poderia ajudar na superação do dualismo que afeta o campo da linguística aplicada. As discussões foram frutíferas e hoje há estudiosos como De Bot, Lowie e Verspoor, os quais discutem sobre a aplicação da teoria de sistemas dinâmicos à aquisição de segunda língua; Herdina e Jessner, que abordam as mudanças na proficiência multilinguística em níveis individuais; e Lee e Schumann (2003), que usam a visão da teoria para observar a evolução da linguagem, dentre outros.

Larsen-Freeman e Cameron (2008) afirmam que a influência da teoria de sistemas dinâmicos tem chegado aos linguistas aplicados, fazendo-os refletir, cada vez mais, como as considerações e perspectivas de seu campo podem ser desafiados pela complexidade. A linguagem usada como discurso de uma comunidade pode ser descrita tal qual um sistema, igualmente assim as interações entre professores e estudantes na sala de aula ou até mesmo o funcionamento da mente humana. As autoras esperam que, reformulando conceitos para essas situações e fenômenos, seja possível caminhar em direção a novas ações e esclarecimentos no campo da Linguística Aplicada.

1.4.1 A natureza dos sistemas complexos e dinâmicos

Os sistemas complexos são aqueles que estão em constante processo de mudança sem interrupção de seu fluxo. Neles está o atrativo para os linguistas, juntamente às suas similaridades aos sistemas, como: línguas, discurso, salas de aulas, aprendizes em sala de aula como grupo dinâmico. Há teorias que desconsideram ou removem a dinamicidade dos sistemas, observando-os como estáticos para serem objetos de análise. A teoria dos sistemas complexos, ao contrário dessa, propõe métodos de comparação para os sistemas em mudança, observando seus processos com o tempo.

Para entender a teoria, é preciso, primeiramente, entender o que é um sistema. Para Larsen-Freeman e Cameron (2008), um sistema é o produto de um conjunto de componentes que interagem de maneiras particulares para produzirem algo de estado mais total ou, até mesmo, uma forma em um ponto específico no tempo. Naqueles intitulados sistemas simples, um conjunto pequeno de componentes similares é ligado de maneira previsível e imutável, já nos sistemas complexos, ou dinâmicos, há elementos que têm sequencialidade, entretanto,

seus estados futuros dependem de seu estado no presente. Nesses sistemas, tudo é dinâmico, não apenas os elementos, mas os agentes que o mudam com o tempo. Além disso, a maneira como os agentes interagem também acarreta mudanças, pois eles emergem em algum momento, podem evoluir e ainda acabar quando não houver mais motivos para que existam. O contexto de aquisição de segunda língua só poderia gerar um sistema aberto, sensível ao meio, como acontece, por exemplo, com um aprendiz em sala de aula.

Os sistemas complexos são caracterizados por sua heterogeneidade, dinamicidade, não linearidade, adaptabilidade e abertura. A linguagem é um sistema não linear, por exemplo. Em sistemas não lineares, a interação entre elementos e agentes muda com o tempo. Nos sistemas adaptativos, uma mudança em uma parte do sistema leva a uma alteração no todo. Nesses sistemas, o contexto não é separado, mas parte deles e de sua complexidade.

Sistemas abertos permitem que energia e matéria entrem de fora para dentro deles. A existência dessa abertura pode dar uma característica menos equilibrada ao sistema, embora haja um esforço para que as mudanças se adaptem e, assim, se mantenha a estabilidade.

Em uma analogia à linguística aplicada e à teoria dos sistemas complexos, Larsen- Freeman e Cameron (2008, p. 37, Table 2.2 Examples of complex systems in applied linguistics) propõem:

Field Spoken interaction Classroom language learning Agents speakers, their language

resources

students, teachers, languages

Heterogeneity speaker backgrounds, styles, discourse topics

abilities, personalities, learning demands

Organization dyads, speech communities class, groups, curricula, grammars

Adaptation shared semantics, pragmatics imitation, memorizing, classroom behaviors

Dynamics conversation dynamics, negotiation of understanding

classroom discourse, tasks, participation patterns

Emergent behavior discourse events, idiom, specific languages e.g.

‘english’

language learning, class/group behavior, linguae

francae

Quadro 1: Examples of complex systems in applied linguistics (Larsen-Freeman e Cameron, 2008, p.

37)

Larsen-Freeman e Cameron (2008) apontam que a linguagem deve ser concebida como complexa, adaptativa, como um sistema dinâmico. Por uma perceptiva nativista, as autoras consideram que, como humanos, a herança genética se baseia nos mecanismos gerais

de cognição e sociabilidade que interagem com o ambiente para organizar o comportamento. Muitas das pesquisas em aquisição de segunda língua trataram o processo como estático e composto por regras gramaticais, sendo esses os únicos objetivos linguísticos.

O processo de aprendizagem não se baseia apenas em levar o aprendiz a focar na forma, mas também em promover a constante adaptação aos usos linguísticos e à construção de significados, proporcionadas em situações dinâmico-comunicativas. Além disso, as diferenças entre aprendizes não devem ser desconsideradas, pois são partes da dinamicidade do comportamento dos indivíduos com diferentes orientações, tais quais as relações com grupos sociais e até mesmo a história pessoal, tendo em vista que os aprendizes são construtores de seu universo linguístico.

Para a implementação de sistemas dinâmicos, De Bot e Makoni (2005) apontam que modelos de redes conexionistas precisam trabalhar melhor. Como resultado da ativação por input e output, as conexões tendem a se tornar mais fortes. Se não fortalecidas regularmente, elas podem se deteriorar. O ponto de partida da Teoria dos Sistemas Dinâmicos é que um sistema em desenvolvimento é mantido por um fluxo de energia. Assim, cada desenvolvimento cognitivo é forçado a recursos limitados, como memória, atenção, motivação, dentre outros. Para De Bot e Makoni (2005), o sistema está em constante interação complexa com seu meio e recursos internos. Sua múltipla interação de componentes produz pontos de equilíbrio auto-organizados cuja forma e equilíbrio dependem das restrições do sistema. O crescimento, então, é visto como um processo repetitivo, o que significa que o nível presente de desenvolvimento depende criticamente do próximo nível (VAN GEERT, 1998).

De Bot e Makoni (2005) afirmam que as línguas evidenciam todas as características de um sistema dinâmico e, assim, podem ser vistas pela perspectiva da teoria. Os sistemas linguísticos possuem muitos subprocessos, como o pragmático, o sintático, o lexical e o fonológico, que, por sua vez, interagem e se auto-organizam, dependendo de recursos internos e externos. Dessa forma, se pode ver o crescimento e declínio, quando ocorrem, embora nunca se instaurem completamente.

Tratando-se do desenvolvimento da linguagem, De Bot e Makoni (2005) apontam que é necessário se fazer uma distinção entre recursos internos e externos. Respectivamente, são desenvolvidos individualmente e envolvem motivação, informações pessoais e tempo, e estão fora do individual, envolvendo os ambientes espaciais em que ocorrem, informações individuais, como a língua usada no ambiente, recursos motivacionais e materiais. Capacidade de armazenamento de memória, habilidades de percepção e produção e aptidão para ler estão

em ambos os recursos. Os recursos são limitados e interligados no sistema dinâmico. A estrutura interligada desses recursos se refere ao sistema cognitivo. O sistema cognitivo se baseia em subsistemas que têm seus próprios papéis na linguagem e em seu desenvolvimento. São recursos cognitivos relacionados à linguagem: não só a capacidade de memória funcional e de longa duração, como também os processos de atenção e velocidade.