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3 CORPOS EM SILÊNCIO: LINGUAGEM EM CHAMAS

3.1 Linguagem corporal

Mais uma vez, a noite estava linda, o que nos convidava para mais uma visita ao Centro de Fortaleza. Como de costume, preferi ir acompanhada aos prostíbulos do Centro. Nesse dia, decidi convidar uma ex-profissional do sexo, já familiar entre nós ou para aqueles que acompanham meus largos momentos de pesquisa, Luciana, que antes usava o pseudônimo de Danny Rios. Decidi convidá-la, pois, mesmo que não estivesse mais nesse ramo, visto que então trabalhava em uma cantina de hospital, sem dúvidas ainda era uma das melhores companhias para esta badalada noite nos cabarés da cidade.

Sobre os sentimentos despertados nessa experiência, é necessário pensarmos que as emoções afloram de uma avaliação parcialmente lúcida de certo acontecimento assistido por um ator provido de sensibilidade própria. Para melhor explicarmos, recorremos aos esclarecimentos de Le Breton (2009, p. 1):

As emoções são pensamentos em ação dispostas num sistema de sentidos e de valores. Enraizadas numa cultura afetiva, elas também se exprimem mediante uma linguagem gestual e de mímica, que pode, em princípio, ser reconhecida (a menos que o indivíduo dissimule seu estado afetivo), pelos integrantes de seu meio social.

A nosso ver, já que nos intitulamos como pesquisadores e estamos estudando a cultura do corpo da dançarina profissional do sexo, é essencial retratarmos a linguagem

corporal, que está presente em todas as situações do nosso dia a dia, tais como: estender a

mão a alguém, arregalar os olhos ou cruzar os braços. Os inumeráveis movimentos corporais empregados nas interações – como gestos, posturas, deslocamentos, etc. – estão enraizados na afetividade individual, por meio de atitudes simples que muitas vezes passam despercebidas em nosso cotidiano. Diante disso, trazemos a importância da linguagem corporal na voz de Matschnig (2015, p. 9):

Nenhuma linguagem humana é tão elementar quanto a nossa linguagem corporal, e nenhuma é tão sincera. Com palavras talvez seja possível enganar ou mentir, mas quem convence com um sorriso forçado? Quer queira, quer não, o nosso corpo revela nossos verdadeiros sentimentos e pensamentos.

A partir da passagem acima citada, pude associar a não revelação dos sentimentos explicitados por uma profissional do sexo. Por exemplo, quando a mesma está retirando tais vestimentas e percorre até a mesa do cliente para instigá-lo, seu olhar, muitas vezes, encontra-se distante. Comprovei essa percepção por meio da entrevista realizada com a referida profissional no lócus de pesquisa. Para demonstrar com mais clareza tal afirmação, exponho adiante as palavras de Sabrina, profissional do sexo:

Quando estou realizando o strip na mesa do cliente, tenho que demonstrar que, no mínimo, estou excitada, gostando da situação, sabe, né? Nós, mulheres, fingimos muito bem, mas posso lhe afirmar que tenho que me esforçar demais, porque minha cara de querer fugir daquela realidade é notória. Imagina um homem acariciando seus seios e você dizendo: ‘Isso aí, meu filho, está muito gostoso [risos], mas, na verdade, está uma porcaria.

É certo que é impossível não se comunicar ou não se expressar mediante a linguagem não verbal, como a corporal. Não precisamos utilizar somente a linguagem verbal (aquela que recorre a palavras para a comunicação) para nos comunicar. No prostíbulo, por exemplo, a comunicação não verbal (o código utilizado é a simbologia) é muito mais clara e pertinente. Tal exemplificação pode ser notada no momento em que as prostitutas estão a desfilar nos corredores exibindo-se ou mesmo no momento do strip, quando expressam gestos e comportamentos reforçados, às vezes, pelas letras das músicas ou pelo tom da melodia. Sobre o envolver-se com a dança, a stripper Juliana deixa sua contribuição:

Através da dança no palco, expresso, através de gestos, muitas vezes, o que quero que o cliente perceba. Tipo, com uma música mais calma, quero demonstrar minha sensualidade; já quando escolho uma melodia mais agitada, para mim significa mais firmeza nos meus movimentos. Temos sempre que, ao escolher o toque, verificar como aqueles movimentos chegarão aos olhos dos nossos

possíveis clientes, pois, através da dança, ocorre o despertar para um programa, por exemplo.

No decorrer da pesquisa, notamos a importância da postura – do comportamento – não somente da prostituta com o cliente, mas também do pesquisador com a profissional do sexo, visto que, ao adentrarmos no território do prazer, não nos identificamos como pesquisadores. Por isso, os indivíduos que se encontravam nesse ambiente, exceto os que já nos conheciam, inicialmente julgavam que éramos possíveis clientes, então, antes mesmo da comunicação verbal com a dançarina profissional do sexo, ficamos em observação, depreendendo a linguagem corporal da prostituta.

Nesse momento, tive reflexos de uma memória ocorrida havia algum tempo. Em um certo dia em nosso lócus de pesquisa, uma das dançarinas encontrava-se, como parte do

show de strip, no colo do cliente realizando a linguagem corporal de acordo com a música. Ao

contrário de outras cenas por nós presenciadas, a mulher mostrava uma ausência de empolgação no olhar, fato que foi constatado na entrevista que realizei com ela. Em alguns trechos da pesquisa, Samira revela:

O mais difícil para mim, nesta profissão, é ter que fingir que estou excitada enquanto um homem está chupando os meus peitos ou minha xoxota. Aí eu faço logo aquela cara de ‘termina logo’. Já teve outros clientes que até acham que é o homem que não faz o serviço direito, mas, no meu caso, é porque, quando não me sinto atraída, principalmente fisicamente por alguém, não sei fingir que estou gostando, entende?

A linguagem corporal é algo que mostra o que de fato pode ser constatado pelas palavras. Segundo Matschnig (2015, p. 14): “O seu comportamento confirma as suas palavras, transmitindo a mesma mensagem. Ninguém duvidará se você está furioso se bater com o punho na mesa ao mesmo tempo que também expressa verbalmente a sua raiva”.

A constatação das atitudes é confirmada pela fala, porém o contrário não ocorre, haja vista que a linguagem corporal expressa aquilo que realmente a pessoa quis dizer ou fazer, mesmo que diga o contrário por meio de palavras. Por exemplo, muitas vezes a boca e o corpo não estão falando a mesma língua: enquanto a boca transmite uma mentira, o corpo transmite uma verdade.

De acordo com algumas entrevistas realizadas com as profissionais do sexo, algo me chamou a atenção, o fato de algumas prostitutas compararem sua profissão com a de atriz. É possível notar isso de maneira mais clara na fala de Vanessa:

Quando subo aí no pequeno palco, eu viro uma atriz. Me comporto, muitas vezes, de forma diferente do que estou acostumada, pois, na verdade, sou super tímida, mas aqui nessa profissão tem que ser desinibida; se não souber provocar, diminui as possibilidades de fazer um programa.

É notório que as profissionais do sexo utilizam-se não somente de sua desenvoltura corporal, mas sobretudo de vestimentas e acessórios escolhidos e fabricados, não raro, por elas. Geralmente usam roupas que excitam e chamam a atenção do cliente, as quais são minúsculas, sendo retiradas peça por peça até chegar ao corpo nu.