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2.2. Linguagem

2.2.2. Linguagem Escrita

A linguagem escrita é uma invenção humana capaz de representar graficamente o mundo das palavras, por meio de símbolos arbitrários, portanto sua aquisição não acontece de maneira natural (CAPOVILLA, 2005; ELLIS, 1995; SHAYWITIZ, 2006). A linguagem escrita permite a comunicação entre falantes de um idioma por meio dos processos de recepção (decodificação e compreensão por meio da leitura) e produção/ expressão (registro por meio da codificação de símbolos impressos - escrita) (DIAS; OLIVEIRA, 2013). Enquanto finalidade, a aprendizagem da linguagem escrita deve permitir ao ser humano compreender e produzir diferentes tipos de textos, porém para se chegar nesse nível, considerado mais complexo por recrutar diferentes processos cognitivos, é necessário o desenvolvimento de diferentes competências e habilidades (CAPOVILLA, 2005).

explicar os componentes da linguagem escrita. Por exemplo, Gough e Tunmer (1986) propuseram a seguinte equação CL (Compreensão de Leitura, compreensão do que se lê) = D (Decodificação) x CA (Compreensão Auditiva), na qual a compreensão de leitura é resultante do uso interativo da decodificação e da compreensão auditiva. Por se tratar de uma equação de multiplicação, se um dos fatores for zero, o resultado final também será zero. Logo, se o leitor não tiver a habilidade de decodificar ou se ele não tiver habilidade de compreensão auditiva, o produto final, que é a compreensão de leitura, não será alcançado de forma plena (CAPOVILLA, 2005). Portanto, para Gough e Tunmer (1986) há dois tipos de habilidades necessárias para a compreensão de leitura, a decodificação e a compreensão auditiva ou linguística.

Decodificar refere-se à conversão de grafemas em fonemas e pode ocorrer tanto na leitura em voz alta quanto na leitura silenciosa. A compreensão linguística refere-se ao entendimento tanto do material escrito quanto do oral. É, portanto, um processo linguístico geral, que independe da modalidade da linguagem (CAPOVILLA, 2005; DIAS; OLIVEIRA, 2013). Assim, os mesmos sistemas, tais como o semântico, envolvidos na compreensão da palavra escrita são utilizados também na compreensão da palavra falada (MILLER et al, 2006), havendo um mecanismo neurológico e funcional comum para ambas (JAHANDAIRE, 1999). Alterações no modelo de Gough e Tunmer (1986) foram sugeridas por Aaron e colaboradores (2008), expandindo o quadro teórico sobre a compreensão de leitura. O “Modelo de componentes da leitura” composto por três domínios principais, foi proposto por esses autores, a conhecer: (1) envolve os componentes cognitivos, incluindo o reconhecimento de palavras (amplia o conceito de decodificação, considerando que a leitura também se dá de forma direta) e a compreensão; (2) envolve os componentes psicológicos, incluindo motivação e interesse, estilos de aprendizagem, expectativa do professor, diferenças de gênero, entre outros; e (3) componentes ecológicos ou ambientais, como ambiente em casa, cultura, envolvimento parental, ambiente escolar, influência de pares e língua.

Com os avanços nos estudos da psicologia cognitiva e da neuropsicologia cognitiva, a partir do modelo de Aaron e colaboradores (2008), Dias e Oliveira (2013) propuseram um modelo componencial da linguagem escrita, para além do reconhecimento de palavras (RP), considerada uma habilidade essencial para o posterior desempenho em leitura e escrita. O modelo será apresentado no item 2.3. Funções Executivas e Linguagem (Figura 2). A proposta de Dias e Oliveira (2013) sintetiza as principais relações entre as habilidades que fazem parte desse complexo processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita, para além de habilidades básicas, como o RP. O modelo considera os seguintes componentes principais em

relação à leitura: (1) RP; (2) fluência; e (3) compreensão, os quais devem ser estimulados, respeitando o grau de complexidade. Isso implica no sequenciamento dos componentes, ou seja, primeiro deve-se estimular o desenvolvimento do RP, depois a fluência e por fim, a compreensão de leitura, pois não é esperado que um leitor seja capaz de compreender um texto por meio de leitura individual, se ainda não consegue identificar palavras irregulares, por exemplo.

Em relação à escrita, Dias e Oliveira (2013) propõem outros três componentes: (1) ortografia (também conhecido como codificação gráfica); (2) grafia (também conhecido como caligrafia, pois diz respeito aos aspectos motores de codificação); e (3) composição (também conhecido como produção textual). Tais componentes também demandam estimulação de acordo com o grau de complexidade compatível com o que é esperado para cada série escolar, porém, é possível estimular de forma coletiva o desenvolvimento desses componentes. Por exemplo, uma criança do 1º ano do ensino fundamental, poderá ser estimulada a grafar palavras isoladas, inicialmente por meio de cópia da lousa e/ou treino no caderno de caligrafia, posteriormente será estimulada a grafar frases e ao final do ano, dependendo do tipo de estimulação e dificuldades apresentadas, já será capaz de escrever um pequeno texto de até 5 frases. Ao longo do ano letivo e dependendo do método de alfabetização, já poderá ser estimulada a perceber as relações entre letra e som e talvez começar a conhecer algumas regras ortográficas, tais como escritas de “L” com som de /u/ ao final das palavras.

Dias e Oliveira (2013) indicam que, tanto os componentes de leitura, como a compreensão de leitura, quanto os componentes de escrita, como a produção textual, são influenciados por outras variáveis, tais como as habilidades da linguagem oral ou as FEs. Nesse sentido, é relevante descrever de forma mais detalhada as relações entre linguagem oral e os componentes de leitura e escrita apresentados por Dias e Oliveira (2013), uma vez que já foram descritos anteriormente as relações entre linguagem e FEs.

Retomando as relações entre linguagem oral e a escrita descritas no início do capítulo sobre linguagem, é importante ressaltar que a linguagem escrita é uma representação secundária baseada em primária (geralmente a linguagem oral), que mapeia a fala combinando elementos fonéticos e logográficos (CAPOVILLA, 2005; MORAIS, 1996). Logo, é esperado que no processo inicial de aquisição de leitura e escrita, haja instruções do professor para que as crianças na etapa de alfabetização possam fazer as correspondências entre os sons da língua e as representações escritas, tanto para decodificar, extraindo sons e significado, quanto para codificar de forma gráfica (CAPOVILLA, 2005; MORAIS, 1996). Nesse processo inicial de alfabetização, de acordo com o modelo de Dias e Oliveira (2013), um dos componentes que

podem ser estimulados primeiramente é o RP.

Seabra e Capovilla (2010) descrevem as três estratégias possíveis para reconhecimento de palavras: logográfica, alfabética e ortográfica, com base nos modelos de Aaron e colaboradores (2008) e de Frith (1985, 1990). Na leitura pela estratégia logográfica, os leitores tratam as palavras como se fossem desenhos e usam pistas contextuais para o reconhecimento. As características visuais importantes nesse processo são a letra inicial, o tamanho da palavra, sua cor, seu formato global e o contexto em que aparece. Nessa estratégia pouca atenção é direcionada à composição e à ordem das letras nas palavras. Para que a leitura logográfica ocorra de forma adequada, o leitor precisa ter tido contato prévio com o item a ser lido e precisa ter observado e memorizado suas características visuais já citadas. Portanto, a leitura logográfica é limitada à leitura de itens previamente conhecidos e armazenados, com características contextuais específicas. Se o leitor se deparar com palavras novas, tenderá a lê- las substituindo-as por palavras conhecidas de aspecto visual geral parecido, especialmente com a mesma letra inicial e de tamanho semelhante (SEABRA; CAPOVILLA, 2010).

Já na leitura pela estratégia alfabética a decodificação é usada para fazer o reconhecimento das palavras. Esse processo de leitura também conhecido como leitura pela rota fonológica no “Modelo de Dupla Rota” elaborado por Ellis e Young (1988) (SEABRA; CAPOVILLA, 2010). A decodificação é baseada na conversão entre grafemas e fonemas, de forma que a leitura ocorre por meio da transposição dos símbolos gráficos em símbolos falados. Essa estratégia somente é bem sucedida com o conhecimento prévio do princípio alfabético, que implica duas habilidades: conhecimento das correspondências grafofonêmicas (letras e seus respectivos sons) e consciência fonológica. A leitura alfabética é limitada à decodificação de palavras regulares (itens cuja correspondência grafofonêmica é transparente, como por exemplo na palavra “dado”; não há dúvidas que a pronúncia será /dado/, ao contrário de palavras como “exército”, que a criança pode ler tanto /ezército/ como /echército/), e pseudopalavras (palavras inventadas com combinações de letras possíveis na língua materna, porém sem significado, como por exemplo, “meluna”). A leitura alfabética competente tem se mostrado precursora da habilidade de reconhecimento pela estratégia ortográfica (SEABRA; CAPOVILLA, 2010).

A última possibilidade de estratégia para se fazer o reconhecimento de palavras é denominada como ortográfica no modelo de Frith (1985, 1990), é também semelhante à habilidade de reconhecimento visual direto proposto por Aaron e colaboradores (2008), ou à habilidade de leitura pela rota lexical pelo “Modelo de Dupla Rota” de Ellis e Young (1988) (SEABRA; CAPOVILLA, 2010). Nessa estratégia as palavras são reconhecidas, isto é, ao se deparar com um item escrito, o leitor o identifica por acesso ao léxico ortográfico, o conjunto

das formas escritas de palavras que se encontra armazenado na memória de longo prazo. A estratégia ortográfica permite a leitura correta de palavras conhecidas e de alta frequência (como “pássaro” ou “carro”), mas não a leitura de pseudopalavras ou palavras novas, visto que suas formas ortográficas não estão armazenadas no léxico ortográfico do leitor (SEABRA; CAPOVILLA, 2010).

As três estratégias de leitura podem existir simultaneamente no leitor competente e serão utilizadas de acordo com o tipo de material a ser lido ou escrito, sendo influenciada pelas características psicolinguísticas dos itens, tais como lexicalidade, frequência, regularidade grafofonêmica e comprimento(MORAIS, 1996). Diversos autores acreditam que, quanto mais automatizada estiver a leitura pela estratégia alfabética, mais eficaz será a leitura pela estratégia ortográfica (CAPOVILLA, 2005; MORAIS, 1996).

Retomando a equação dos componentes da linguagem escrita de Gough e Tunmer (1986) apresentada anteriormente, é necessária também a compreensão para que a leitura ocorra de forma eficiente. O reconhecimento de palavras pode ser considerado como a essência da leitura, mas a compreensão da leitura é sua finalidade e engloba aspectos mais complexos (CAPOVILLA, 2005), tais como vocabulário, memória, atenção, integração dos significados das palavras, estratégias para compreensão de textos, dentre outros. Vale ressaltar que as estratégias envolvidas na compreensão não são exclusivas da linguagem escrita, mas também comuns à linguagem oral. A compreensão envolve habilidades cognitivas e metacognitivas, sendo que as cognitivas referem-se à habilidade em si (conhecer ou saber fazer), enquanto as habilidades metacognitivas referem-se à reflexão sobre o que se faz (refletir sobre o fazer, ou saber como fazer) (DIAS; OLIVEIRA, 2013).

Além dos componentes abordados até o momento, resgatando o modelo de linguagem escrita proposto por Dias e Oliveira (2013), há habilidades relacionadas diretamente à escrita. Corroborando com esse modelo de linguagem escrita, Capovilla (2005) descreve as diferenças entre as habilidades de codificação gráfica (também chamada de soletração ou ortografia) e composição ou produção textual, que demanda o domínio de outras habilidades, tais como conhecimento de regras gramaticais, adequação semântica, ortográfica, respeito aos padrões textuais, além do correto uso da caligrafia para que haja a compreensão do leitor.

Em relação ao desenvolvimento da escrita, Gombert (2003, apud CAPOVILLA, 2005) apresenta três fases que variam de acordo com as idades, de acordo com o tipo de estimulação recebida e que não são consideradas universais ou naturais. São elas: (1) representação grafomotora (ocorre por volta dos 3 ou 4 anos de idade, traços escritos diferentes de desenhos); (2) representação grafossemântica (o tamanho do objeto real é representado no papel de forma

impressa); e (3) representação grafofonológica (início da compreensão de que a escrita corresponde aos sons da fala e podem ser representados de forma impressa). Para que a criança desenvolva a escrita, é necessária a estimulação de diversas habilidades, desde aspectos psicomotores até aspectos de organização textual (pontuação, acentuação, espaçamento entre linhas, entre outros) (CAPOVILLA, 2005).

A compreensão dos modelos componenciais de leitura contribui tanto para pensar em estratégias de estimulação precoce, quanto para elaborar instrumentos de avaliação e programas de intervenção específicos para o desenvolvimento de diferentes habilidades em leitura e escrita (DIAS; OLIVEIRA, 2013).

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