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O enfoque sociocultural da teoria de Vigotsky tornou-se ponto de partida para a reflexão de alguns teóricos. Goldfeld (1997, p.57), realizando um estudo sobre a ação reguladora da linguagem e baseando-se na obra de Vigotsky, enfatizou algo que foi considerado de relevância para este estudo:

A fala interior tem suas próprias leis gramaticais. Sua sintaxe parece desconexa e incompleta se comparada à fala social. A fala interior é basicamente uma cadeia de significados, de generalizações; sua expressão fonética é secundária. Os indivíduos pensam basicamente através de conceitos.

A afirmação remete este estudo ao campo da linguística e precisamente para aquele considerado o “pai da lingüística”, Ferdinand de Saussure. No seu Curso de Lingüística Geral, onde explica a natureza do signo lingüístico, Saussurre reporta-se

a este como uma unidade lingüística que une “não uma coisa a um nome, mas um conceito a uma imagem acústica” (SAUSSURE apud LEMAIRE, 1979, p. 49). E tal conceito constitui-se na fala interior enquanto uma cadeia de significados, como pontuou Goldfeld no enunciado.

Arriscando-se a uma transposição para a realidade do surdo, poder-se-ia dizer que o signo lingüístico seria o sinal de uma língua que une um conceito a uma imagem visual.

Saussure ainda atesta que “[...] a representação da palavra ocorre fora de toda realização pela fala” (SAUSSURE, apud LEMAIRE, 1997, p.49).

Nesse caso, a imagem que, segundo ele, não é o som mas a impressão psíquica do som, passaria a ser os sinais, no caso de uma língua de sinais, dando uma outra natureza imagética. A afirmação desse desdobramento aqui feito encontrou eco na citação de Jean Claude Milner (1998, p. 53):

É do jogo dos gestos enquanto sinais significantes que se produz o significado e não no nível sensorial do fenômeno, captado unicamente pela visão. Para além dos sinais enquanto meros gestos, há uma atividade gramatical.

A compreensão do que foi dito serve para o entendimento da importância da linguagem no que tange à compreensão e interpretação de mundo e, em última análise, à formação de conceitos. Estes últimos só ocorrem no nível da linguagem e são estruturantes os conceitos das relações do sujeito com as pessoas, com os objetos, com as instituições e consigo mesmo.

É oportuno abordar, nesta pesquisa, questões sobre a formação de conceitos uma vez que, no processo de qualificação para o trabalho, conceitos novos são introduzidos no repertório do trabalhador surdo enquanto outros podem ser ressignificados, conceitos esses pertencentes ao contexto do trabalho, no seu dia-a- dia. Para exemplificar, pode-se falar de horário de trabalho, cliente, demissão, suspensão, hora extra, flexibilidade, férias, licença do trabalho.

Conceituar implica inserir-se em um universo de significados compartilhados por uma cultura e apropriar-se de significações que são resultantes de processos individuais. Sendo individuais, esses processos conferem identidade própria ao indivíduo, diferenciando-o do outro.

A discussão teórica sobre a linguagem, até agora feita, levou esta autora a considerar que as ações do homem são regidas por seus pensamentos e pela forma como ele representa o mundo internamente. Além disso, tais representações incidem sobre os conceitos que se vão erigindo a partir do desenvolvimento das estruturas cognitivas, estruturas estas já abordadas anteriormente.

Sobre o conceito e sua formação, Goldfeld (1997) o considera, como Vigotsky, uma generalização, e a relação entre conceitos como sendo uma relação de generalidades, que vai sendo construída não de uma forma inata, mas a partir de um longo processo em que a linguagem dos adultos exerce uma influência fundamental no desenvolvimento de cada indivíduo. A criança, inicialmente, não classifica nem faz generalizações, porém, pelo diálogo e interação com o adulto, através de sua fala, gestos ou atitudes, vai dominando os conceitos de sua comunidade e gerando significações quanto à maneira de pensar, de agir e de ler o mundo, a partir de sua cultura.

Vigotsky, assim como Saussure, procurou também o locus de formação do conceito, evidenciando o papel da linguagem em tal formação:

A formação de conceitos é resultado de um processo em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossa operações mentais, controlamos os seus cursos e as canalizamos em direções à solução de problemas que enfrentamos. (VIGOTSKY, 1989, p.50)

Para dar um exemplo, o mais simples de todos, quando uma mãe em resposta ao choro reflexo do bebê quando este está com fome, o amamenta, ela cria um significado para a criança do seu ato. Para esta última, o choro passou por um processo de significação conferida pela mãe. Esta seria a forma mais primária da linguagem no homem, início de uma interlocução com o outro, que segue num crescendo até a apropriação de sua língua, ferramenta essencial à formação do arcabouço conceitual.

O pensamento conceitual vai-se organizando de forma hierárquica na sua complexidade. Devido a essa possibilidade é que o indivíduo sai do pensamento concreto e atinge a elaboração de idéias abstratas de temporalidade, de projeções espaciais, de construções lógicas e de definição de valores éticos e morais.

A complexidade do pensamento conceitual “é o grande nó” na aquisição da linguagem pelo surdo (GOLDFELD,1997). Só é possível conversar na língua oral com ele, quando criança, a respeito de assuntos bem objetivos, relacionados diretamente ao ambiente.

Obviamente, a não compreensão da Língua Portuguesa por uma criança surda, ou da Língua de Sinais pelo adulto ouvinte, ou mesmo o desconhecimento desta última por ambos, limita a conversação a assuntos cuja concretude impede que o pensamento daquela criança atinja os domínios de pensamentos abstratos. Considere-se, sobretudo, esta limitação quando seu grau de surdez é elevado e adquirido no período pré-lingüístico. O salto necessário ao alcance do pensamento racional e superação do sensorial não se concretiza.

De acordo com o que foi dito, constrói-se portanto, em sua sua maioria, um restrito aparato conceitual, precário em generalizações, que não permite utilizar palavras abrangentes e/ou abstratas.

Falta, então, o signo do qual falam Vigotsky e Saussure, e o que, de uma forma natural, possa ser aprendido pelo surdo para que se estabeleça a sua comunicação, tendo este um maior domínio da sua realidade — a língua dos sinais; no caso dos surdos brasileiros, a Língua Brasileira de Sinais ou LIBRAS.

As perspectivas teóricas neste trabalho sobre a surdez serviram como um dos pilares para a análise dos resultados da exploração do campo empírico. O outro é constituído por abordagens teóricas do campo da qualificação.

Ao se tratar sobre qualificação envolvendo sujeitos surdos, é necessário se deter um pouco sobre o significado deste conceito – qualificação – e sua emergência a partir do mundo do trabalho, para, então adentrar-se nas questões específicas que o ligam, em seu processo, à pessoas com surdez. Por isso, optou-se na primeira sessão do capítulo, por uma breve contextualização da concepção de trabalho; na segunda sessão, são aprofundadas algumas considerações sobre a concepção de qualificação e, na terceira e última, trata-se da qualificação de portadores de deficiência para o trabalho, abordando-se de maneira específica, questões relacionadas aos surdos

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