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UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO

Como uma forma efetiva de se compreender o significado de qualificação a partir do universo do trabalho, impõe-se um olhar sobre a evolução das organizações produtivas que se configuraram sob diversas formas de acordo com a realidade sócio-histórica.

Tomou-se, como ponto de partida, a Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, quando as descobertas tecnológicas da época (máquina de fiar algodão, fabricação de aço e máquina a vapor) fizeram com que contingentes populacionais saíssem do campo para se transformar em mão-de-obra abundante em Londres.

Naquele momento se consolidara o capitalismo como sistema dominante na sociedade, quando a afirmação do poder econômico da burguesia se dá no sentido de incrementar o comércio através da construção de ferrovias, estradas, portos, sistemas de comunicação, e da criação de máquinas que permitiam o aumento da produtividade.

Reforçando esse movimento, ocorria em paralelo um processo denominado cercamento, pelo qual os detentores do poder foram criando extensas propriedades rurais e com isso “expulsando” os camponeses da terra, obrigando-os a migrarem para as cidades, tornando-se mão-de-obra à disposição.

O novo sistema industrial criou, assim, duas classes antagônicas: a dos operários que vendiam a sua força de trabalho e a dos empresários, donos do capital, que compravam essa força de trabalho.

As condições de trabalho para os operários eram péssimas, com jornadas que ultrapassavam 15 horas, sem cumprimento de férias nem horas de descanso, além das crianças e das mulheres atuarem sem tratamento diferenciado. Havia duas situações que lhes eram impostas: aumentar a produção e garantir uma margem de lucro crescente. Tal condição de trabalho foi dominante até o início do século XX.

Em 1911, dá-se a Segunda Revolução Industrial, quando novas perspectivas para o aumento do capital foram sendo elaboradas. Frederico Taylor publicou uma obra de grande influência na época — Os Princípios da Administração Científica — em que correlacionava o aumento da produtividade à decomposição de cada processo de trabalho, de acordo com a organização das tarefas e segundo os fatores tempo e movimento (taylorismo) (GÍLIO, 2000).

Sob a influência dessa nova racionalização da força de trabalho, já no ano de 1914, em Michigan (EUA), Henry Ford ampliava, para a produção em massa, princípios tayloristas os quais vigiavam as atividades, até então, em pequena escala.O fordismo-taylorismo, como também é denominado esse modelo de organização do trabalho, estabeleceu a jornada de 8 horas de trabalho/dia e salário de cinco dólares/dia para os funcionários de sua fábrica de automóveis (GÍLIO, 2000).

Na perspectiva do trabalhador, a rigidez que marca o modelo citado lhe propicia uma “[...] invariabilidade das tarefas que realiza, sempre parciais, do posto que ocupa e, portanto, das relações que trava no ambiente de trabalho” (PETRILLI, 2001, p.11).

A crise desse modelo, em decorrência da ascensão das bases tecnológicas informatizadas, forçou novas formas de organizações produtivas. Acompanhando tais avanços tecnológicos e considerando-se a realidade do Brasil a partir da década de 50, vê-se que surgiram muitos complexos industriais e empresas multinacionais.

As indústrias químicas e eletrônicas se desenvolveram, e, em muitos casos, foram eliminados vários postos de trabalho, substituindo-se o homem pela máquina. Iniciou-se, então, uma maior demanda pela mão-de-obra especializada.

Esse processo foi deflagrado nas organizações de trabalho como a Terceira Revolução Industrial.

Em 1973, teve lugar, nessa história, um protagonista que trouxe consigo alterações inimagináveis — a crise mundial do petróleo. Assim, a racionalização de energia, em corporações com capacidade produtiva, deu lugar a equipamentos ociosos. Nessa época, a inflação já acenava às políticas econômicas vigentes e a impressão do papel moeda, acarretando excesso de fundos e poucas áreas produtivas, configurou uma forte crise do capitalismo e das organizações do sistema produtivo.

Diante desse quadro, e do constante enfraquecimento do movimento sindical, foram implementadas estratégias de sobrevivência para o sistema capitalista, envolvendo o chamado processo de reestruturação produtiva:

[...]iniciou um processo de reestruturação produtiva, apoiado na crescente adoção da base tecnológica microeletrônica, nas novas políticas de gestão e organização do trabalho fundadas na “cultura da qualidade” e numa estratégia patronal que visa cooptar e neutralizar todas as formas de organização e resistência dos trabalhadores. ( DRUCK, 1999, p.72 )

Dessa forma, a perspectiva da reestruturação traz novos elementos para a organização do trabalho, sobretudo o fato de que ele tem que ocorrer sob a égide da qualidade. Sendo assim, por volta dos anos 80, ganha evidência o modelo japonês empresarial, com novas formas de organização e gestão da produção, defendendo a aplicação do just-in-time, dos programas de Qualidade Total e Controle Estatístico do Processo:

Este [...] enquadra-se na concepção de que qualidade não se controla, se produz. É um sistema que funciona através de relatórios que registram os problemas e defeitos detectados na fabricação de uma peça e descrevem os ajustes e operações realizados para solucioná-los, bem como as causas dos defeitos encontrados. Isto é feito com a utilização de algumas técnicas estatísticas, que servem para acompanhar cada operação e informar se está sendo realizada dentro dos padrões definidos pela engenharia de projetos. Estes relatórios são elaborados pelos próprios operários que, além de cumprirem sua tarefa de fabricação, assumem a fiscalização do seu trabalho. (DRUCK, 1989, p.89)

Partindo de tais considerações, a gestão do trabalho precisou romper com uma cultura organizacional centralizada. O perfil do trabalhador adequado a tais mudanças exigia que soubessem atuar em equipe e que fossem tão flexíveis que conseguissem ser polivalentes em um sistema de rotação de tarefas, envolvendo

fabricação, manutenção, controle de qualidade e gestão de produção. Além disso, esse novo perfil de trabalhador incluía uma visão de conjunto do processo de trabalho, a fim de saber decidir, resolver problemas, ter iniciativa e responsabilidade de fabricar, consertar e administrar simultaneamente (HIRATA,1998).

Chegou-se, assim, ao modelo flexível de produção. Esse modelo representou uma ruptura com o taylorismo-fordismo e ocorreu com uma nova lógica de utilização da força de trabalho, que deu especial atenção à qualificação e requalificação da mão-de-obra na organização produtiva.

A divisão do trabalho seria menos pronunciada do que no taylorismo, uma maior integração de funções se tornando perceptível. A automatização da produção é considerada como representando tendencialmente um impulso para a formação e para a reprofissionalização da mão-de-obra direta. (HIRATA, 1998,p.129)

Afirma, inclusive, Hirata que as novas tendências :

[...] levariam as empresas a adotarem organizações do trabalho de tipo ‘qualificadoras’ (cf. Ph. Zarifian,1990; M. Freyssenet,1992), tanto pelas oportunidades de formação profissional abertas pela introdução de inovações na empresa quanto pelas próprias modalidades de execução das atividades produtivas.(HIRATA, 1998, p.131)

Pode-se imaginar que o percurso histórico do homem no campo do trabalho, desde a Primeira Revolução Industrial até a contemporaneidade, fê-lo atravessar profundas mudanças na configuração econômica, política, social, organizacional e tecnológica global. Marcados pelo capitalismo e pelas políticas neoliberais que defendem a globalização, o século XX e o início do XXI são porta-vozes de aceleradas transformações que, qualitativa e quantitativamente, não se equiparam às de nenhuma outra época. O regime de acumulação de capital e os artifícios de interferência no comportamento individual, com vistas à manutenção do consumo e alteração dos esquemas de produção, vêm criando uma nova ordem na vida dos homens com respeito à perspectiva do trabalho.

Nesse percurso, o conceito de qualificação sofreu variações, espelhadas que foram por essa história. A sessão seguinte trará uma discussão mais específica sobre o conceito de qualificação.

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