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Capítulo II: A Filosofia para Crianças FpC

2.1. Os pilares da FpC: de Lipman até aos nossos dias

2.2.3. Os 3C (Lipman) e os 4C (pós-Lipman)

O tópico das competências a serem desenvolvidas numa CIF está bem trabalhado na bibliografia, por Lipman e Sharp, bem como pelos investigadores que se seguiram. Consideramos que neste momento é oportuno atender à fonte da FpC para abordarmos o tópico dos 3C e dos 4C, que dá nome ao presente ponto deste nosso trabalho de investigação.

Lipman e Ann Sharp identificam três competências do pensamento, que já tivemos oportunidade de enunciar. Recuperamos essa identificação neste momento do estudo para apresentar uma proposta que surgiu posteriormente. Referimo-nos ao pensamento crítico, ao pensamento criativo e ao pensamento cuidativo. A partir de agora, e para que seja clara a diferença com a proposta posterior, iremos referir-nos a este conjunto de competências proposto por Lipman como os 3C.

Roger Sutcliffe apresenta-nos uma proposta que acaba por enriquecer a proposta lipmaniana, uma vez que torna visível um C que já se encontrava presente em Lipman. Sutcliffe introduz um quarto C, uma quarta competência do pensamento: o pensamento colaborativo. Defende que, em conjunto com o pensamento cuidativo, o pensamento colaborativo está intimamente ligado à comunidade; enquanto que o pensamento crítico e o pensamento criativo se encontram ligados ao aspeto da investigação.187 Acrescenta ainda o autor que:

“cada forma de pensar depende [...] das outras três. Não podemos ser verdadeiramente críticos, do meu ponto de vista, se não nos relacionarmos de modo cuidativo com o que ou quem estamos a criticar. E, apesar da imagem (ou, diria eu, mito) do criador solitário, eu argumento que o pensamento mais criativo emerge de alguma forma de atividade dialógica, colaborativa.”188

O quarto C, o pensamento colaborativo, não é enunciado por Lipman de forma explícita, ainda que consideremos que seja algo que acaba por estar presente, tanto no entendimento, como na prática que se faz na comunidade. O estudo da CIF para Lipman e para Sharp, bem como o facto de serem assumidas e reconhecidas, por Lipman, as influências de Dewey, permite-nos assinalar que o quarto C, o pensamento colaborativo, se encontrava já presente no programa de Lipman, de forma estrutural. Cada um dos 4C age como veículo possibilitador dos outros 3C. Uma CIF é tanto mais rica e profícua no seu processo de diálogo quanto mais permite dar lugar à expressão e enriquecimento mútuo de cada um dos 4C. Por riqueza, entendemos aqui, a variedade dos pontos de vista, o questionamento dos outros face aquilo que eu defendo / afirmo, a possibilidade de ter outros olhares a enriquecer o todo da CIF, a entreajuda dos vários membros da CIF, a modelação de comportamentos face ao «dificultador», que cada membro da CIF vai substituindo pela capacidade de se autorregular e que pode culminar na verificação de que o «dificultador» é mais um membro participante da CIF.

Por sua vez, Jason Buckley189 apresenta uma abordagem diferente face a cada uma dessas

dimensões do pensamento:

- o pensamento crítico diz respeito à procura da verdade e ao esclarecimento de significados;

 187 Cf. Sutcliffe, R. (2017), Op. Cit., p. 59.

188 Ibidem: “[...] each way of thinking depends [...] on the other three. You cannot be truly critical, in my view, if

you do not engage caringly with what or whom you are being critical of. And, despite the image (or, I would say, myth) of the lone creator, I would argue that most creative thinking emerges from sort of dialogical, i. e., collaborative, activity.” Nota: tradução nossa.

- o pensamento criativo diz respeito ao uso da imaginação, na procura de alternativas, no uso de analogias e metáforas;

- o pensamento cuidativo diz respeito ao interesse pelos assuntos em curso, mas também pelos outros (o cuidado interpessoal);

- por último, o pensamento colaborativo relaciona-se com a escuta que nos permite construir ideias em conjunto.

De assinalar que Buckley integra o pensamento crítico e o pensamento criativo na dinâmica da investigação em si mesma, integrando o pensamento cuidativo e o pensamento colaborativo na dimensão da comunidade em si mesma.

O desenvolvimento da CIF, de forma continuada, ao longo do tempo, visa alcançar um ponto em que o «dificultador» seja tido como um membro da CIF. Trata-se de um ideal, algo que se persegue e que pode vir a ser identificado em certos momentos pelo «dificultador» e/ou pelos demais membros da CIF.

Perante o exposto, em relação ao entendimento que é feito das competências do pensamento por parte de Lipman e Sharp e dos investigadores que se seguiram, gostaríamos de reforçar que a proposta de Sutcliffe torna clara e óbvia uma competência do pensamento que, na verdade, se encontra implícita na proposta lipmaniana. Por este motivo, consideramos que são pertinentes para o «dificultador», na sua prática com a CIF, as quatro competências do pensamento, os 4C, reconhecendo a competência do pensamento colaborativo, atribuindo-lhe um lugar específico nos aspetos a atender por forma a avaliar o progresso da CIF. Um exemplo desse trabalho de avaliação que o «dificultador» deverá realizar poderá ser consultado no Anexo 3 do presente estudo, onde apresentamos um plano de sessão para uma Oficina de FpC realizada no percurso letivo do mestrado, do qual resulta este trabalho de investigação.

O 4C reforça o conceito de comunidade presente na expressão Comunidade de Investigação Filosófica (CIF). O 4C reconhece algo que constitui um dos propósitos do diálogo, numa CIF: aos participantes é pedido que partilhem ideias partindo muitas vezes das ideias dos outros. Cada aluno trabalha o seu pensamento partindo do pensamento dos outros; assim sendo, é natural que surjam tensões. De acordo com Reznitskaya e Wilkinson190, as

tensões podem ser positivas pois permitem-nos uma maior e mais profunda compreensão dos assuntos em diálogo:



190 Reznitskaya, A., Wilkinson, I. A. (2017). The Most Reasonable Answer. Cambridge, Massachusetts: Harvard

“Uma multiplicidade de ideias e de perspetivas, e a tensão e o conflito que surge das diferenças entre elas, podem ser uma coisa boa porque ajuda-nos a compreender os assuntos em causa de forma mais profunda. Quando os pontos de vista alternativos surgem em conjunto, dizemos que ajudam a “inter-animar” ou a “inter-iluminar” mutuamente.”191

Retomando o que afirmámos em 2.2.2., ao abordar o papel do «dificultador», defendemos que este deverá trabalhar individualmente os 4C para que os membros da CIF possam, também eles, desenvolver o seu pensamento. Tal como afirmámos, se numa CIF o desenvolvimento de cada um advém como o fruto do desenvolvimento da comunidade, então a dimensão do pensamento colaborativo justifica-se no próprio entendimento do que é a CIF.