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Lisboa nas vésperas das grandes intervenções aspectos da capital em finais da década de 70 do século XIX.

Em 1874 Lisboa86 era uma (…) cidade banal e comum, sem edifícios grandiosos, sem um palácio cuja architectura se admite, sem jardins que a tornem salubre, estendida pobremente no pendor das suas collinas, morrendo de sede no verão, e no inverno coberta de lama, como se tivesse povoação para este aparato de imundice. As suas ruas, pela maior parte, estreitas, escuras, húmidas, e fétidas (…), e mal calçadas pelos engenheiros da camara municipal87. Apesar dos valorosos esforços de homens como Júlio Pimentel, Pierre Joseph Pézerat, Thomé Gamond, ou Frederico Ressano

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Da responsabilidade de António Rodrigues Sampaio (1806-1882), ministro do governo regenerador de Fontes Pereira de Melo, responsável pela pasta do Reino. Maria Helena BARATA-MOURA, obra cit., p. 79.

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O novo Código mantinha a divisão territorial em distritos, concelhos e paróquias, restabelece o número de treze vereadores efectivos, de renovação parcial bienal, e estabelece vinte e dois pelouros. Um destes pelouros tratava exclusivamente dos «Melhoramentos», retomando-se com esta nova legislação a visão de grandes benefícios na capital. Ver Maria Helena BARATA-MOURA, obra cit., p. 79.

86 Os limites da cidade de Lisboa na referida data remontam a 1852, data em que pelo decreto de 11 de

Setembro se reforma o seu território. A partir dessa data a Estrada da circunvalação passa a definir os novos limites da cidade. Esta tinha início na ponte de Alcântara (no fim da Rua Prior do Crato), subia pela Rua Maria Pia (construída propositadamente para integrar a referida Estrada) até à Rua de Campo de Ourique, seguia pelas ruas do Arco e do Alto do Carvalhão até à actual Rua Marquês da Fronteira. Seguia pelo actual Parque Eduardo VII, voltando à Rua Marquês da Fronteira (no começo da Estrada de Benfica), continuando pela Avenida Duque de Ávila, Rua Visconde de Santarém, Largo do Leão, Rua António Pereira Carrilho, Rua Morais Soares, Alto de São João, actual Avenida D. Afonso III, e terminava na Rua da Cruz de Pedra. Ver Augusto Vieira da SILVA, Os limites de Lisboa, Lisboa, CML, 1941.

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Júlio César Machado, «Lisboa na rua», in Jornal do Commercio, 26 de Setembro de 1874, p. 1. Citado por Ana BARATA, obra cit., p. 131.

27 Garcia, apenas para citar alguns, empenhados no melhoramento e modernização da capital, as tentativas para concretização dos projectos para a capital redundaram, entre inícios da década de 60, e finais da década seguinte, em intervenções pontuais: a realização do aterro entre o Cais de Sodré até ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos, concluído em 1862, e a Avenida 24 de Julho, iniciada em 1877; o início da urbanização na zona entre a Rua de Buenos Aires e Estrela; a arborização da Praça do Comércio, e os arranjos nas Praças das Flores, Alegria, Município, do Jardim da Estrela (década de 50) e do Príncipe Real (entre 1859 e 1863), e o início da abertura do bairro do Calvário, a Alcântara, em 1876, são alguns dos projectos encetados nesta conjuntura. Destaquem- se ainda no campo das infra-estruturas e comunicações, a iluminação a gás das ruas da cidade, introduzida a partir dos anos 40, e a iluminação eléctrica, a partir de 1878, no Chiado e Rossio; a inauguração do sistema de «Carros americanos» entre Santa Apolónia e o aterro de Santos, em 1873, e a inauguração da primeira linha ferroviária, entre Santa Apolónia e Pedrouços, em 1876.

A tónica do primeiro conjunto de iniciativas municipais assentou maioritariamente no embelezamento de jardins, justificado por ordem higiénica e estética. Na realidade, exceptuando-se o projecto do Aterro da Boavista e da Avenida 24 de Julho, as restantes intervenções denunciavam a ausência de um plano global de actuação urbanística, mas sobretudo graves dificuldades financeiras88, que limitam em muito a iniciativa municipal. A vontade política de mudança não era, por si só, suficiente para desenvolver as ideias de rasgar a cidade a Norte, através de um grande boulevard, ou iniciar projectos já aprovados, como a Avenida dos Anjos (aprovado em 1877, ou a iniciar a modernização do sistema de esgotos da cidade (com projecto aprovado desde 1876). Associada à debilidade financeira, a problemática recorrente da salvaguarda da propriedade fundiária no âmbito da intervenção urbanística. Simultaneamente, a Lei de Expropriações em vigência revelava-se ineficaz no sentido de uma actuação global. O projecto do bairro do Calvário, iniciado em 1877, a sul de Alcântara, e a continuação do projecto do Aterro da Boavista, são o espelho destas dificuldades, iniciativas de desenvolvimento lento dadas as dificuldades encontradas no processo de expropriação. As primeiras respostas não têm um saldo totalmente positivo,

88 A crise financeira de 1868 debilitara mais ainda a condição financeira municipal. Sobre este assunto ver

Manuel Villaverde CABRAL, O desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no século XIX, Porto, A Regra do Jogo, 1976.

28 uma vez que continuava adiada a solução do grave problema do saneamento básico, tal como a questão do reordenamento e expansão urbanística.

Lisboa era em finais da década de 70, na opinião do próprio presidente da Câmara Municipal, Rosa Araújo (1840-1893)89, uma cidade estagnada, (…) dormente, paralytica, entorpecida e mórbida90, que não acompanha as suas eguaes91. A edilidade chega a (…) desejar o efeito refundador de qualquer desastre natural, numa das muitas representações feitas ao governo para obter mais meios financeiros: «só um incendio pode ser o facho de civilisação, só um terremoto póde despertar do lethargo, e impellir o progresso92.

89 José Gregório da Rosa Araújo, presidente da Câmara Municipal de Lisboa entre 1878 e 1886. Nasceu

em Lisboa, e concluiu os estudos primários no Colégio de Santo Agostinho. Com apenas treze anos de idade, iniciou a sua vida profissional, no negócio de seu pai: uma confeitaria na Rua de São Nicolau. No final da década de 50 fazia parte de inúmeras associações ligadas à causa popular, e pertencia a diversas companhias comerciais: foi presidente na Companhia dos Tabacos, no Grémio Popular, na Associação Homeopática, e na Fraternidade de Socorros-Mútuos: foi Vice-presidente da Fidelidade, da Associação de empregados do Comércio e da Indústria, na Irmandade do Santíssimo e da Igreja de São Nicolau; foi Secretário na Bonança, Algodões de Xabregas, Lezírias do Tejo e Sado, e da Companhia do Gás. Foi ainda Director efectivo na Companhia de Crédito Comercial. Após várias recusas aceitou ser vereador municipal para o biénio de 1872-1873, distinguindo-se neste período pela resolução de questões relacionadas com as concessões dos carris de ferro. No biénio de 1876-1878 volta a figurar na lista de vereadores da Câmara Municipal. A sua obra mais notável foi a Avenida da Liberdade, apenas possível graças à sua persistência, lutando contra a oposição e inúmeras dificuldades que o projecto levantava. Participou ainda, de forma activa, na criação de asilos municipais com escolas, de creches, dos talhos municipais, entre tantos outros melhoramentos da cidade. Cooperou na criação do bairro Camões. Criou dois jornais políticos: O Espectro da Granja, e A Gazeta Comercial. Foi ainda deputado, par do Reino electivo e tinha a comenda de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Ver Ver CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA. Toponímia. José Gregório da Rosa Araújo [em linha].Lisboa: CML. [Consult. 13 Out. 2013] Disponível em http://www.cm-lisboa.pt/toponimia.

90 Actas das sessões da Câmara Municipal de Lisboa, 3 de Junho e 1872, pp. 476-477.

91 É Severo de Carvalho, vereador da Câmara Municipal de Lisboa que o refere. Actas das sessões da

Câmara Municipal de Lisboa,16 de Maio de 1864, pp. 1862-1863.

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II.O PROJECTO URBANÍSTICO DO BAIRRO DE CAMPO DE OURIQUE