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A relevância da consideração destes aspectos sociais e culturais por parte do professor também é encontrada em obras de pesquisadores e teóricos da educação. García afirma que a formação inicial dos professores tem focado quase que exclusivamente a aquisição de conhecimentos profissionais do tipo pedagógico, psicológico, e científico (GARCíA, 1999). García faz coro com Liston e Zeichner, quando estes afirmam que “a maior parte dos programas de formação de professores presta pouca atenção ao contexto social, político e cultural da escola” (1991), enquanto Vreede vai mais além: “a formação de professores não está disposta para uma educação pluralista. Isso se deve em parte ao fato de que os formadores de professores em geral são “produto” de uma educação monocultural” (1990). Segundo García:

Os professores devem possuir amplos conhecimentos sobre a realidade em que vivem (tanto a nível da comunidade vizinha como a nível nacional e internacional) em diferentes dimensões: cultural, social, econômica e ambiental (Lynch, 1989). Mas os professores têm de ser formados no domínio de competências didáticas que lhes permitam desenvolver unidades didáticas e projetos curriculares onde a dimensão intercultural seja integrada. Além do mais, é necessário formar professores para que se assumam e se comprometam com atitudes de respeito e desenvolvimento da diversidade racial, sexual, religiosa, socioeconômica, intelectual, etc. (Torres, 1991). Cada vez mais se vem afirmando a necessidade de incorporar nos programas de formação de professores conhecimentos, competências e atitudes que permitam aos professores em formação compreender as complexas situações de ensino. Enfatiza-se especialmente o estimular nos professores atitudes de abertura, reflexão, tolerância, aceitação e proteção das diferenças individuais e grupais: de gênero, raça, classe social, ideologia, etc. (GARCÍA, 1999, p.92)

Nesse sentido, García salienta a importância do papel dos formadores de professores no desenvolvimento das competências e atitudes dos professores em formação. Para ele, além da responsabilidade de incluir conteúdos relativos a temas culturais quanto à diversidade, as diferenças religiosas, etc., é mister aos formadores de professores o desenvolvimento de metodologias de ensino que permitam a reflexão e a análise intercultural (GARCÍA, 1999, p.94).

Semelhantemente, Zeichner (1993) propôs um programa de formação de professores onde são contempladas essas questões. O quadro a seguir lista alguns dos elementos chave que este autor indica como essenciais para tal programa, no que tange ao trato da diversidade:

Quadro 1: Elementos-chave de um programa de formação de professores para a diversidade (ZEICHNER, 1993, p. 106)

Uma questão que emerge ao constatar-se a necessidade da abordagem dessas questões socioculturais em sala de aula diz respeito ao modo pelo qual essa inserção se dará. Afinal, como incluir, nos currículos já superlotados das aulas de ciências, questões sócio-culturais como estas? Certamente um tópico a mais a ser abordado no currículo não seria bem recebido. x Ajudar os estudantes no sentido de adquirirem uma maior compreensão da sua própria

identidade ética e cultural;

x Ajudar os estudantes de modo a examinarem as suas próprias crenças face a outros grupos etno-culturais;

x Ensinar os estudantes sobre a dinâmica de preconceitos e racismo, e como abordá-la em educação;

x Alertar os estudantes para a opressão econômica e as práticas educativas que contribuem para a reprodução das desigualdades sociais;

x O currículo da formação de professores aborda a história e contribuição dos diferentes grupos etno-culturais;

x Proporcionar aos estudantes informação sobre as características e estilos de aprendizagem de diferentes grupos e indivíduos, e ensiná-los relativamente às limitações desta informação; x O programa de formação incide bastante sobre a investigação acerca do conhecimento

sociocultural que aborda as relações entre linguagem, cultura e aprendizagem; x Ensinar aos estudantes diferentes procedimentos através dos quais se podem obter

informações acerca das comunidades presentes na classe;

x Ensinar aos estudantes como valorizar as relações entre os métodos que se utilizam na classe, os estilos de aprendizagem e os estilos de interação nos lares e comunidades dos estudantes; x Ensinar os estudantes a utilizar uma variedade de estratégias de ensino e de avaliação que

sejam sensíveis às variações culturais e lingüísticas, assim como a adaptar o ensino e a avaliação aos recursos culturais que os estudantes trazem para a escola;

x Apresentar aos estudantes exemplos de ensino eficaz com estudantes de minorias éticas e lingüísticas;

x Os estudantes realizam práticas com adultos e/ou crianças de outros grupos etno- culturais, seguindo uma reflexão guiada;

x Os estudantes realizam algumas práticas de ensino em escolas freqüentadas por estudantes procedentes de minorias étnicas e lingüísticas;

x Os estudantes vivem e ensinam numa comunidade minoritária (imersão);

x O ensino desenvolve-se numa situação de grupo que permite o apoio tanto intelectual como social.

E no caso específico deste trabalho, seria o caso de se inserir na grade curricular dos cursos de licenciatura um tópico do tipo “A questão religiosa acerca do início do Universo”?

Nossa convicção da importância da presença em sala de aula de aspectos culturais nasce, no entanto, de uma discussão mais abrangente. Tal discussão pode ser a chave para responder a questão anterior, e é a base referencial que adotamos como perspectiva a ser seguida no ensino de ciências. Tal perspectiva é delineada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, como tentaremos expor no próximo capítulo.

3 O referencial teórico

Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929, em Düsseldorf. Formou-se em 1954 na Universidade de Bonn, e em seguida ingressou, como assistente de Theodor Adorno, no antigo Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1922. Os trabalhos sociológicos e realizados nesta instituição lançaram as bases do que viria a se chamar Teoria Crítica, e os filósofos associados a essa linha sociológica ficaram conhecidos como participantes da Escola de Frankfurt.

Entre 1961 e 1964, Habermas foi professor de filosofia da Universidade de Heidelberg. Em 1968 lecionou na New School for Social Research de Nova York e a partir de 1971, novamente na Alemanha, dirigiu o Instituto Max Planck de Pesquisas Sociais. Em 1983 passou a lecionar na Universidade Johann Wolfgang Von Goethe, em Frankfurt, até 1994. Desde então continua trabalhando como escritor, com livros e comentários políticos em jornais, conferências, etc.