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Capítulo 4. As quatro liberdades comunitárias: características essenciais do

4.2 A livre circulação de pessoas

A livre circulação de pessoas corresponde à liberdade comunitária de essencial interesse ao presente estudo, motivo pelo qual será tratado separadamente das demais liberdades. Objetivando sua inequívoca compreensão, considera-se indispensável destacar, desde o início, o sentido específico que a expressão ‘livre circulação de pessoas’ apresenta no âmbito do mercado comum.

A livre circulação de pessoas não se refere apenas à livre circulação dos nacionais dos Estados-partes, no interior do bloco regional, em caráter recreativo e sem finalidade

formas de integração anteriores mais a livre movimentação de serviços e fatores produtivos (capital e trabalho) (1995, p. 168).

imigratória. Pelo contrário, a expressão sob análise refere-se essencialmente aos nacionais dos Estados-partes que pretendam circular, no interior do bloco regional, com o intuito de exercer atividade remunerada (JAEGER JÚNIOR, 2000, p. 61).

Observa-se, portanto, que a livre circulação de pessoas trata essencialmente das pessoas físicas e jurídicas enquanto fatores produtivos, enquanto agentes econômicos que incrementem a economia regional (JAEGER JÚNIOR, 2000, pp. 60-61).

A livre circulação de pessoas caracteriza-se justamente pelo deslocamento daqueles nacionais dos Estados-partes que exercem atividade produtiva. Gera não apenas uma série de obrigações para os referidos nacionais, mas também direitos caracterizados pela natureza laboral e instrumental de sua atividade (NORRIS, 1998, p. 40).

Outra importante questão, relativa à livre circulação de pessoas, diz respeito a sua divisão em: direito de estabelecimento e livre circulação de trabalhadores (BORGES, 2005, pp. 394-395).

O direito de estabelecimento beneficia as hipóteses de pessoas físicas e das pessoas jurídicas. Dá a elas o direito de estabelecerem-se em qualquer dos Estados-partes do mercado comum, nas mesmas condições que os próprios nacionais do Estado-parte de acolhimento52 (ACCIOLY, 2004, p. 34; BORGES, 2005, p. 395).

Na hipótese das pessoas físicas beneficiadas pelo direito de estabelecimento, enquadram-se os autônomos. Ou seja, as pessoas físicas que exercem sua atividade profissional sem vínculo empregatício e de maneira não-subordinada. Os autônomos, ao contrário dos empregados, não transferem o poder de organização da sua atividade para terceiros (ALMEIDA, 2001, p. 89; NASCIMENTO, 1997, p. 316).

Em obra específica, José Gabriel Assis de Almeida apresenta uma definição de profissional autônomo, devidamente adaptada ao contexto do mercado comum. Define-o

52 Recebe a denominação ‘Estado-parte da acolhimento’ o membro do mercado comum que recebe o nacional de

como: “Toda pessoa física que se desloca de um Estado-parte para outro Estado-parte com a finalidade de aí se estabelecer em caráter permanente para exercer uma atividade profissional, de forma autônoma e sem vínculo empregatício” (2001, p. 89).

Dessa maneira, observa-se que os autônomos, nacionais dos Estados-partes de um mercado comum, poderão estabelecer seu domicílio no Estado-parte que escolherem, no momento em que decidirem, com o objetivo de lá exercerem sua atividade autônoma (CEREXHE, 1979, pp. 42-43).

Nesse contexto, os autônomos deverão submeter-se às mesmas exigências e condições dirigidas aos autônomos nacionais do Estado-parte de acolhimento. Ou seja, os autônomos nacionais de outros Estados-partes não terão tratamento privilegiado em relação aos autônomos do Estado-parte de acolhimento. Apenas gozarão da proteção contra eventuais discriminações, fundamentadas exclusivamente na nacionalidade (RODRÍGUEZ, 2000, p. 444).

Já na hipótese das pessoas jurídicas abarcadas pelo direito de estabelecimento, enquadram-se as empresas, especificamente as sociedades. Nesse caso, assim como na hipótese anterior, as condições para o estabelecimento deverão ser as mesmas exigidas, pela legislação do Estado-parte de acolhimento, para seus próprios nacionais (BORGES, 2005, p. 395).

O segundo caso, também abarcado pela livre circulação de pessoas no mercado comum, diz respeito à livre circulação de trabalhadores. Diferenciando-se consideravelmente do direito de estabelecimento, a livre circulação de trabalhadores é a que apresenta interesse direto para esta pesquisa.

De início, salienta-se que a livre circulação de trabalhadores distingue-se do direito de estabelecimento, porque aquela beneficia somente as pessoas físicas representadas pelos trabalhadores; enquanto o direito de estabelecimento pode beneficiar pessoas físicas e

pessoas jurídicas.

Tal limitação encontra-se em harmonia com o tradicional, mas ainda vigente Direito do Trabalho. Esse ramo jurídico interessa-se somente pelo trabalhador enquanto ser humano, preocupando-se em protegê-lo pela energia gasta na prestação do serviço (NASCIMENTO, 1997, p. 380).

O presente estudo ainda analisará algumas outras distinções entre o trabalhador (beneficiado pela livre circulação de trabalhadores) e o profissional autônomo (beneficiado pelo direito de estabelecimento).

No século passado, a doutrina italiana estabeleceu a ‘macrodivisão do trabalho profissional’ em duas categorias: trabalho subordinado (ou dependente) e trabalho autônomo. Essa divisão, influente nas doutrina e jurisprudência francesa, alemã e brasileira, permanece até os dias de hoje. Ela centraliza no elemento ‘subordinação’ o fator que divide o trabalho nessas duas categorias (NASCIMENTO, 1997, pp. 312-313).

A tratada ‘macrodivisão do trabalho’ faz-se importante, porque apresenta consideráveis reflexos no tratamento jurídico aplicável ao trabalho subordinado e ao trabalho autônomo, colocando-os em pólos separados (NASCIMENTO, 1997, p. 313).

O objeto do Direito do Trabalho limita-se à atividade subordinada, deixando a regulamentação do exercício profissional autônomo para outro ramos do direito, como por exemplo, o Direito Comercial e o Direito Civil (NASCIMENTO, 1997, p. 313).

A livre circulação de trabalhadores no mercado comum, assim como no Direito do Trabalho, também trata apenas da hipótese das pessoas físicas que trabalham subordinadamente para terceiro, de quem recebem sua remuneração. Ou seja, assim como o Direito do Trabalho, a livre circulação de trabalhadores não inclui os profissionais autônomos (NASCIMENTO, 1997, p. 380).

de trabalho. Para atingir tal objetivo, determina a abolição de qualquer discriminação, baseada meramente na nacionalidade, entre os trabalhadores nacionais de qualquer dos Estados-partes (BORGES, 2005, p. 399).

A referida determinação atinge não apenas o acesso ao emprego, mas também sua remuneração e todos os demais direitos e condições, trabalhistas e previdenciários, que beneficiem os trabalhadores nacionais do Estado-parte de acolhimento (BORGES, 2005, p. 399).

Elizabeth Accioly considera a livre circulação de pessoas ‘um dos pilares essenciais do mercado comum’ (2004, p. 33). Daí a importância das considerações expostas neste tópico.

No capítulo seguinte tratar-se-ão, de maneira específica, as características que envolvem a livre circulação de trabalhadores, parte da livre circulação de pessoas que interessa diretamente este trabalho.