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II. O PROBLEMA DA QUALIDADE DO LIVRO DIDÁTICO

2.5 O livro didático ideal (LD ideal)

Segundo o MEC, os livros Recomendados com distinção são os livros mais próximos do que denominamos LD ideal, o qual estaria representado, de maneira geral, pelos Princípios e Critérios da Avaliação.12 Mais concretamente e com o objetivo de deduzir e explicitar o perfil do LD ideal de Matemática, descreveremos e analisaremos a Ficha de Avaliação aplicada no PNLD 1999.

Esclarecemos, antes de continuar com a descrição e análise anunciadas, que salvo mudanças como desdobramento ou simplificação de itens, e em escassas ocasiões, inclusão de itens novos, as Fichas de avaliação utilizadas nos PNLD 1999, 2002 e 2005 (ANEXOS 4, 5 e 6, respectivamente) são instrumentos de avaliação extremamente similares entre si. Em razão disso, focalizaremos a descrição e análise da Ficha utilizada na primeira dessas avaliações, e só faremos menção a algumas mudanças que nela tenham ocorrido quando considerarmos que

essas mudanças possam estar indicando alguma mudança de fundo na representação do LD

ideal.

A Ficha de 1999 apresenta três grandes blocos, a saber, Conteúdo e aspectos teórico- metodológicos; Aspectos editoriais e gráficos – livro do aluno; e Livro do professor. Focalizaremos nossa atenção sobre o primeiro e o último blocos.

a. Conteúdo da área e aspectos teórico-metodológicos Conteúdo da área (ver itens 1.1 a 1.10 da Ficha de 1999)

Nesta parte da Ficha há dez itens. O primeiro item é:

1.1 - Os conteúdos (conceitos, procedimentos e informações) são apresentados sem: - erros conceituais

- indução ao erro - confusão conceitual - contradições

Este item, por si próprio, submete todo livro didático de Matemática a um exame de correção dos conteúdos, o qual evidenciaria uma concepção de livro didático divulgador de conteúdos

corretos. Evidenciar-se-ia, também, que, para ser aprovado, um livro didático teria de ser

elaborado de modo a serem evitadas, nele, as faltas consideradas graves explicitadas acima. Como decorrência dos resultados obtidos com relação ao item mencionado, legitimar-se-ia a exclusão dos livros com conteúdos constatados como incorretos do circuito de compra e distribuição pelo Governo. Em razão disso, esse item é considerado item de exclusão: a comprovação de seu descumprimento justificaria a exclusão do livro didático do PNLD. O item 1.1 tornar-se-ia, em razão do tipo de decisão pela Avaliação, o item que imporia a

obrigatoriedade da correção dos conteúdos como condicionante de aprovação.

Os outros nove itens, do 1.2 ao 1.10, parecem dizer mais respeito à maneira ideal da apresentação dos conteúdos concebida pela Avaliação. Podemos deduzir algumas características dessa concepção a partir da análise da Ficha. Assumiremos que elas podem revelar expectativas de cunho metodológico nos livros didáticos por parte da Avaliação. Parece haver, por parte da Avaliação, grande expectativa em que os livros didáticos apresentem os conteúdos de maneira significativa: no LD ideal apresentar-se-iam

significativamente os conteúdos, entendendo-se por isto não apenas uma atribuição de

significados: conhecimentos prévios em sua relação com os novos; uso de diferentes representações matemáticas; apresentação de situações relativas a diferentes conceitualizações de um mesmo conteúdo; conteúdos significativos do ponto de vista histórico, social e cultural.13

No LD ideal os conteúdos seriam articulados em distintos níveis: dentro de uma lógica interna à área; entre os conteúdos de álgebra, aritmética, geometria e medidas; entre os conteúdos da área com os de outras áreas; e entre os conteúdos e a sociedade atual. Esses níveis de articulação deixam transparecer, de novo, uma expectativa de dinâmica relacional entre os conteúdos própria de uma visão integrada de concepções da Matemática – concepção tanto

integrada quanto integrante da Matemática – que nem sempre teriam coexistido, como visto

em Fiorentini (1995). Como pode ser deduzido da Ficha de avaliação, no LD ideal haveria predomínio de uma visão de Matemática como área de conhecimento cujos conteúdos são concebidos relacionalmente e, ao mesmo tempo, como área de conhecimento que se relaciona tanto com outras áreas de conhecimento quanto com aspectos de ordem sociocultural.

Também haveria expectativas quanto à distribuição dos conteúdos. No LD ideal distribuir-se- iam adequadamente os conteúdos do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo do aluno, da organização interna de cada livro e ao longo das séries. Tal adequação atenderia a aspectos

psicológicos e a aspectos de planejamento curricular tanto sincrônico quanto diacrônico.

Considerando a natureza da expectativa de articulação comentada acima, a distribuição dos conteúdos, realizar-se-ia de modo a assegurar que em cada livro da coleção fossem desenvolvidos, articuladamente, conteúdos de álgebra, aritmética, geometria e medidas e que, na coleção, como um todo, esses conteúdos fossem progredindo também articuladamente. Observe-se que, na caracterização da distância curricular acima, nada foi dito diretamente com relação à seleção de conteúdos. Ela, portanto, parece não constar da configuração da mencionada distância curricular. Como já dito, daí não deveria ser deduzido que, com relação à seleção de conteúdos, a política de Avaliação deixa completa liberdade aos autores e

13A dissertação de mestrado de Vieira (2004) identifica e caracteriza três grupos de estratégias de

contextualização dos conhecimentos matemáticos nos livros didáticos “RD”, considerados aqui como ideais, das séries iniciais da Educação Fundamental (PNLD 2004). Segundo Vieira, o primeiro grupo, contextualização sociocultural, constitui-se de situações “cotidianas” marcadas, algumas vezes, pela utilização dos conhecimentos prévios dos aprendizes; de situações que envolvem abordagens interdisciplinares; e de situações que envolvem “temas transversais”. O segundo grupo, da contextualização histórica, envolve situações que buscam situar historicamente o conhecimento matemático. E o terceiro grupo, da contextualização interna à Matemática, caracteriza-se por situações em que são realizadas articulações, dentro da própria Matemática, para favorecer a construção do conhecimento.

editores. É preciso observar que o aspecto da seleção de conteúdos recebe um cuidado concebido pela Avaliação de uma maneira diferente à da simples constatação da presença ou ausência de conteúdos. Sabe-se que todo livro didático deveria “atender ao consenso dos diferentes especialistas e agentes educacionais quanto aos conteúdos mínimos a serem contemplados [...]” (BRASIL, 1998, p. 13).

No caso das obras de Matemática, referências para se familiarizar com tal consenso seriam encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Em particular, no tocante aos conteúdos mínimos, considerar-se-ia que estes, “além de corretos, devem ser apropriados à situação didático-pedagógica a que servem” (Ibidem, p. 13). Uma mesma situação didático-pedagógica pode ser, por exemplo, de articulação entre conteúdos, de representação, de uso de tecnologia, de emprego de noções de Tratamento da informação, de leitura e interpretação, de raciocínio geométrico, ou de aprofundamento nos conhecimentos, interpretações, significados, etc. Essa expectativa pode ser percebida em itens da Ficha de 1999 como, por exemplo:

1.5 – Há articulação entre os conteúdos de álgebra, aritmética, geometria e medidas 1.6 – Há utilização de diferentes representações matemáticas

1.10 – Os conteúdos são adaptados às exigências da sociedade atual e incluem: 1.10.1 – o uso de calculadoras, informática, etc.

1.10.2 – o emprego de noções de estatística e probabilidade 1.10.3 – o uso, leitura e interpretação de gráficos

2.15 – Possibilita o desenvolvimento do raciocínio geométrico e habilidades para: 2.15.1 – identificar, caracterizar e classificar formas espaciais e planas

2.15.2 – utilizar instrumentos geométricos usuais e outros recursos na construção de figuras geométricas

2.16 – Complementa e aprofunda progressivamente os conhecimentos e interpretações aritméticos

2.17 – Complementa e aprofunda progressivamente os conhecimentos de grandezas e de medidas

2.18 – Introduz progressiva e significativamente o pensamento algébrico: noções, argumentação e linguagem

Há, também, expectativas com relação à linguagem, o desenvolvimento de diversos conteúdos

conceituais, procedimentais e atitudinais e as atividades propostas. Essas expectativas

parecem ir claramente ao encontro das expectativas de significação, articulação e distribuição dos conteúdos que abordamos a seguir.

Aspectos Pedagógico-Metodológicos

Linguagem (ver itens 2.1 a 2.5 da Ficha 1999)

No LD ideal, a linguagem materna ou “linguagem prévia” é valorizada ao se falar em adequação da linguagem efetivamente utilizada no livro. Ela seria uma linguagem

equilibrada entre a linguagem materna e as várias linguagens matemáticas.

No LD ideal, a clareza da linguagem, no sentido de sua inteligibilidade, dar-se-ia no nível das instruções e no da gradação e articulação quando da apresentação dos conteúdos. A

diversidade, característica marcante da significação e articulação, como visto anteriormente,

seria inerente às proposições quando da formulação de situações-problema. Além disso, a

articulação entre as linguagens materna e matemáticas seria propiciada ao serem exploradas

distinções entre os significados usual e matemático de um mesmo termo. Nesses sentidos, o aspecto da linguagem seria apreciado, pela Avaliação, tanto como meio (de interação com o leitor, de desenvolvimento dos conteúdos) quanto como fim (saber a ser progressivamente desenvolvido).

Conceitos, habilidades e atitudes (ver itens 2.6 a 2.19 da Ficha 1999)

Esta parte da Ficha parece estar em estreita relação com outras questões mais gerais como:

Que perfil de aluno o livro didático deve se propor a desenvolver?

Que contribuição é legítimo esperar que ele traga para a construção de habilidades, atitudes e comportamentos para o exercício da cidadania?

(BRASIL 1998, p. 10, ênfase adicionada)

Essas questões norteariam as metodologias empregadas no LD ideal, no sentido de que elas seriam concebidas segundo um perfil ideal de aluno que o vê como cidadão em exercício. Dessa maneira, o LD ideal encontraria, no aluno ideal, motivação e sustento para as propostas pedagógicas e metodológicas nele veiculadas. Segundo a Ficha, no LD ideal empregar-se-iam metodologias que valorizariam o papel do aluno na construção de significados articulados

em vários níveis; a construção progressiva de uma linguagem matemática significativa; o

desenvolvimento de diversas capacidades (dentre as quais se destacam cálculo mental, estimativas, estabelecimento de relações, formulação e resolução de problemas, observação de regularidades e generalização); a diversidade de situações formuladas de modo a propiciar

diferentes maneiras de analisar e resolver problemas (questões abertas e desafios;

com nenhuma ou várias respostas; estratégias diferentes para a resolução de problemas); o

currículo em espiral (a complementação e aprofundamento progressivo dos conhecimentos e

interpretações aritméticos, de grandezas e medidas, geométricos; e a introdução progressiva e significativa do pensamento algébrico); e o desenvolvimento da argumentação, de atitudes críticas e de autonomia, contribuindo assim para o exercício da cidadania, etc.

Atividades propostas (ver itens 2.20 a 2.27 da Ficha 1999)

O LD ideal contaria com atividades adequadas aos objetivos pretendidos pelo autor. Em razão da ansiada formação do cidadão, propor-se-iam no livro atividades de trabalho em equipe propiciadoras de situações de convivência, cooperação, respeito e tolerância. Também seriam propostas atividades visando a prática da observação, investigação, análise, síntese e generalização, desenvolvimento da imaginação, criatividade e crítica, autoavaliação, autocrítica, validação pelos alunos de seus resultados e processos, e atividades que evidenciem o uso da matemática no dia-a-dia. Portanto, as atividades propostas no LD ideal favoreceriam diversas competências (cognitivas, sociais, científicas, quotidianas), sendo incompatíveis com as visões tecnicista ou formalista, ambas criticadas por terem relegado o aluno a tarefas de simples imitação (FIORENTINI, 1995).

b. O Livro do Professor

Esperar-se-ia (ver itens 5.1 a 5.11 da Ficha 1999) que houvesse coerência entre os objetivos para o ensino de matemática explicitados pelo autor e seus homólogos expressos no documento “Princípios e critérios para avaliação de livros didáticos de 5a a 8a séries”.14 Também, esperar-se-ia que existisse coerência entre os objetivos e pressupostos explicitados e o livro didático.

Das duas expectativas acabadas de mencionar, a primeira não foi mais exigida a partir do PNLD 2002, enquanto a segunda manteve-se como obrigatória. Essa mudança já indicaria uma preocupação, por parte da Avaliação, em evitar uma certa homogenização dos livros, os quais, se obrigados a fundamentar sua proposta no documento acima, poderiam ver sua participação inibida ou comprometida pelo fato de se apoiar em outros objetivos que não os promovidos pelo Programa.15

14Ver (BRASIL, FNDE, 1997, 1999 e 2002)

15No capítulo 1, na seção 1.2.1 deste trabalho, vimos que a Avaliação vem exigindo comprovação de

Também esperar-se-ia que o Livro do Professor fosse elaborado em linguagem clara (item 5.5) e de maneira a contribuir tanto para a formação e atualização do docente, incluindo a bibliografia utilizada na elaboração do Livro do Professor e leituras complementares (itens 5.4; 5.8; 5.9), como para o desenvolvimento das aulas, oferecendo informações adicionais e atividades extra ao livro do aluno, assim como sugestões para avaliação e resolução de atividades propostas (5.6; 5.7; 5.10; 5.11).