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2 LINHA 00: CARTOGRAFIA COMO PESQUISA INTER(IN)VENÇÃO COM OS

2.2 Local da Pesquisa

Este percurso traçou caminho pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) da Secretaria Executiva Regional V, no qual já iniciamos inserção em 2018.1 e permanecemos em 2018.2. O artigo 88 do ECA (1990) dispõe sobre o princípio da municipalização da execução das medidas socioeducativas em meio aberto, possibilitando que a Política de Assistência Social incorpore a execução de medidas de LA e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) como um dos serviços ofertados nos CREAS (BRASIL, 2016).

Percorrendo a cidade, nos caminhos delineados por ruas, avenidas e trânsitos, adentramos no desenho realizado pela a administração executiva da prefeitura da cidade. Segundo esta, a cidade se divide em Secretarias Executivas Regionais (SERs), totalizando sete (SER I, SER II, SER III, SER IV, SER V, SER VI e a Regional do Centro) (BARREIRA 2011).

Figura 2: Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza (Fonte: site do colégio J. Oliveira - <www.colegiojoliveira.com.br>)

A Regional V (SER V), por sua vez, engloba 18 bairros de Fortaleza. São estes: Conjunto Ceará I e II, Siqueira, Mondubim, Planalto Airton Senna, Prefeito José Valter, Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Genibaú, Canindezinho, Vila Manoel Sátiro, Parque São José, Parque Santa Rosa, Maraponga, Jardim Cearense, Conjunto Esperança e Presidente Vargas (BARREIRA et al, 2011). O CREAS da SER V atende, então, este território.

O CREAS frequentado se encontrava localizado provisoriamente na Granja Portugal, onde nos inserimos e acompanhamos o grupo de adolescentes por meio da observação participante. Terminados os encontros do grupo, este CREAS foi deslocado para o Conjunto Ceará, mudança que também esteve relacionada a conflitos territoriais no território. Na nova localidade, o CREAS SER V se encontra inserido no Centro Social Urbano (CSU) do Conjunto Ceará, equipamento que oferece atividades de lazer, esportes e cursos variados (tais como corte de cabelo, costura e dança) para moradores da comunidade. Novo território, novas paisagens, novos conjuntos habitacionais! Lá, passamos a acompanhar as acolhidas13 de adolescentes que

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As acolhidas consistem em um momento de recepção que o CREAS realiza para com adolescentes responsabilizados com a medida socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (L.A) que são encaminhados ao equipamento. Neste momento, a equipe explicita ao adolescente, que geralmente está acompanhado por um parente responsável, como funciona o cumprimento da medida. O fluxo de atendimento do CREAS a adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa segue o seguinte percurso: 1. No primeiro momento, a acolhida, 2. No segundo momento, na semana seguinte à acolhida, dá-se o

receberam medida de L.A e PSC e, no semestre 2018.2, iniciamos o projeto “Histórias Desmedidas + Traficamos Saberes”.

Figura 3: Frente do Centro Social Urbano (CSU) do Conjunto Ceará (Fonte: Google Maps)

A escolha do local também se baseou no que temos acompanhado do contexto do sistema socioeducativo e do cenário de homicídios de jovens na cidade de Fortaleza. O CREAS SER V é a unidade da cidade que mais atende adolescentes a quem se atribui o cometimento de ato infracional. Em 2015, verificou-se 285 adolescentes atendidos (CEDECA, 2017), e em 2018, segundo dados 5ª vara de execução das medidas socioeducativas, 242 adolescentes. Ademais, dados do Comitê Cearense pela Prevenção Homicídios na Adolescência (CCPHA) indicaram 97 homicídios ocorridos no Bom Jardim no ano de 2017. Dentre essas pessoas, 28 mortes foram de jovens. Esse levantamento situou o Bom Jardim, integrante da Regional V, como um dos quatro territórios de Fortaleza com maior índice de homicídios no ano de 2017, juntamente com Jangurussu, Barra do Ceará e Mondubim, sendo este último também integrante da Regional V. (CEARÁ, 2018). Em 2018, o número de homicídios no Bom Jardim aumentou para 123 pessoas, dentre elas, 33 adolescentes, e, entre 2015 e 2018, o Bom Jardim foi o bairro com maior número de adolescentes vítimas de violência letal (CEARÁ, 2019).

Inicial Familiar (IF), atendimentos realizados com o(a) adolescente e seu responsável, individualmente.

Geralmente, ocorria primeiro com o(a) adolescente, depois com o(a) responsável e, em seguida, conjuntamente com eles(as). 3. No terceiro momento, há a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA) do (a) adolescente em conjunto com o(a) técnico(a) de referência. O PIA consiste em um documento que prevê, registra e gerencia atividades dos(as) adolescentes durante o cumprimento da medida (BRASIL, 2012). Quanto a adolescentes em cumprimento de L.A, a medida é avaliada semestralmente, e o CREAS envia um relatório para o juiz. Próximo ao período de seis meses, que é quando se dá esse envio, realiza-se um atendimento individual com o(a) adolescente para um processo de avaliação da medida. Em relação ao cumprimento de PSC, o(a) adolescente é encaminhado(a) para a instituição em que irá cumprir, e o CREAS o acompanha mensalmente.

A partir das concepções de território de Deleuze e Guatarri, Alvarez e Passos (2010) consideram território não apenas como espaço físico, mas como modos de vida, de expressões e produções de sentido. Fala-se, assim, em território existencial, onde o “aprendiz- cartógrafo” (p.137) constrói o conhecimento com o campo, experienciando-o, e não sobre ele. Desse modo, tomo aqui o CREAS e a área em que ele se insere como construção, participando de suas composições e buscando experienciar sensações que se implicarem nesse processo.

Em março de 2018, nós da equipe do “Histórias Desmedidas” soubemos do grupo de adolescentes e jovens que ocorria semanalmente no CREAS através de um parceiro do VIESES, J.14, que facilitava alguns encontros juntamente com uma das profissionais do Ceará Pacífico. Combinou conosco que poderia nos dar carona do Terminal até a instituição, que até então estava localizada na Granja Portugal. Explicou que preferia que fôssemos para lá com alguma pessoa de referência, pelo menos durante um mês, tempo em que o grupo poderia nos “acolher”.

No caminho de carro, J., falando sobre a equipe de profissionais do CREAS, disse- nos que quando um dos jovens perdeu a mãe, ninguém da equipe foi até ele dar os pêsames, “Os pêsames! é o mínimo!”, exclamou. Comentou também, indignado, que a equipe atendia os jovens no corredor, por medo de ficar na sala com eles.

A estrutura da instituição era antiga e precária, as paredes e portas das salas já se descascavam, e faltava sabão e papel higiênico nos banheiros. Equipamentos eletrônicos como notebook, projetor e caixa de som precisavam ser levados pela facilitadora. Em alguns dos dias que fomos, a equipe relatou roubos no local, dizendo que chegaram a levar o botijão de gás e o lanche dos adolescentes, e alguns funcionários se mostravam apreensivos e inseguros, apressando-nos, por exemplo, a entrar rapidamente no carro na saída da instituição, para fecharem logo o portão. Em outro momento, informando que, em breve, aquele CREAS seria deslocado para o Conjunto Ceará, uma das funcionárias, demonstrando alívio, comentou que a mudança seria melhor, pois a nova região era “mais tranquila” do que a da Granja Portugal.

Tal deslocamento se deu pouco mais de um mês depois de nossa inserção. No novo território, nós da equipe nos perdemos algumas vezes no percurso da parada de ônibus até o CREAS, chamando-nos atenção o fato de que, ao pedirmos informação sobre onde aquele se localizava, alguns moradores não sabiam o que era CREAS, indicando inacessibilidade a este

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Ressalto que, além dos participantes-passageiros e da equipe do “Histórias Desmedidas + Traficando Saberes, surgirão aqui outras pessoas que se fizeram presentes nestes trajetos, seja por terem sido mencionados(os), seja por terem participado ativamente de certos momentos, compondo-os. Nomearei-as com uma letra (Como J. e

serviço.

Na nova instituição, passamos a acompanhar as acolhidas de adolescentes e, no semestre seguinte, iniciamos a realização das oficinas temáticas juntamente com a equipe do LEV. O novo local era maior, com área grande incluindo piscina e quadra de esportes, e contava com o funcionamento de diversos cursos e atividades. Contudo, o espaço também era precário. No primeiro dia de oficina, chegamos logo após o forro do teto de um dos corredores cair no chão, espalhando poeira e obstruindo a passagem.

Além disto, continuava faltando equipamentos eletrônicos, e precisávamos pegar os da universidade para facilitar as oficinas. A sala que nos foi disponibilizada, apesar de ter estrutura melhor do que a outra, quase se inviabilizou em alguns dias, como quando os esgotos foram abertos para a limpeza das fossas (espalhando forte odor) e quando a fiação elétrica apresentou instabilidade, não sendo possível ligar o ar condicionado e nem o projetor. Também não havia rede wifi, dificultando o uso da internet quando necessário. “Pra você ver como são nossas condições de trabalho…” , disse-me a coordenadora, em relação a isto. Esses aspectos, relacionados às trajetórias institucionais desses adolescentes e as relações que políticas públicas estabelecem com tais segmentos, são pistas que serão discutidas mais adiante, na Linha 005.

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