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Localidades com denúncias de prostituição na Demarcação de Diamantina

Cativeiro, mineração e a espacialidade do “torpe lucro”

Mapa 5. Localidades com denúncias de prostituição na Demarcação de Diamantina

Fonte: Mapa da demarcação de Diamantina, autor desconhecido, 1776. Biblioteca Nacional de Portugal.

375 O fragmento foi capturado do site da Biblioteca Digital Luso-brasileira. Disponível em:

Situada também na comarca do Serro Frio, a Freguesia de Conceição do Mato Dentro apresentou um elevado número de prostitutas, sobretudo na década de 1750.376 José de Louro

da Silva, morador no arraial de Santo Antônio do Rio Abaixo, situado na referida localidade, disse que Paula Perpétua, parda forra e casada com Francisco da Cunha, era “mulher meretriz” e estava sempre “pronta para dar as desonestidades com qualquer homem” que a procurava.

Eusébia, parda forra, casada com Eusébio, também pardo forro, era separada de seu marido e vivia “meretrizmente e desonestamente”, segundo relato de José dos Santos Marques, morador

do arraial.377 Em 1748, a preta forra Maria da Costa, solteira e moradora do Morro de Gaspar Soares, Freguesia de Conceição do Mato Dentro, vivia “escandalosamente e desonestamente, usando mal de seu corpo com todo o homem” que se lhe oferecia..378

A localização da freguesia e as atividades mineradoras explicam a concentração elevada de meretrizes na região, argumentou Luciano Figueiredo. Conceição do Mato Dentro estava também na “rota por onde transitava todo o fluxo comercial do arraial do Tejuco e Vila do Príncipe”. A demarcação encontrava-se próxima a centros de mineração, sobretudo ao longo

do rio Santo Antônio.379 A freguesia ficava na rota que ligava Vila Rica à região da área de exploração de diamantes.380

Centros mineradores e vias de circulação apresentaram importantes queixas de prostituição, sobretudo pelos desvios e perigos que essa atividade representava nessa região de elevada movimentação de riquezas. As queixas da então Vila do Caeté, criada em 1714 na região de exploração de ouro, seguiram essa tendência.381 Em 1744, a forra Sebastiana de Faria

376 Laura de Mello e Souza destacou o índice elevado de meretrizes na localidade. SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. São Paulo: Graal, 1982, p. 146.

377 AEAM - Devassas 1756-1757, fls. 7v; 9; 9v-10;47. 378 AEAM - Devassas 1748 [Termo de Culpa], fl. 7v;13v.

379 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória. Op. Cit, p. 81.

380 STARLING, H. M. M. “A estrada de Minas”. Revista Margens/Márgenes. Belo Horizonte, v. n.

5,2004, pp. 24-35.

381 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico e geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:

foi admoestada pelo crime de consentir que suas escravas ganhassem jornal pelo “pecado”. Um

ano antes, na mesma localidade, Antônia da Costa Mendanha, solteira, e Maria de Oliveira, escrava de José de Oliveira, foram censuradas por serem mulheres meretrizes.382

De acordo com texto da época, parte da extração mineral era dedicada aos “lupanares, comércio abominável, trato vil e ganho ilícito dos brancos, que neles punham”. Por isso, durante os motins de 1720 em Vila Rica, houve uma intensa repressão à circulação das vendas e ao comércio de mulheres pelas ruas. Nessa atividade, estavam envolvidas as negras de “pronta

saída, fácil consome dos seus efeitos, e segura atração dos negros, que até para as suas obscenidades ali achavam asseadas camas”.383 O termo lupanar significava “casa de mulheres

impudicas”.384 A queixa está centrada na suposta desordem pública e política que a atividade

causava, bem como nos prejuízos de arrecadação, fruto dos prováveis desvios e descaminhos causados pela prostituição.

Em 1722, o Governador da Capitania, D. Lourenço de Almeida, proibia a instalação de vendas e a presença de negras de tabuleiro nos morros de mineração, em vista das “repetidas queixas das que me fizeram os oficiais da Câmara desta Vila Rica a requerimento dos moradores dela e dos morros”.385 O motivo da proibição era o fato de os donos de vendas e

negras serem frequentemente acusados de desviarem ouro e diamantes, provocando conflitos, desordens e desvios da receita régia.

Com o mesmo propósito, foi publicado um edital no morro de Congonhas do Sabará, em 1729, anunciando penalidades às negras que andassem no morro, “e seus senhores, por ter

382 AEAM – Devassas 1742-1743 [Termo de culpa], fl. 172v; 174;174v;175;176v.

383Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Estudo

crítico de Laura de Mello e Souza. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994, p. 73.

384 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Op. Cit., v. 5, p. 206. Segundo Bluteau: “Os antigos

Romanos chamavam às putas, Lobas, donde veio a palavra Lupanar, isto é, casa da mulher desonesta, e neste sentido querem alguns que Romulo, e Remo foram criados por uma loba, isto é mulher pública. Os Imperadores Romanos com públicos editais declararam infames este gênero de mulheres”. Cf. BLUTEAU, Raphael.

Vocabulario portuguez & latino. Op. Cit., v. 6, p. 837. 385 BANDO de 27 de abril de 1722. APM. Cod. 06, fl. 33v.

mostrado a experiência que não faíscam e pela maior parte ganham os jornais que os negros lhes dão por usarem mal de si.”386 Em 1743, um “novo minerador” da freguesia do Morro

Grande foi notificado a não consentir que suas escravas fossem às senzalas como “negras de tabuleiro”.387 A correção demonstra como as queixas de supostas oportunidades para a

prostituição, ao mesmo tempo que definem uma preocupação com a moralidade cristã, demonstram atenção às ocasiões de desvios de riqueza num território de exploração. Luciano Figueiredo ressaltou que a “racionalidade da mineração geraria uma singularidade no fenômeno em Minas”, pois o processo de expansão do número de prostitutas nesses centros mineradores

associava-se ao número de “pessoas ligadas direta ou indiretamente aos trabalhos extrativos”.388 As regiões mais afastadas dos centros mineradores também receberam denúncias de prostituição. As áreas densamente povoadas constituíram um cenário privilegiado do comércio venal, porém numa terra de muitos caminhos, de rios, rotas de comércio e circulação de gente, a prostituição deve ser analisada dentro das possibilidades que essa espacialidade oferecia para seu desenvolvimento. Além dos arraiais, ruas, tabernas, os pontos de idas e vindas, fazendas, sítios e passagens constituíram cenário habitual de muitas “desonestidades” e de exercício do meretrício.

Na freguesia de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, no Caminho Novo, que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, Pedro Moreira, morador do morro dos Três Irmãos, consentia na sua roça e senzala, “mulheres que usavam mal de si”, em 1729.389 Maria Correia,

crioula forra e também moradora no caminho novo da Freguesia do Morro Grande, recebeu termo de culpa “pelo crime de meretriz” em dezembro de 1743.390 A crioula Maria, moradora

386 Edital publicado no morro de Congonhas do Sabará, 11 de setembro de 1729. APM – SG, cod. 27, fl. 58-9;

LIMA JR, Augusto de Lima. Um município do ouro (memória histórica). RAPM. Vol. 6. 1901, p. 327-328.

387 AEAM - Devassas 1742-1743 [Termo de culpa], fl. 168v;169; 170v.

388 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória. Op. Cit, p. 80. 389 AEAM - Devassas 1730-31, [Livro 3], fl. 23v.

de um caminho situado na freguesia de Guarapiranga, foi repreendida a “não ser meretriz e fazer cessar o escândalo”, em 9 de outubro 1742.391 A prática do meretrício nos lugares de

passagem, era uma possibilidade para relações passageiras e remuneradas envolvendo homens solteiros ou um “espaço alternativo à sexualidade” fora do matrimônio que acompanhava os “roteiros de negócios e comércio”, lembra Mary Del Priore.392

As pessoas que “vagamente” paravam pela freguesia Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo faziam “ofensas a Deus” na residência de Luís Barros e seu filho Manoel de Barros, ambos acusados de consentirem que suas escravas vivessem de “usar mal de si”, em

1730.393 Atual região da cidade de Barbacena, o processo de ocupação da freguesia intensificou-se no início do século XVIII, com a construção do Caminho Novo, que ligava as Minas ao Rio de Janeiro. Em 1791 foi criada a Vila de Nossa Senhora da Piedade de Barbacena.394

A então cidade de Barbacena foi destacada pelo viajante Saint-Hilaire por seus albergues e prostitutas no início do século XIX. Segundo o autor, a localidade era “célebre entre os tropeiros, pela grande quantidade de mulatas prostituídas que a habitavam, e entre cujas mãos estes homens deixam o fruto do trabalho”. Saint-Hilaire descreve que não havia cerimônia e as mulheres vinham “pelos albergues” e “muitas vezes os viajantes as convidavam para jantar e com elas dançavam batuques, essas danças lúbricas.”395

Os ranchos, vias e acessos à beira da estrada também constituíram espaços propícios ao comércio venal. Uma negra chamada Maria, de origem mina, foi acusada de viver “escandalosamente desinquietando e admitindo os negros que queria”. Para isso Antônio do

391 AEAM - Devassas 1742-1743 [Termo de culpa], fl. 35.

392 DEL PRIORE, Mary. “Mulheres de trato ilícito: a prostituição na São Paulo do século XVIII”. Anais do Museu Paulista, tomo XXXV. São Paulo: USP, pp. 185-186.

393 AEAM - Devassas 1730 [Termo de culpa], fl. 11v-12.

394 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico e geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:

Itatiaia, 1995, pp. 42-43.

395 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem às províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte:

Prado a tinha em um “rancho fora de suas casas”, onde iam os negros que a queriam, em 1759, na freguesia do Morro Grande. Custódio Rodrigues foi acusado de ter “uma negra por nome Josefa em um sítio seu chamado o Calhão, com “casa aberta” para todos os negros que a queriam, vivendo escandalosamente” na mesma localidade.396 Manoel da Silva Pena e sua

mulher, Antônia da Silva Monteiro, moradores num sítio em Ouro Preto, foram acusados de dar casa de alcouce.397 Também por dar casa de alcouce em seu sítio, Bento Afonso foi denunciado na freguesia de Itabira, em 1754.398 Havia uma suspeita de que na fazenda do

Centro, administrada por Manoel Chaves, situada na freguesia de Nossa Senhora do Pilar de São João Del Rei, moravam “três mulheres meretrizes e escandalosas”, em 1763.399

O meretrício proliferou na América portuguesa entre mulheres escravas, livres, e pobres, não havendo “recanto da Colônia em que não houvesse penetrado”, afirmou Caio Prado

Jr. Segundo o autor, tal prática se espalhou das grandes e médias aglomerações até os pequenos arraiais.400 A afirmação é apropriada para a capitania de Minas, sobretudo pela dinâmica que o fenômeno ganhou no território minerador, em que esteve associado às zonas de comércio e lavras minerais, apresentando dispersão dentro desses núcleos urbanos.

O fenômeno, mesmo com maior incidência na comarca de Vila Rica, apresenta um caráter de irradiação pelo território. Apesar de indicadas com mais precisão, em algumas ruas e vilas, não foram encontradas zonas de prostituição. Para as vilas e arraiais da capitania de Minas, a mobilidade, a estrutura econômica do território, as características de exploração e sobretudo a escravidão deram um caráter dinâmico ao fenômeno no território minerador. O

396 AEAM - Devassas 1759, Livro Z-9, fl. 29.

397 AEAM - JE – [1748-1764]. Registro de sentença de livramento crime em favor de Manuel da Silva Pena e da

sua mulher Antônia da Silva Monteiro, fl. 17.

398 AEAM – JE – [1748/176]. Registro de sentença de livramento crime, fl. 74. 399 AEAM - Devassas 1763-1764, fls. 23; 27v.

mapa abaixo apresenta os principais locais de prostituição na capitania de Minas Gerais, dividido por quantidades e tipologias.401