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Locke contra a tese do inatismo: explorando as implicações da refutação lockiana para se pensar a

sophisticated argument that, although moral reasoning

2. O FUNDAMENTO SOCIAL DA CONSCIÊNCIA MORAL

2.2 Locke contra a tese do inatismo: explorando as implicações da refutação lockiana para se pensar a

relação entre a moralidade demonstrada e as leis antropológicas

Primeiramente, em relação ao movimento textual da análise lockiana, a tese do inatismo se explicita concomitantemente à refutação do próprio Locke. Fundamentalmente, o que diz a tese do inatismo? Ou ainda, qual a premissa fundamental desta tese? Locke esclarece que esta tese baseia-se na suposição de que há princípios especulativos e práticos fundados em uma concordância universal entre os homens (“mankind”). Deste modo,

segundo a tese do inatismo, haveriam noções primárias que supostamente estariam estampadas como uma impressão na alma e que independem dos costumes, da educação, da opinião alheia, da lei civil, e etc, e ela se fundaria no suposto “universal consent” quanto a estas noções fundamentais entre toda a humanidade. Contra a tese do inatismo, Locke procede do seguinte modo: 1º) afirma que o consentimento universal acerca de noções fundamentais não diz nada sobre sua origem; 2º) Locke dá mais um passo e afirma que, de todo modo, inclusive não há consentimento universal acerca de qualquer noção que seja entre os homens; e, por fim, 3º) Locke afirma que grande parte da humanidade desconhece noções cognitivas e morais básicas, tais como A = A, ou “matar é errado”.

Em relação à tese do inatismo, Locke afirma que, se os homens têm noções impressas na alma, então, coerentemente, eles devem ser conscientes delas. Locke sustenta que essa implicação é necessária diante da condicional para a manutenção da coerência interna da tese do inatismo. No entanto, Locke usa o exemplo das crianças e dos idiotas, para mostrar que não podemos observar a consequência do raciocínio da tese do inatismo, na medida em que eles não possuem consciência de certos princípios caso eles não sejam ensinados, ou apreendidos pela observação interna e externa das operações da mente. “Pois, primeiro”, afirma Locke, “é evidente que todas as crianças e

idiotas não possuem qualquer apreensão ou ensinamento

deles” (ECHU, I, II, §5, p. 10, tradução nossa).23

Locke refuta, portanto, o inatismo, a partir da conjunção entre

impressão e percepção. Se algo está impresso na mente

desde sempre, então perceberíamos imediatamente desde o momento em que nascemos. Ora, deste modo, se as crianças e idiotas não têm noção alguma em suas mentes, ou ainda,

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No original: “For, first, it is evident that all children and idiots have not the least apprehension or taught of them” (ECHU, 1972, p. 10).

não as percebe, então a tese do inatismo é falsa. Pois, Locke argumenta que, se houvessem noções primárias impressas na mente humana então elas seriam percebidas por todos, isto é, incluindo crianças e idiotas. A partir deste exemplo, Locke abala os dois pilares fundamentais de sustentação do inatismo, quais sejam: de que há impressões universais, e de que elas se fundam (reciprocamente) na concordância universal quanto a eles. Outra inconsistência do inatismo é, para Locke, que, se fosse verdadeira, então os homens conheceriam essas noções fundamentais de modo anterior ao uso da razão. Locke mostra, porém, que se não necessitassem do uso da razão, as crianças e idiotas, e os

selvagens, observariam estes princípios internamente.

Portanto, Locke estrutura sua argumentação do seguinte modo: se crianças e idiotas não conhecem princípios, isto mostra que eles não existem anteriores ao uso da razão; como, por sua vez, essas noções demandam o uso da razão, então elas não são inatas. Locke baseia a sua afirmação na suposição de que conhecemos as noções cognitivas e morais fundamentais do mesmo modo e pelos mesmos meios pelos quais conhecemos as proposições e axiomas da geometria, a saber: mediante o uso da razão, da “percepção interna”, a partir da qual o indivíduo deduz um foro íntimo ético, ou seja, a própria consciência. Segundo Locke:

que pelo uso da razão nós somos capazes a chegar até um certo conhecimento e assentir a eles; e, por este meio, não haverá diferença entre as máximas dos matemáticos admitidas inatas, sendo elas todas descobertas feitas pelo uso da razão, e verdades que uma criatura racional pode certamente chegar a conhecer, se ele aplicar seus pensamentos corretamente naquele caminho.

Mas como podem esses homens pensarem ser necessário o

uso da razão para descobrir princípios que supostamente são inatos […].

Podemos do mesmo modo pensar ser necessário o uso da razão para fazer nossos olhos descobrirem objetos visíveis, assim como deve haver tido necessidade da razão, ou o exercício disso, para fazer o entendimento ver o que está a princípio gravado nele, e não pode estar no entendimento antes de ser percebido por ele (ECHU, I, II, §8, §9, pp. 12-13, tradução nossa).24 Locke explora as semelhanças entre as noções primárias e as proposições demonstradas matematicamente para mostrar que não há vinculação entre o assentimento imediato à uma máxima e sua “inaticidade”. Que um triângulo tenha três lados é imediatamente evidente para qualquer um que aplicar devidamente suas faculdades lógicas e racionais, no entanto, isso não fornece embasamento nenhum para afirmamos que “nascemos com a ideia de triângulo”. Ora – Locke repete o argumento, se

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No original: “that by the use of reason we are capable to come to a certain knowledge of and assent to them; and, by this means, there will be no difference between the maxims of the mathematicians allowed innate, they being all discoveries made by the use of reason, and truths that a rational creature may certainly come to know, if he apply his thoughts rightly that way.

But how can these men think the use of reason necessary to discover principles that are supposed innate […].

We may as well think the use of reason necessary to make our eyes discover visible objects, as that there should be need of reason, or the exercise thereof, to make the understanding see what is originally engraven in it, and cannot be in the understanding before it be perceived by it” (ECHU, 1972, pp. 12-13).

precisamos fazer um esforço racional para chegar a estas noções, não faz sentido dizer que nascemos com elas, pois pressupõe-se justamente que, anteriores ao exercício das faculdades da mente, essas noções não estavam lá, o que seria absurdo caso fossem verdadeiramente inatas (Cf. ECHU, I, II, §18, §19, §20, §21, p. 18, p. 19, e p. 20). Locke retoma várias vezes o argumento da necessidade do uso da razão e da conjunção entre impressão e percepção para refutar a tese do inatismo: “Sob a qual repousa essa falácia, de que os homens são supostos não ensinar nada de novo, quando, na verdade, eles são ensinados e aprendem de fato algo de que eram ignorantes” (ECHU, I, II, §23, pp. 20-21, tradução nossa).25 O que podemos ressaltar deste argumento? É necessário ressaltar dele que as noções cognitivas e práticas são aprendidas (imediatamente, pela razão, e

mediatamente, através de outras pessoas), ou seja, precisam

ser ensinados. Em poucas palavras, elas nos são acrescidas. Locke mostra o processo pedagógico (de aprendizagem) das noções primárias, o que seria impossível se a tese do inatismo fosse verdadeira. Pois, uma noção que se arrogue inata não precisa ser aprendida nem ensinada. Deste modo, para verificar a verdade ou falsidade da tese do inatismo deve-se observar quais as noções presentes na mente daqueles que ainda não passaram por nenhum “processo pedagógico”, de formação de princípios. Deste modo, para averiguar a tese do inatismo, Locke se pergunta: quais noções as crianças, idiotas, selvagens e pessoas

iletradas possuem em suas mentes? A tese do inatismo

garante que há noções – embora nunca diga quais são, como Locke critica – na mente destes sujeitos, ao passo que Locke chega à conclusão de que não há quaisquer princípios em suas mentes, refutando, desta maneira, o inatismo. Disto

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No original: “Under which there seems to me to lie this fallacy, that men are supposed not to be taught nor to learn anything de novo, when, in truth, they are taught and do learn something they were ignorant of before” (ECHU, 1972, pp. 20-21).

tudo Locke conclui que os princípios são formados no processo social civilizador, no entanto, sem supor que não

há princípios a não ser aqueles que são ensinados. Os

princípios corretos, deste modo, precisam ser diluídos nos costumes – a formação dos princípios morais corretos depende do desenvolvimento social –, no entanto, Locke também sustenta que os princípios corretos prescindem dos costumes, na medida que a legalidade pode promover princípios anti-éticos, não é (nem deve ser) a tradição a fonte de conhecimento dos verdadeiros princípios morais, e, sendo assim, estes possuem uma independência necessária em relação aos costumes que conserva a sua função (Cf. ECHU, I, II, §27, pp. 23-24). Ou, como afirma Ayers:

Sua ênfase na derradeira relatividade de qualquer moralidade e sua variabilidade com variações no gosto constituiu uma crítica às tentativas de chegar a uma ética natural sem referência a Deus. Sua evidente fascinação com contos de viajantes de outras sociedades parece ter se centrado na questão das diferenças e similaridades em conceitos e códigos morais. […] A moralidade genuína tem uma autoridade antecedente à sociedade organizada, e não pode ser a criação do homem para o bem da harmonia social (AYERS, 1991, pp. 185-186, tradução nossa).26

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No original: “His emphasis on the ultimate relativity of any such morality and its variability with variations in taste constituted a critique of attempts to arrive at a natural ethics without reference to God. His evident fascination with travelers tales of other societies seems to have centred on the question of differences and similarities in moral concepts and moral codes. […] Genuine morality has an authority antecedent to organized