• Nenhum resultado encontrado

No Ensaio I (“Is There a Rule of Morals, or Law of Nature Given to Us? Yes”), de ELN, Locke apresenta a estrutura da lei de natureza através de cinco argumentos, quais sejam: [1] Argumento exauctoritate (Aristóteles e a função do homem); [2] Argumento da consciência (não conseguimos escapar ao nosso próprio julgamento); [3] Argumento cosmológico (a ordem do mundo); [4] Argumento jurídico (a lei que determina o cumprimento dos pactos não é positiva)8; e, finalmente, [5] Argumento ético (sem lei natural não há virtude nem vício).

Segundo Locke, a ordem fixa da natureza demonstra

regularidade, isto quer dizer, racionalidade, e disto tem-se,

de acordo com o filósofo, uma prova irrefutável da existência de Deus. Ayers afirma que:

[…] remover Deus seria remover não apenas a base de inteligibilidade das leis de natureza, mas a base de sua existência como suas volições gerais. Locke, por outro lado, sitou ambas a inteligibilidade e a existência das leis nas coisas em si mesmas, em essências mecânicas ou quasi-mecânicas. […] Os corolários naturais dessa doutrina, uma vez que Deus foi excluído, são a negação de que as leis estão em qualquer nível de “inteligibilidade” e a concepção de leis como possuindo nenhuma existência à parte de suas instâncias (AYERS, 1991, p. 164, tradução nossa).9

8

Discutiremos com mais acuidade este argumento na seção 3.2.1 do capítulo 3, quando abordarmos a diferença entre obrigação e

constrição.

A lei de natureza é a lei que regula a relação do indivíduo com esta ordem teleológica (argumento [1]), ética (argumentos [2] e [5]) e cosmológica (argumento [3]), criada por Deus para dar sentido, justificativa e fundamento para a existência humana. Os fundamentos da ciência da moralidade são deduzidos a partir da relação do indivíduo com as leis naturais, que situam o indivíduo perante Deus: “Caberia, portanto, explorar a relação entre a ideia do Criador onipotente e onisciente e a da sua frágil e dependente criatura racional, o homem” (JORGE FILHO, 1992, p. 57). A moralidade estaria fundada na relação entre o entendimento e as leis naturais. Ou, na relação entre a consciência e Deus. De acordo com Ayers:

Correspondentemente o papel das premissas na ética tornou-se em qualquer medida menos proeminente. De fato a própria noção de conhecimento moral “demonstrativo” tornou necessário que quaisquer premissas são conhecidas mais intuitivamente que através dos sentidos. Ainda que uma premissa existencial, até mesmo se preocupada com a existência de si própria e adiante, de acordo com Locke, intuitivamente conhecível, é ainda empírica ou factual, indo além de nossas ideias. Conhecimento

the ground of the intelligibility of the laws of nature but the ground of their existence as his general volitions. Locke, on the other hand, placed both the intelligibility and the existence of laws in things themselves, in mechanical or quasi-mechanical essences. […] Natural corollaries of that doctrine, once God has been excluded, are the denial that laws are at any level „intelligible‟ and the conception of laws as having no existence apart from their instances” (AYERS, 1991, p. 164).

moral deve, ao que parece, repousar sobre o conhecimento da existência de apenas uma relação interpessoal, entre um criador onipotente, sábio e benevolente e sua criatura livre e racional, capaz de prazer e dor. Somente isso já seria suficiente para distinguir (“mark off”) a ciência moral da matemática, que não é preocupada com existência alguma. Como nós vimos, Locke comumente se baseia na analogia entre elas na exigência de que verdades morais sobre, por exemplo, adultério ou gratidão são independentes da

existência de adultério ou gratidão.

O ponto em questão é que, em sua descrição, parece que não há verdades morais independentes da existência de um criador com certa natureza, e uma criatura com certa natureza (AYERS, 1991, p. 188, tradução nossa).10

10

No original: “Correspondingly the role of empirical premises in ethics became at any rate less prominent. Indeed the very notion of „demonstrative‟ moral knowledge entailed that any premises are known intuitively, rather than through the senses. Yet an existencial premise, even if concerned with the existence of oneself and so, according to Locke, knowable intuitively, is still empirical or factual, going beyond our ideas. Moral knowledge must, it seems, rest on knowledge of the existence of at least one inter-personal relationship, between an omnipotent, wise and beneficent creator and his rational, free creature, capable of pleasure and pain. That alone would be enough to mark off moral science from mathematical, which is not concerned with existence at all. As we have seen, Locke often rested the analogy between them on the claim that moral truths about, for example, adultery or gratitude are independent of the existence of adultery or gratitude. The present point is

Haveria uma fundamentação rigorosa da moralidade na relação entre a estrutura teleológica da natureza e a prova da existência de Deus (JORGE FILHO, 1992, p. 59). Esta seria a fundamentação objetiva da moralidade, sem relação com nenhum elemento antropológico, oferecida em ELN. Parte da exigência de uma lei que define uma medida na relação entre o indivíduo e Deus era estratégia para criticar a atitude dos fanáticos, cuja presunção de uma suposta proximidade com Deus era usada para justificar suas alucinações e seus crimes. A lei de natureza, portanto, torna necessária uma justificativa racional para nossas ações. A partir dela situamo-nos em relação a Deus, que fornece uma

medida para julgarmos nossas ações. A partir desta mesma

medida o indivíduo é capaz de distinguir entre o vício e a

virtude. Esta medida, enquanto uma medida natural, exige

uma ordem fixa – regular –, como condição de sua racionalidade. Neste sentido, a lei natural impõe regularidade às ações, ou seja, impõe regras para a ação, não somente para nosso juízo. Deste modo, a natureza humana não é

desregrada, ou seja, ausente de regra ou método, ela

pertence a uma ordem ética cósmica que lhe dá fundamento (prático-transcendental). Ayers afirma que:

A menos que certo e errado sejam criação de Deus, nós somos deixados com princípios de ação inventados pelo homem e, por conseguinte, faltam por completo a autoridade incondicional da lei moral tal como a concebemos comumente, ou temos concebido até agora (AYERS, 1991, p. 196, tradução nossa).11