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Lolitismo , Muchachismo

No documento R EESCRITAS DAN AÇÃO (páginas 86-99)

2. Fantasmas femininos

2.3. Lolitismo , Muchachismo

Onetti, ao longo de sua vida, irá se remeter à questão do “muchachismo” (e, após a publicação de Lolita, de Nabokov, poderá nomear de “lolitismo” ou “ninfulofilia”77) como algo inerente à condição angustiante do homem, ou melhor, de certo homem, em relação à mulher, e isso irá repercutir em sua obra.

Pode-se dizer que O poço é uma novela em que um homem – Eladio Linacero – chega aos quarenta anos e resolve recontar suas memórias. Recém-divorciado, enfrenta angústias da escrita e da relação com Cecilia, sua ex-mulher, o poeta Cordes, a prostituta Ester, o companheiro de quarto Lázaro – sindicalista que não voltara para casa naquele final de semana e pode estar preso – e fuma sozinho em um quarto em uma

77 Com a tradução de Lolita ao espanhol pela editora Sur, Onetti publicará um artigo em Marcha, em 1959, em que se confessará como o público reduzido do clube de leitores para quem o romance teria sido escrito, os “ninfulómanos”. Embora aprecie a obra, o talento e o senso de humor de Nabokov, apontará que o russo “não é um ninfulómano puro. A insistência no burlesco e às vezes no sexual barato revelam certa má consciência, certo afã de desculpar-se, dando a entender que a coisa não é de todo séria”. (ONETTI, 2009b, p.482-3).

87 noite de Montevidéu. No entanto, toda a escrita parece ser pretexto para contar uma memória de uma noite ocorrida há décadas, com a então adolescente Ana María, primeiro fantasma que surge na ficção de Onetti.

Linacero rememora o episódio ocorrido na adolescência, em que força um encontro sexual com a moça, em uma cabana no bosque, que não chega às vias de fato, mas o marca profundamente, de modo que ele irá reescrever e reimaginar de uma maneira distinta um encontro com Ana María, agora consensual. A repreensão que Ester e Cordes lhe dirigem quando narra a eles esse fato da adolescência o deixa consternado e aumenta sua angústia, e a imagem fixa da mocinha, morta seis meses após o evento na cabana, irão assombrá-lo até o final do romance, em que conclui: “Esta é a noite. Vou deitar na cama, arrefecido, morto de cansaço, procurando dormir antes que chegue a manhã, sem forças já para esperar o corpo úmido da garota [muchacha] na velha cabana de troncos”. (ONETTI, 2009c, p.58)78.

É interessante observar que Ana María bem como Anabel79, de Lolita, são relações não consumadas, representam um interdito e, depois, se tornarão impossíveis em função da morte das personagens femininas. Elas são fantasmas que assombram Eladio Linacero e Humbert Humbert, que vivem em melancolia e fixados na sexualidade adolescente. Humbert, já bem adulto, se realizará em Lolita, ao passo que Linacero se frustra, porque se casa com uma muchacha (Ceci) “e um dia se desperta ao lado de uma mulher [Cecilia]” e por isso, diz ser possível “que compreenda, sem asco, a alma dos estupradores de meninas e o carinho babão dos velhos que esperam com chocolates nas esquinas dos colégios.”80(ONETTI, 2009c, p.35).

78 “Ésta es la noche. Voy a tirarme en la cama, enfriado, muerto de cansacio, buscando dormirme antes de que llegue la mañana, sin fuerzas ya para esperar el cuerpo húmedo de la muchacha en la vieja cabaña de troncos.”

79 Vale lembrar que Anabel, a namoradinha de Humbert no verão da adolescência, em que fugiam e se escondiam na praia e no bosque para se entregarem ao amor, morrerá pouco tempo depois, impossibilitando que consumam a relação. A mocinha “de cheiro de biscoito” permanecerá a eterna adolescente do narrador do diário, assombrando-o, e rodará as cidades a admirar ninfetas até conhecer a filha de sua inquilina, a quem chamará de Lolita. (cf. NABOKOV, 2003).

80 A tradução para o português da editora Planeta Literário apresenta o erro de repetição da palavra “mulher” no trecho citado. Ainda, optei por manter em espanhol a palavra muchacha para todas as vezes que seja utilizada por Onetti, pela dificuldade de se traduzir o termo muchachismo ao português. A seguir, o trecho da tradução ao português de Luis Reyes Gil: “E, se alguém casa com uma mulher [sic] e um dia acorda ao lado de uma mulher, é possível que

88 A perda da juventude – mais precisamente do muchachismo – da esposa conduzirá o protagonista de O poço ao fim definitivo do amor por ela, o que se revela na tentativa de reencontrar em Cecilia o espírito de muchacha, pedindo a ela que se vista de branco e caminhe pela rambla sem dar-lhe maiores explicações acerca de sua intenção; o ato deveria ser espontâneo e a mulher “falha” em reincorporar a muchacha.

Por meio desse episódio é possível observar como as relações conflituosas de Eladio Linacero com as mulheres e muchachas reverberam na escrita posterior de Juan Carlos Onetti. Das notas no diário de Carr, em que narra os encontros com o médico e onde, originalmente não figuraria a história do povoado (mas, sim, na pasta vinho adquirida para esse propósito), surgirão remendos de vários dos enredos que se deram em Santa María, desde “A casa na areia”, passando por A vida breve, Jacob e o outro, Juntacadáveres, Para uma tumba sem nome81, todas elas histórias em que o narrador não quer se deter. Mas quando chega à historia de Moncha Insaurralde, A noiva roubada (a jovem moça que espera pelo ex-noivo, Marcos Bergner, pensando que ainda estivesse vivo e passa a rodar pela cidade vestida de noiva, aguardando sua chegada e o dia do casamento em vão), o narrador se compadece da moça, mesclando sua história a outro passado, dando a ela outro sentido:

De tudo o que foi recordando o médico guardei para mim, como coisa tão querida que a tornei minha, a impossível história de uma muchacha que por desespero...

compreenda, sem asco, a alma dos estupradores de meninas e o carinho babão dos velhos que esperam com chocolates nas esquinas dos colégios.” (ONETTI, 2009c, p. 35).

81 As referências a esses episódios se encontram entre as páginas 415 e 417 de Cuando ya no importe da edição crítica da Coleção Archivos das Novelas Cortas de Juan Carlos Onetti. (cf. ONETTI, 2009a, p.415-417). No mesmo volume da Coleção Archivos, consultei os seguintes textos literários mencionados no trecho: El pozo e Para una tumba sin nombre (ambos traduzidos pela editora Planeta do Brasil e recolhidos no volume O poço/Para uma tumba sem nome [cf. ONETTI, 2009c]) e também Jacob y el otro. Foram duas as traduções consultadas desta última novela, presentes em Tão triste como ela (de tradução de Eric Nepomuceno) e 47 contos de Juan Carlos Onetti (de Josely Vianna Baptista), ambas da Companhia das Letras. Os contos “La casa en la arena” e “La novia robada” foram consultados no terceiro volume das obras completas de Juan Carlos Onetti, compiladas pela Galáxia Gutenberg (ONETTI, 2009b). Os dois estão traduzidos nos mesmos volumes da Companhia das Letras mencionados anteriormente como “A casa na areia” e “A noiva roubada”. Os romances La vida breve, Juntacadaveres e El astillero foram consultados nos dois primeiros volumes da obra completa da Galáxia Gutenberg. Suas traduções consultadas também foram as da Editora Planeta: A vida breve (2004), O estaleiro (2009c) e Junta-cadáveres(2005).

89 É algo belo e não quero tocá-lo com dedos cansados e trêmulos. Será amanhã, se Deus quiser.

Havia esquecido o nome da muchacha ou quis esquecê-lo porque pressenti que não me serviria. Não tive que esperar muito tempo para saber que era necessário chamá-la, por exemplo, e agora, para sempre, Anamaría.

Apenas nomeando-a assim me seria possível vê-la, acompanhar seus movimentos, visitar com ela e sua dor ruas, negócios, paragens sanmarianas. O destino a havia golpeado, lhe escamoteou o homem

querido, o quase esposo, fundindo-se com seu iate em um mar qualquer e de nome ignorado, deixando-lhe, talvez com sarcasmo, nada mais que a tristeza sem resignação. Apenas aquele vestido de noiva que se foi despojando, pouco a pouco, de vésperas felizes. O vestido que permaneceu para insinuar-lhe o mais profundo sentido da palavra irremediável.

Agora a tenho, toda ela Anamaría, e a coloco por dias ou meses de boca para cima, na cama. Mas em vão, sempre em vão. É um quadro

e eu o disponho. Coloco o vestido pendurado sobre o espelho de um grande armário. Os tules e encaixes velam impassíveis carícias desconsoladas, e o grande desespero que obriga a permanecerem horizontais. Como se oprimisse o corpo da moça, não sei quanto

tempo, até que aceitasse a impossibilidade de corrigir os passados.

Até que a demência, irresistível e lenta, fosse subindo pelo corpo estendido para arrebatá-la, fazê-la sua e convencê-la de que era necessário pôr o vestido branco e percorrer, fantasmal e grotesca, ruas e ruelas de Santamaría.82(ONETTI, 2009a, p.416, grifos meus)

82“De todo lo que fue recordando el doctor me reservé, como cosa tan querida que la hice mía, la imposible historia de una muchacha que por despecho...

Es algo hermoso y no quiero tocarlo con dedos fatigados y temblones. Será mañana si Dios quiere.

Había olvidado el nombre de la muchacha o quise olvidarlo porque presentí que no me serviría. No tuve que esperar mucho tiempo para saber que era necesario llamarla, por ejemplo y ya para siempre, Anamaría.

Solo nombrándola así me sería posible verla, acompañar sus movimientos, visitar con ella y su dolor calles, negocios, parajes sanmarianos. El destino la había golpeado, le escamoteó el hombre querido, al casi esposo, hundiéndolo con su yate en un mar cualquiera y de nombre ignorado, dejándole, tal vez con sarcasmo, nada más que la tristeza sin resignación. sólo aquel vestido de novia que se fue despojando de miles de vísperas felices. El vestido que permaneció para insinuarle el más profundo sentido de la palabra irremediable.

Ahora la tengo, toda ella Anamaría, y la coloco por días o meses boca arriba en la cama. Pero en vano, siempre en vano. Es un cuadro y yo dispongo. Coloco el vestido colgado sobre el espejo de un gran ropero. Los tules y encajes velan impasibles caricias desconsoladas, y la gran desesperación que obliga a permanecer horizontales. Como si oprimiera el cuerpo de la muchacha, no sé cuánto tiempo, hasta que aceptara la imposibilidad de corregir los pasados. Hasta que la demencia, irresistible y lenta, fuera trepando por el cuerpo extendido para arrebatármela, hacerla suya y convencerla de que era necesario ponerse el vestido blanco y recorrer, fantasmal y grotesca, calles y callejas de Santamaría.”

90 E, assim, várias camadas de texto vão se sobrepondo, mas Ana María, que se funde – com Cecília e Moncha – em Anamaría (tal como Anabel, mas também tal como Santamaría) atravessa todas elas e mostra a Carr a impossibilidade de estar em Santamaría sem ela e, paradoxalmente, de estar com ela, sempre de “boca para cima”, “sempre em vão”, como qualquer possibilidade de “corrigir os passados”.

Ángel Rama (in: ONETTI, 2009a, [“Origen de un Novelista y uma Generación Literária”]), observa que Ana María será a primeira “da série de adolescentes virgens, puras, entregues ao amor” (p.682, tradução minha) da obra de Onetti, um protótipo de Lolita que será rompido em O estaleiro. O autor sustenta que esse apreço pela mocinha virgem encontra sua origem na cosmogonia cristã da adoração da virgem, mariolátrica, que institui uma concepção católica de mulher contrária à “corrupção da carne”( RAMA in ONETTI, 2009a, p.683). Rama irá desenvolver um esquematismo do perfil das adolescentes na obra de Onetti: são mulheres púberes, que ainda não abandonaram definitivamente a infância, mas não assumiram ainda a vida adulta; entre os 13 e 16 anos, conscientes de sua natureza feminina, mesmo que não a dominem intelectivamente, o que as dota de função mental clara, mas sensibilidade infantil e levemente pudica; quase nunca filhas de Vênus, mas de Afrodite, o que as tornaria varonis; usam sua pureza como desafio ao mundo, vencem o mundo a despeito da sensualidade, pois são desdenhosas da carne. Carr, em diálogo com o personagem Linacero de O poço e em uma reflexão pessoal, elabora a ideia de muchachismo em seu diário:

Ao repassar estas notas, me parece oportuno explicar o significado que, felizmente para mim, a vida me outorgou mostrando-me muchachas. Isto acabo de escrever hoje e já muito longe de Elvirita, a quem sigo adorando. Há tempos um amigo que comentava sua vida matrimonial me disse: «Casa-se com uma muchacha e uma bela manhã se encontra com uma mulher ao seu lado». Acontece. É que o mundo, geração vai, geração vem, está perpetuamente povoado por falsas muchachas. Há muitas que nasceram não muchachas que nunca mudarão de condição, tão lamentável. As muchachas legítimas, ao dar seus primeiros berros já são escravas deliciosas de seu destino imutável. Porque o muchachismo persevera e se mantém isento de idades ou peripécias. É eterno, e a beleza não é indispensável. Foi outra a que sentenciou, entre rosas e vinho: Muchacha serás e agregarás beleza a este mundo. (ONETTI, 2009a, p.428).83

83“Al repasar estos apuntes me parece oportuno explicar el significado que, felizmente para mí, la vida me otorgó mostrándome muchachas. Esto acabo de escribirlo hoy y ya muy lejos de

91 Desse modo, a retomada da adolescente em Cuando ya no importe se dá pela personagem Elvirita, quando retorna, já mocinha, em visita à mãe e irá despertar o desespero de Carr; a fonte de sua “dor” vinha do encontro de suas pernas (Idem, p.427) 84: Me ofereceu a bochecha, mas um temor me fez beijá-la na cabeça, no cabelo tão cortado que parecia cobri-la como um casco. Meus olhos estavam úmidos enquanto dizíamos as bobagens dos reencontros. Ela mostrava seu sorriso de adolescência e saúde para minha dor. Tinha longas pernas, tinha para sempre quinze anos, tinha alguns movimentos relaxados, com um leve toque masculino, como se a natureza não tivesse terminado ainda de impor-lhe totalmente uma feminilidade absoluta. A blusa de mil desenhos apenas insinuava a pressão dos pequenos peitos. Uma carteira lhe pendia do ombro e vestia uma calça azul. Recordo que me obriguei vagamente a evocar a criança quando mais de uma vez tive que trocar-lhe as roupas na ausência de Eufrasia.

Era muito bonita, os grandes olhos claros me mostravam alegria e algo de defensivo e desafiante e o cuidado de um segredo, como todas as muchachas. Apenas era acima de tudo, uma menina posta no mundo para agregar felicidade aos pesares humanos. Sem ter consciência de sua missão, lhe bastava ser e estar.

[...]Entramos na casona. Eu atrás dela, amando sua bundinha imatura, raivosamente apertada pela calça. (ONETTI, 2009a, 428-429)85.

Elvirita, a la que sigo adorando. Hace tiempo un amigo que comentaba su vida matrimonial me dijo: «Uno se casa con una muchacha y una mala mañana se encuentra con una mujer a su lado». Sucede. Es que el mundo, generación va y viene, esta perpetuamente poblado por falsas muchachas. Hay muchas que nacieron no muchachas y nunca variará su condición, tan lamentable. Las muchachas legítimas al dar sus primeros berridos ya son esclavas deliciosas de su destino inmutable. Porque el muchachismo persevera y se mantiene exento de edades o peripecias. Es eterno, y la hermosura no es indispensable. Fue otra la que sentenció, entre rosas y vino: Muchacha serás y agregarás belleza a este mundo.”

84“Yo mirándole las piernas tan largas, que empiezan en unos calzados absurdos que se llaman botinas, todavía blancas porque el verano aun no llega. Y miro con disimulo las botinas donde las piernas nacen y van creciendo hasta unirse con esa fuente de mi pena de hoy, mi leve desespero.”

85 “Me ofreció la mejilla pero un temor me hizo besarla en la cabeza, en el pelo tan recortado que parecía cubrirla como un casco. Mis ojos estaban húmedos mientras cambiamos las tonterías de los reencuentros. Ella mostraba su sonrisa, para mí dolorosa, de adolescencia y salud. Tenía largas las piernas, tenía para siempre quince años, tenía algunos movimientos desganados con un leve toque masculino como si la naturaleza no hubiera terminado aún de imponerle totalmente una feminidad absoluta. La blusa de mil dibujos apenas insinuaba la presión de los pequeños pechos. Una cartera le colgaba del hombro y llevaba pantalones azules. Recuerdo que me obligué vagamente a evocar a la niña cuando más de una vez tuve que cambiarle las ropas en ausencia de Eufrasia.

Era muy hermosa, los grandes ojos claros me mostraban alegría y un algo defensivo y desafiante y el cuidado de un secreto como todas las muchachas. Apenas era por encima de todo una niña puesta en el mundo para añadir dicha a los pesares humanos. Sin tener conciencia de su misión, le bastaba con ser y estar. […]

92 Para Rama (2009a), o próprio desejo dos personagens onettianos é de caráter adolescente, eles se recusariam ao crescimento e à entrada no mundo adulto, o lugar da podridão, mas também da norma. Talvez por isso se dê a frustação de Carr ao se deparar com a sexualidade ativa de Elvirita, não mais virgem: “Agora podia gozar tranquila outras seis vezes. Aquela puta.”(cf. ONETTI, 2009a)86. Elas podem ser contempladas, mas não tocadas, representam o interdito, distinguindo-se este aspecto de Lolita, de Nabokov, na medida em que Humbert realiza com Dolores o que não pôde com Anabel. Existe pela muchacha uma espécie de compadecimento, como se pode ver na ocasião em que Carr retorna do exílio na “ilha de Latorre”, e será saudado com um churrasco com alguns homens e uma jovem prostituta. A mocinha, ainda adolescente, lhe desperta piedade; ela não poderia ser tocada, era “impossível desejá-la”:

[...]em uma cama estreita estava uma menor de idade envolvida em um camisão de bordas acinzentadas. Disse boa noite, tateando.

—Buenas para você — me respondeu com uma voz que era muitos anos mais velha que ela. Avancei um passo com um sorriso e a olhei nos olhos negros, imóveis, na cara magra onde pressionavam os pômulos. E logo a reconheci. A havia visto tantas vezes e em tantos lugares distintos, sempre a mesma, e imaginada sem esforço, em qualquer lugar do mundo. Era ela, inconfundível, ainda que variassem os estilos de pobreza de suas roupas. Ali estava, velha amiga, velha lástima. Estava e continua estando, idêntica, sem amadurecer, sempre renovada. Ela. Às vezes adianta uma mão, que oferece lenços de papel ou aspirinas, camisinhas, caramelos, balas. Imortal e eclética. Se a jornada terminou tão miserável como sua própria vida e pressente os perigos de um regresso à cova sem o fugaz escudo de algum dinheiro, também pode oferecer à venda o que propõe o sorriso turvo que jamais é acompanhado pela permanência do total desencanto, já fixo para sempre nos grandes olhos imóveis. Às vezes desesperados, os gemidos só podem oferecer a nua esmola de suas mãos sujas, rogando moedas, os olhos engrandecidos pela magreza das caras, os olhos onde alternam a fome e o ódio. Pus uma mão sem peso sobre a sua cabeça e ela corcoveou, rejeitando.

—Deixa de conversa que eu bem sei pra que vocês vêm. Melhor andar logo, porque fico sem churrasco.

E então cometi meu erro e lhe fiz a pior ofensa que pode fazer um homem a uma mulher, seja essa de todo puta ou não. O reencontro acabou em fracasso. Impossível desejá-la; a havia visto tantas vezes, tantas vezes em qualquer lugar,

Entramos en la casona. Yo detrás de ella, amando su culito inmaduro, rabiosamente apretado por el pantalón.”

86 Episódio que gira em torno da descoberta dos preservativos por Eufrasia dentro da carteira de Elvirita, em que as duas rompem após se ofenderem.

93 havia querido, em vão, ampará-la. Era a piedade, a fodida piedade. (ONETTI, 2009, p.423)87.

A imagem da jovem, de certa forma se assemelha ao aspecto fantasmático de Ana María, na medida em que se apresenta a Carr como uma repetição de histórias, “velha amiga, velha lástima”. Sua impossibilidade de consumar o ato sexual com a adolescente é talvez também uma replicação da impossibilidade da relação com Ana María. A jovem prostituta, que tem seu orgulho e quer trabalhar pelo dinheiro ganho, é mostrada em estado de degradação, pela magreza, pela fome, pela imagem da roupa velha, que não cobre o sêmen que escorre pelas pernas. Ela é diferente das prostitutas do Chamamé que, em geral, causam asco ao narrador; ela lhe dá pena88.

Para além de mostrar a variedade de prostitutas com quem Carr se relaciona,

No documento R EESCRITAS DAN AÇÃO (páginas 86-99)