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Lourenço Filho e a nova prática de intervenção nas escolas

3 A MEDIDA NA ESCOLA SOB MEDIDA

M. C (org.) História Social da Infância no Brasil 8 Ed São Paulo: Cortez, 2011, p 289.

3.2 A TRAJETÓRIA DE LOURENÇO FILHO NO BRASIL

3.2.1 Lourenço Filho e a nova prática de intervenção nas escolas

Uma das obras mais divulgadas no Brasil, marcadas no âmbito da pedagogia científica, são os Testes ABC para verificação da maturidade da leitura e

da escrita de Lourenço Filho53. Além deste livro, o educador também publica na ―Biblioteca de Educação‖ Introdução ao estudo da Escola Nova, que também obteve

tiragens elevadas54. Ambas tiveram destaque nacional e internacional e ―revestiram-

se da condição de ato fundador, ora da cientificidade de uma prática de aferição, ora do ―lugar‖ da psicologia diante da pedagogia‖ (LOURENÇO FILHO, 1929 e 1934 apud FREITAS, 2005, p. 84).

Antes disso, o educador também traduziu várias obras que não poderiam deixar de serem mencionadas. Cite-se como exemplo Psicologia Experimental de

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De trajetória exitosa, o manual de iniciação Testes ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita alcançou doze edições, entre 1933 e 1974, totalizando 62 mil exemplares, tendo sido traduzido para o espanhol, sob títulos diversos — Tests ABC para primer grado (Buenos Aires: Kapelusz) e Tests ABC de verificación de la madurez necesaria para el aprendizaje de la lectura y escritura (Buenos Aires: Kapelusz), e para o inglês: The ABC Test, a method of verifying the maturity necessary for the learning of reading and writing, résumé of the book Testes ABC (Philadelphia: Temple University). Na Europa, os testes ABC foram divulgados por Radecka (1932) e por Piéron (1931), respectivamente com Les Tests ABC, pour la verification d’une maturité nécessaire à l’aprentissage de la lecture et l’écriture e Un essai d’organisation de classes selectives par l’emploi des Tests ABC (1931) (MONARCHA, 2008, p. 15).

54 Esta obra também publicada na Espanha e na Argentina. Teve ―recepção elogiosa de avatares como Aguayo, Claparède, Ferrière, Piéron, Walther, António Sérgio (MONARCHA, 2009a, p. 162).

Henri Piéron (1926), A escola e a psicologia experimental de Édouard Claparède (1926), Educação e sociologia de Émile Durkheim (1928) e Testes para a medida do

desenvolvimento da inteligência de Alfred Binet e Theodore Simon (1928).

A partir de uma observação mais acurada sobre o Teste Binet-Simon, pode- se afirmar que o mesmo teve apropriações de Lourenço Filho. Isso pode ser observado tanto na estrutura de composição dos testes, quanto por alguns conceitos presentes na obra. Considere-se a seguinte citação:

A proposta de Binet era oferecer um instrumento útil à pedagogia e aos pedagogos, por meio de ―métodos exatos‖ de aferição da inteligência, permitindo estabelecer uma hierarquia entre os diversos tipos de inteligências, dos estados superiores aos estados inferiores e, com isto, construir uma classificação da inteligência infantil (SOUSA, 2004, p. 33).

A proposta de Lourenço Filho caminha na mesma direção no sentido que os Testes ABC se constituíam em um instrumento simples e de fácil aplicação, permitindo captar o nível de maturidade das crianças a serem alfabetizadas nas várias escolas do Brasil. Mesmo publicada pela primeira vez no início da década de 1930, a obra também obteve ampla utilização em outros países até a década de 197055.

O estudo de Oliveira (2012, p. 612) compreende que

a concepção de criança e desenvolvimento infantil presente nas obras escritas pelos psicólogos funcionalistas franco-genebrinos e por Lourenço Filho apontam para o pressuposto de que a biologia e a psicologia garantem um conhecimento sobre a criança e a infância, sendo que o educador deve apropriar-se deste conhecimento para fazer valer os princípios ascendidos com o movimento da Escola Nova.

Deve-se observar que nesse período de inovações, almejava-se uma melhor caracterização da infância ao se estabelecerem os estágios de maturação e de identificação das diferenças individuais, com a incorporação de conhecimentos originários da psicologia de base biológica e fisiológica e da estatística (MONARCHA, 2009a). Essa acentuada apropriação pelas tendências cientificistas nas escolas implicava, necessariamente, em revisar as técnicas de ensino vigentes,

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Entretanto, existem estudos que indicam que alguns exercícios dos Testes ABC ainda são aplicados por psicopedagogos que estudam a deficiência da aprendizagem causada por Anoxia Perinatal, patologia representada por qualquer tipo de alteração cerebral como, por exemplo, falta de oxigênio no cérebro. Essas informações encontram-se disponíveis no site: http://www.riototal.com.br/saude/saude003.htm. Acesso em 18 de dezembro de 2013.

pois tudo girava ao redor do caráter específico do aluno, seja ele do tipo normal,

anormal ou ―degenerado”, como apontado por Thompson.

Embora houvesse procedimentos duvidosos como os de Burt, Goddard e outros que apresentavam interesses pessoais ou políticos, pode-se afirmar que a ciência experimental desempenhou um papel importante ao fazer florescer estudos referentes aos processos do aprender da criança e por passar a cogitar sobre as ―diferenças individuais‖ existentes na infância e no adulto (LOURENÇO FILHO, 1978).

Um exemplo significativo das práticas de experimentação pode ser evidenciado pelo Gabinete de Psicologia e Antropologia Pedagógica anexo a Escola Normal Secundária de São Paulo, sob a direção de Oscar Thompson. Desde 1914, recebia o impulso das ações propostas no âmbito nacional pelo diretor,

principalmente quando convidou Ugo Pizzoli para implantar um ―modelo‖ de fazer

pedagogia experimental em São Paulo (CARVALHO, 2011; FREITAS, 2005, p. 77). A confluência entre o cientificismo que acompanhou a instalação de instituições republicanas no Brasil, especialmente as escolares e de saúde, e o destaque que os temas raça, higiene e militarismo recebiam nas mais diversas frentes intelectuais de análise da sociedade, tornava quase natural a impressão de que, no âmbito da educação da criança, a aferição estatística era uma necessidade metodológica e que, como corolário, a psicologia experimental deveria ser o desaguadouro previsível de uma ciência para sua educação e conhecimento (FREITAS, 2005, p. 78).

Nesse aspecto, a afirmação de Thompson, de que o futuro da pedagogia

deveria ser científico, representava uma direção que a sociedade deveria tomar

como um todo. A ciência, portanto, era um instrumento capaz de oferecer esse caminho, para distanciar-se do próprio passado. ―Quanto ao futuro, seria necessário engendrar um tipo de modernização de cunho urbano-industrial [...] pautado em uma nova disciplina social, remodeladora e, em todos os aspectos, saudável‖ (Ibidem, p. 79). De um modo geral, o elemento-chave para iniciar esse processo era a criança.