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CAPÍTULO 2. “O abominável homem das Neves”

2.5. O LP Som quente é o das Neves (1969)

Seu segundo trabalho autoral junto à seu conjunto foi denominado Som quente

é o das Neves, lançado em 1969 pela Polydor. Em texto escrito na contra-capa do

LP, Ronaldo Bôscoli faz uma resenha da trajetória do baterista e fala sobre aspectos gerais do trabalho.

Uma das vantagens da bossa nova foia valorização do músico brasileiro. Não me lembro, antes dela, apresentações de músicos com smoking, foco em cima e outros babados...Quem – sem ser do meio – sabia de pistonistas, bateristas e outros “istas” brasileiros? Pois é.

Nós, produtores de shows estritamente musicais, sempre esbarrávamos com o problema do baterista. E caíamos sempre naquela: o cara que toca por leitura é “devagar”, o cara que toca de ouvido é, quase sempre, precário. Parecia que os caras combinavam: “eu tenho môlho vou de bossa” , “você que é meio parando vai de leitura”. Aí apareceu – por que tão tarde? - o cara que fazia os dois, “swingava” e lia paca. Mais do que óbvio transformou-se no maior da terra pátria.

[…] Quanto ao disco só mesmo ouvindo. Dizer dêle muito seria o mesmo que explicar para um cego como é a cor azul. O disco de Wilson é tão quente que dá pra “ver” o cara tocando.

Não é um disco de solos – não se esqueçam da humildade de Wilson nem é um disco simplesmente de ritmo.Wilson (e seu meio de ligação) bolou coisas novas para que você possa ouvir e dançar. Quem está por dentro ganha dobrado. Dança e ouve. Esta a intenção do pai de Alexandre. Wilson abordou tôda sua técnica.não em função de um show especial e sim com a mais pura intenção de um recado de alto gabarito, apesar de “ao alcance de todos”.

Abraço ao sempre pra cima Erlon Chaves. Êle “armou um som” que não é normal!

Com essa moçada, inventou arranjos que até Deus duvida. E puxando a “usina” essa tremanda locomotiva que atende por das Neves. Sangue baiano e alma de passarinho.

Na faixa “California Soul”, foi a Regininha que derreteu o “Das Neves”.

Mais uma vez o caráter profissional de Wilson das Neves chama atenção dos colegas. Bôscoli separa basicamente dois tipos de performers na música. O primeiro que domina a prática da leitura musical, mas carece de elementos musicais-interpretativos por ficar “preso” à partitura e o segundo que “vai de ouvido”, mas com certa dificuldade em comunicação dos elementos musicais que, na visão do músico, seria “precário”. O sucesso de Wilson fazia pela sua

proficiência em contemplar as duas áreas. Oscar Bolão fala da proficiência de Wilson em dominar essas duas categorias de profissionais no campo da música.

Ele não saia do estúdio e gravava qualquer gênero de música muito bem. Ele tinha uma frase: “eu não posso perder esse emprego”. Então, “é isso que você quer é isso que eu faço.148

É possível afirmar que o sucesso do músico foi ter não apenas habilidade técnico-musical, mas também suas estratégias sociais de ordem pessoal, que refletem na sua consagração no meio musical. Sua trajetória profissional que passa por bailes, orquestras, estúdios, televisão, shows, é a chave para o desenvolvimento estilístico do músico. O músico se adaptou a condições de trabalho e criação formadas em consonância com o desenvolvimento técnico de produção e à configuração do mercado fonográfico, atendendo a demandas por diferentes gêneros e estilos da música popular.

Quando do lançamento dos LP's Som quente é o das Neves e Milton Banana

Trio o crítico musical Tárik de Souza escreveu para coluna "Discos", da Revista Veja:

Limitados pela estreita fórmula “comercial dançante”, dois bateristas procuram o sucesso em campos diferentes. Milton Banana, há mais de dois anos uma espécie de repetidor dos êxitos da bossa-nova, continua fiel ao esquema piano, baixo e bateria: solos tímidos e rápidas passagens dos outros instrumentos. Wilson das Neves, baterista de Elis Regina, prefere a indefinição entre o merengue e o chá-chá-chá, que também lhe dá pouca liberdade.149

Fornecendo pistas das referencias musicais que parecem estar presentes no disco, sua crítica é destinada à limitação dos trabalhos de dois bateristas que optaram pela “fórmula comercial dançante”. Independente do conteúdo que se mostra no disco, a busca pelo “sucesso” seria responsável por comprometer o valor artístico do produto. Partindo em outra direção, pensamos que são essas

148 Em entrevista concedida ao autor deste trabalho em 29 de outubro de 2017. 149 SOUZA, Tárik. Publicado na Revista Veja, em 29 de outubro de 1969.

articulações entre diferentes estilos que formaram uma sonoridade peculiar. Diferente de Milton Banana, que parecia não caminhar em “campos diferentes”, Wilson das Neves condensava em seu trabalho tudo aquilo que se fazia no tempo presente. Não parecia se incomodar em trabalhar com vários estilos. Mesmo sendo o mercado responsável em definir o “sucesso”, o baterista produzia sua sonoridade. Outra crítica sobre o disco aparece no texto do jornalista Eduardo Guimarães, na coluna “Geléia Geral", do jornal Diário de Notícias.

Wilson das Neves, o batera

Som quente é o das Neves é o nome do Lp idealizado por Roberto Menescal para o baterista de seu conjunto Wilson das Neves, que aparece como o principal figura do disco, criando ritmos e executando o rebolado de tôdas as faixas. O sonho de Wilson, desde pequeno, é a bateria, tendo iniciado sua carreira em clubes, passando, posteriormente, pelos rádios, televisões até atingir o Teatro Municipal. Desde 1967 Wilson vem acompanhando Ellis Regina em seus shows (Sucata e Teatro da Praia) e, também, em suas excursões pelas bandas de lá. Segundo Ronaldo Bôscoli, êle é o maior baterista do Brasil, no momento. O disco contém “Se você Pensa”, de Roberto e Erasmo; “Irene” do gênio Caetano Veloso; “Zazueira” de Jorge Ben; e “California Soul” e “Fly Me To” de não sei quem. Os arranjos são de Erlon Chaves e o disco é da Companhia Brasileira de Discos.150

Nesse momento, Wilson já era um baterista consagrado. É nesse ano inclusive que ele grava juntamente aos tropicalistas o álbum branco de Caetano Veloso (Philips, 1969) e o disco homônimo Gilberto Gil (Philips, 1969). Gravou e excursionou pela Europa junto à cantora Elis Regina e gravou também o primeiro disco solo da carreira do compositor Egberto Gismonti. Pode-se dizer que diante desse ecletismo musical que marcou os anos 60, o baterista produziu sua sonoridade na bateria. Por ser tão requisitado por diferentes artistas, o músico praticou um “jeito” particular de interpretação. Vejamos de que modo o baterista articula e combina diferentes estilos na bateria em seu segundo LP.

O disco foi lançado em 1969, pela Polydor, e conta com os arranjos de Erlon Chaves e direção de produção por Roberto Menescal. O layout da capa aparece em nome de Lincoln e as fotos do disco por Johnny Salles. O trabalho apresenta

doze fonogramas dividido em dois lados, contendo músicas de diferentes compositores151. A instrumentação e os arranjos são simples e estão muito alinhados à Juventude 2000, contando com piano, órgão, bateria, percussão, guitarra e naipe de sopros.

Figura 4. Capa do LP Som quente é o das Neves, lançado pela Polydor em 1969.

A coluna “Rádio-Tevê & Discos”, escrita por Oziel Peçanha no jornal Correio

da Manhã, publicava: “ O Som quente é o das Neves tem em cada faixa um ritmo

diferente criado por Wilson das Neves para se ouvir e dançar”152. No periódico O

Jornal, alguns dias depois, Titto Santos escreveu já no título: “Wilson das Neves

botando pra derreter”. E continua: “Wilson das Neves arrasando a batera em mil jogadas rítmicas diferentes.”153

À parte das classificações do som “quente” do músico, o que nos importa é identificar quais são “as jogadas rítmicas” presentes no LP. A primeira e segunda música é “Se Você Pensa” de Roberto Carlos e Erasmo Carlos e “Sambaloo”, são fiéIs ao estilo iê-iê-iê. Assim como nos discos dos tropicalistas, Wilson mostra sua versatilidade rítmica também em seus trabalhos. Não ficou reconhecido como um baterista de rock, porém assimilou o estilo.

“Irene” de Caetano Veloso é a terceira música. Muito semelhante em arranjo e instrumentação quando da gravação do disco do compositor baiano, Wilson executa praticamente a mesma condução durante a música. “California Soul” é a quarta faixa e a única canção do disco. É também a única música em que sabemos quem gravou a voz, que Bôscoli escreveu na contra-capa, em nome de Regininha, já que o disco não apresenta ficha técnica dos músicos. Uma canção soul norte- americana de Nick Ashford e Valerie Simpson em que o baterista já demonstra alguma ligação com a black music e suas intenções com o funk norte-americano.

Até aqui não percebemos muitas combinações e “jogadas rítmicas” a mil, como anunciavam os jornais. Parece que o baterista permanece em um mesmo estilo, escolhendo o rock como base de seus ritmos e tendo na percussão linhas muito parecidas entre os apoios do rock com mambo, ou meregue e chá-chá-chá, como percebeu Tárik de Souza. Nesse sentido, Wilson vai mostrando também quais eram as tendências musicais que circulavam naquele momento. “California Soul” já anunciava o movimento da black music e seu ritmo funk que terá sua força no mercado fonográfico na década de 70. Ao contrário de outros artistas, que preferiam

152 Jornal Correio da Manhã, sexta-feira, 17 de outubro de 1969. 153 O Jornal, 24 de outubro de 1969.

se manter “fiéis” a um determinado campo musical, o baterista vai assimilando diferentes gêneros musicais.

“Wilsamba” e “Jornada” são, respectivamente, a quinta e a sexta música do disco e são composições de Roberto Menescal. “Wilsamba” é uma homenagem a Wilson das Neves. O compositor conta que, durante turnê em que acompanhavam juntos Elis Regina na Europa, tinha curiosade sobre a bateria de Wilson e que gostaria de saber mais sobre “as viradas” e o seu “andamento”. Aproveitando o encontro entre Toot Tielemans e Elis Regina, que gravaram naquele mesmo ano um disco na Suécia, Menescal apresentou sua composição feita para Wilson154 e que entrou no repertório do LP dos artistas. Combinando rock com samba, o baterista utiliza os mesmos procedimentos técnicos apresentando em Juventude

2000, explorando bastante as aberturas de chimbau das segundas semicolcheias.

Vejamos como executa logo nos primeiros compassos da música.

Exemplo 22. Introdução em “Wilsamba”.

Mesmo tocando algo próximo ao rock, Wilson faz muitas aberturas no chimbau e, ao invés de percutir a caixa, opta pelos aros. Algo muito semelhante acontece na faixa seguinte. “Jornada” é uma balada lenta que num primeiro momento lembra o clima da bossa-nova. Contudo, Wilson cria uma linha rítmica apoiado no rock. Mais uma vez, opta pelos aros e dessa vez faz acentuações constantes sempre na primeira nota do chimbau do segundo tempo.

Exemplo 23. Linha rítmica da bateria em “Jornada”.

Praticamente, não faz nenhuma variação sobre o ritmo, o que demonstra sua simplicidade em não exceder ao virtuosismo. O estúdio pode ter influência sobre seu comportamento. Para Jorge Helder, a gravação é

Um registro que fica para o resto da vida. Então, quanto mais se grava, mais exigente o músico vai se tornando, por que ele vai deixando ali sua assinatura. Como Wilson das Neves gravava muito, o dia inteiro, isso foi aprimorando cada vez mais esse sentimento de querer fazer o mais perfeito possível, com muita precisão.155

“Zazueira” de Jorge Ben é a primeira faixa do lado B. Com presença marcante

da percussão (congas e cowbell, pandeiro, guiro), a música flerta entre samba, rock, e música latina (um merengue ou cha-cha-cha, como descreveu Tárik de Souza). Logo após solo de piano, percebemos melhor os instrumentos da sessão rítmica.

Exemplo 24. Dois compassos da sessão rítmica após solo de piano.

A ênfase à abertura do chimbau na segunda semicolcheia é marca da bateria de Wilson. Essa instrumentação rítmica permeia o conteúdo sonoro do LP. Essa faixa aliás, talvez seja a mais expressiva dessa síntese entre os estilos.

As quatro músicas seguintes, “Tio Macrô” de Salvador, “The Love Is” de Erlon Chaves e Tibério Gaspar, “Fly Me To The Moon” de B. Howard e “Bólido 74” de João Carlos Pegorero são também amostras do rock combinadas com percussão latina. A última música é uma versão de uma das marcas da Soul Music, “Soulful Strut” de Eugene Record e Sonny Sanders.

Sua preferência em trabalhar com o naipe de percussão é constante na carreira de Wilson das Neves. Sua sonoridade é também constituída pela interação com a percussão. Não parece ser um baterista que atue ou pense exclusivamente na bateria. Por ter apreendido primeiramente instrumentos de percussão (berimbau, atabaques, xequerês) nos rituais de cadomblé, pode ser que seu processo de composição (mesmo que intuitivo) se justifique por sua passagem pela percussão inicialmente. Não busca grandes solos ou “viradas”, mas sim, uma bateria

econômica, precisa, e que atende ao mais diverso estilo. A sonoridade híbrida do disco é uma amostra de suas traduções no instrumento.

CAPÍTULO 3. “O homem das mil e uma gravações”

3. 1. Racionalização dos meios e a indústria fonográfica na

década de 1970

O regime militar que passou a vigorar a partir de abril de 1964, impulsionou o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural no país (Cf. ORTIZ, 1994). A relação que se estabelece entre os militares e os grupos empresariais, sintonizados à idéia de integração nacional, possibilitou toda base necessária para consolidação de uma indústria cultural no país ao mesmo tempo em que reprimiu e censurou as atividades culturais e a produção intelectual. Conscientes da importância do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural como forma de controle ideológico e integração nacional, os militares realizaram investimentos em diversos setores, provocando uma transformação na área das comunicações e propondo a unificação política das consciências.156 Como já destacamos, especialmente na passagem da década de 1960 para década de 1970 que se verifica um rápido crescimento em nível de produção, distribuição e consumo de bens simbólicos culturais no país. É nesse momento em que surgem grandes conglomerados que controlam os meios de comunicação de massa. Em 1965 é criada a EMBRATEL e a associação do Brasil ao sistema internacional de satélites (INTELSAT), iniciando um processo de modernização das telecomunicações. Dois anos depois, é criado Ministério de Comunicações e, em 1968, é inaugurado o sistema de micro-ondas, que permitiu a interligação das várias regiões do território brasileiro (com exceção à Amazônia que só foi completada em 1970)157.

Contando com um quadro político e econômico favorável para seu desenvolvimento, a indústria da cultura saía de uma fase de incipiência e certo amadorismo para um momento de racionalização dos mecanismos de atuação no mercado e aprimoramento do controle e dos processos técnicos. Observa-se, na

156 Cf. ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. 5ª reimpressão da 5ª edição de 1994. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006. p. 118.

década de 1970, um grande crescimento da indústria fonográfica. O pesquisador Eduardo Vicente apresenta dados estatísticos retirados da ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco) que são espantosos. Entre o período de 1966 a 1979 a taxa de crescimento da produção fonográfica (incluindo compactos simples, duplos, LP's e K7) saltou de 8,9 para 64,2 milhões de unidades vendidas158. Considerando que o desenvolvimento do mercado fonográfico está diretamente relacionado à produção de aparelhos de reprodução sonora dos discos e fitas, é importante também observarmos que a venda dos toca-discos, entre o período de 1967 e 1980, cresceu 813%, justificando o aumento do faturamento das empresas fonográficas em 1375%, entre 1970 e 1976159.

É dentro desse contexto de forte crescimento da indústria fonográfica brasileira no período de consolidação da indústria de bens culturais, que ocorre a instalação das grandes gravadoras transnacionais no Brasil. Segundo Eduardo Vicente, o surgimento dessas grandes gravadoras, denominadas também por majors, iniciaram ou ampliaram suas atividades no país durante esse período160. Em paralelo à chegada dessas novas empresas, Vicente atenta-nos às conquistas das empresas fonográficas em defesas de seus direitos perante os artistas e o governo. A Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) – fundada em 1958 – teve papel decisivo no período, obtendo importantes concessões para as empresas fonográficas, como um inventivo fiscal por meio de restituição do ICM, em 1967, e a retirada da lei dos direitos autorais em 1973 do artigo.161

É nesse momento que ocorrem mudanças estruturais nas grandes empresas de discos e nos modos de produção, como a divisão do trabalho por setores, uma

158 VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90.

2001. 349p. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001. p. 53.

159 ORTIZ, Renato. op.cit. 1994. p.127.

160 Pode-se citar a Phillips-Phonogram que instalou-se em 1960 com a aquisição da Companhia

Brasileira de Discos (CBD); a CBS, instalada em 1953, que consolida-se a partir de 1963 com o sucesso da Jovem Guarda; A EMI, com a compra em 1969 da Odeon (esta se destaca pelo pioneirismo no mercado nacional desde 1913 no Brasil); A WEA, vinculada ao grupo WARNER, é fundada em 1976; A Ariola, subsidiária da empresa alemã Bertellsman, em 1979; E ainda, a RCA VICTOR, atuante no país desde 1925 e que seria mais tarde incorporada à BMG, compunham o quadro das principais empresas fonográficas do mercado brasileiro. Ver VICENTE, 2001, p.53.

maior especialização das funções, o aprimoramento técnico dos equipamentos dos estúdios e a consolidação do departamento de marketing. Segundo a pesquisadora Marcia Tosta Dias:

Nesse contexto, a busca de novos aparatos e equipamentos tais como os gravadores, sistemas de gravação em multi-canais, bem como as atuais tecnologias digitais de produção musical, marcam diferentes momentos e configurações para o conjunto da indústria, ao longo dos tempos.162

Ao mesmo tempo em que ocorre o fortalecimento da indústria da cultural no país, verifica-se uma considerável racionalização no processo de produção e de novas formas de gerenciamento empresarial. Como indícios dessa racionalização das estratégias de atuação no setor fonográfico brasileiro, podemos citar o aprofundamento da segmentação do mercado de discos, a relação integrada e complementar entre os outros setores da comunicação, como o editorial, o publicitário, o televisivo bem como a consolidação dos departamentos de marketing nas gravadoras.163

Renato Ortiz chama atenção para o papel que a publicidade passa a exercer nesse momento. Para o autor, não seria possível conceber o advento de uma indústria cultural sem considerarmos o avanço da publicidade pois, “é através dela que todo complexo de comunicação se mantém” (Cf. ORTIZ). Ortiz apresenta uma tabela mostrando a evolução dos investimentos (em milhões de cruzeiros) em propaganda entre o período de 1964 e 1976. Os números surpreendem especialmente a partir de 1968, atingindo “níveis até então desconhecidos” (ver ORTIZ, 1994: 131). Como desdobramento deste expressivo crescimento, surgem diversas agências de publicidade no mercado e o reconhecimento da profissão de publicitário com a criação de diversos cursos superiores. Visando maior critério “científico” na análise de dados sobre diversos perfis do mercado consumidor, que nesse momento demandaria por serviços especializados, resulta-se na multiplicação de institutos de pesquisa mercadológicas, como por exemplo: IVC

162 DIAS, T. Marcia. op.cit. 2008, p. 71. 163 DIAS, T. Marcia. op.ct. 2008. p.79-82.

(1961), Mavibel (1964), Ipsem (1965), Gallup (1967), Demanda (1967), Simonsen (1967), Ipape (1968), Audi-TV (1968), Sercin (1968), Nielsen (1969), LPM (1969)164. Diante desse quadro, é interessante observar o uso que a indústria fonográfica faz sobre o conhecimento publicitário. É ilustrativo, como exemplo, a distinção entre os artistas de catálogo e artistas de marketing. Este último é concebido como um determinado produto promocional com um custo relativamente baixo, visando o sucesso imediato com venda de discos (ainda que efêmeros). Os artistas de catálogo são mantidos por algumas gravadoras como artistas estáveis, "de modo a transformá-los em artistas conhecidos e atuantes no conjunto do show business (DIAS, 2008: 61), capazes de produzir discos com vendas garantidas, mesmo que em menor escala. Desta forma, as gravadoras visavam conquistar maior segurança financeira e lucratividade de ter um quadro de artistas que vendessem com regularidade, evitando riscos de atuarem no mercado de sucessos, o qual necessitava ser constantemente alimentado e, em certos casos, não traziam retorno esperado (Cf. DIAS, 2008).

Em relação à expansão da indústria fonográfica na década de 1970, a pesquisadora Marcia Tosta Dias identifica quatro fatores que justificam tal crescimento. Em primeiro lugar, verifica-se a consolidação da produção de música popular e, como consequência, a segmentação no mercado musical. A instituição MPB elegeu casts estáveis entre a segunda metade dos anos 60 e início dos 70, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Elis Regina, representando uma fonte lucrativa e estável de produção musical. Concomitantemente têm-se a consolidação de outro segmento altamente lucrativo

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