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A trajetória musical do baterista Wilson das Neves : The musical journey of the drummer Wilson das Neves

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

LUIZ GUILHERME SANITÁ

A TRAJETÓRIA MUSICAL DO BATERISTA WILSON DAS NEVES

THE MUSICAL JOURNEY OF THE DRUMMER WILSON DAS NEVES

CAMPINAS 2018

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A TRAJETÓRIA MUSICAL DO BATERISTA WILSON DAS NEVES

THE MUSICAL JOURNEY OF THE DRUMMER WILSON DAS NEVES

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música, na área de concentração Música: Teoria, Criação e Prática.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Masters in Music, in the area of Music: Theory, Creation and Practice.

ORIENTADOR: JOSÉ ROBERTO ZAN COORIENTADOR: LEANDRO BARSALINI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO LUIZ GUILHERME SANITÁ, E ORIENTADO PELO PROF. DR. JOSÉ ROBERTO ZAN.

CAMPINAS 2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Sanitá, Luiz Guilherme,

Sa58t SanA trajetória musical do baterista Wilson das Neves / Luiz Guilherme Sanitá. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

SanOrientador: José Roberto Zan. SanCoorientador: Leandro Barsalini.

SanDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

San1. Neves, Wilson das, 1936-2017. 2. Bateria (Música). 3. Música popular brasileira - História. I. Zan, José Roberto, 1948-. II. Barsalini, Leandro, 1975-. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The musical journey of the drummer Wilson das Neves Palavras-chave em inglês:

Neves, Wilson das, 1936-2017 Drum

Brazilian popular music - History

Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática Titulação: Mestre em Música

Banca examinadora:

José Roberto Zan [Orientador] Antonio Rafael Carvalho dos Santos Daniel Marcondes Gohn

Data de defesa: 29-08-2018

Programa de Pós-Graduação: Música

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LUIZ GUILHERME SANITÁ

ORIENTADOR: JOSÉ ROBERTO ZAN CO-ORIENTADOR: LEANDRO BARSALINI

MEMBROS:

1. PROF. DR. JOSÉ ROBERTO ZAN

2. PROF. DR. ANTONIO RAFAEL CARVALHO DOS SANTOS 3. PROF. DR. DANIEL MARCONDES GOHN

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 29.08.2018

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Aos meus pais Luiz Carlos e Ana Paula e minha irmã Maria Luiza por todo amor, carinho e força. Este trabalho é reflexo de nossa cumplicidade.

À minha companheira Carolina Leão por me encorajar ao universo acadêmico. Sem você, talvez, teria seguido outra trilha. Te agradeço imensamente pela paciência, amor e união. Pelas inúmeras vezes que me “socorreu” nos momentos decisivos da pesquisa. Difícil pensar na realização deste trabalho sem você. Jamais esquecerei.

Aos meus orientadores Prof. Dr. José Roberto Zan e Prof. Dr. Leandro Barsalini pela generosidade, amizade e orientação cuidadosa e constante. Sempre presentes e atentos, o modo como conduziram este trabalho foi exemplar. Muito obrigado.

Aos professores Cacá Machado e Jorge Schroeder, meus sinceros agradecimentos pela participação na banca do exame de qualificação. Todas as críticas, correções e sugestões levantadas foram pertinentes e afetaram o desenvolvimento deste texto.

Ao professor Daniel Gohn pela disponibilidade, atenção e sugestões durante a banca de defesa. Sua leitura atenta propiciou um interessante debate e certamente engrandeceu este texto. Muito obrigado ao professor Rafael dos Santos pelas sugestões, apontamentos em várias fases do desenvolvimento deste trabalho, além de sua contribuição na defesa.

Aos músicos Oscar Bolão, Jorge Helder, Chico Batera e André Tandeta pela prontidão e gentileza em me receber e compartilhar histórias incríveis sobre Wilson das Neves. Ô Sorte!

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produção e linguagem” pelos debates, leituras e audições. Este grupo foi grande referência. Obrigado Zan, Rafael, Kjetil, João, Sheila, Marcelo, Luiz, entre outrxs.

Aos funcionárixs do Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNICAMP pela disponibilidade e ajuda nas etapas institucionais.

Obrigado à CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior, pelo apoio financeiro fundamental para a realização deste trabalho.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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A presente dissertação tem por finalidade investigar a atuação do músico Wilson das Neves, destacando sua performance como baterista. A partir da escuta de uma seleção de fonogramas, da revisão da historiografia e de documentos sobre música popular produzidos entre os anos de 1950 até meados da década de 1970, o estudo objetivou a criação, participação e produção do baterista num contexto específico da música popular marcado por profundas transformações. Diante da grande diversidade musical que marcou, especialmente os anos 60, o músico transitou por diferentes gêneros e estilos e se consagrou como um dos bateristas mais requisitados por artistas e estúdios de gravação. Com este estudo foi possível compreender de que modo Wilson das Neves aprimorou sua técnica no instrumento e produziu uma sonoridade característica na bateria, deixando seu legado na história da música popular brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Wilson das Neves; Bateria; História da Música Popular Brasileira.

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This dissertation seeks to investigate the performance of the musician Wilson das Neves, highlighting his performance as a drummer. Through an analysis of a selection of phonograms, a historiographical review and a study of documents on popular music produced between the 1950s and the mid-1970s, this dissertation explores Neves’ compositions, collaborations and productions developed during a particular historical context in popular music marked by profound transformations. In a period of great musical diversity such as the 1960's, the musician was able to transition through different genres and styles and became one of the most requested drummers by artists and recording studios. This research sheds light on Wilson das Neves’ technical improvements and explains the major role this process played in the development of his unique and characteristic sonority on the drums, viewed today as an important legacy in the history of brazilian popular music.

KEYWORDS: Wilson das Neves; Drumset; History of Brazilian Popular Music.

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Exemplo 1 Padrão rítmico executado nos compassos 32 ao 39...51

Exemplo 2 Linha guia executada pelo agogô...52

Exemplo 3 Padrão rítmico de caixa do tema em “Coisas n.5”...53

Exemplo 4 Transcrição da linha rítmica do agogô e bateria nos oito primeiros compassos da introdução em "Zulu's"...58

Exemplo 5 Padrão rítmico da bateria em “Adriana...62

Exemplo 6 Oito compassos da parte B de “Saudade da Bahia” (1:05s a 1:26s)...80

Exemplo 7 Oito compassos da parte B de “Edmundo”...81

Exemplo 8 Quinze compassos da bateria durante solo de piano em “O Pato”...82

Exemplo 9 Dezesseis compassos do solo de piano em “Samba de Verão”...83

Exemplo 10 Trecho musical do compasso 87 ao 102...87

Exemplo 11 Trecho musical do compasso 110 ao 118...88

Exemplo 12 Final da interação, compasso 126 e fade out...89

Exemplo 13 Doze compassos do ritmo da bateria em "Juventude 2000" ...96

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Exemplo 16 Exposição do tema (A) em “Tem Dó”...99

Exemplo 17 Ritmo de samba-cruzado em "O Amor Esta Pra Nascer"...101

Exemplo 18 Ritmo de samba-cruzado em "Tema Pra Gaguinho"...101

Exemplo 19 Seis primeiros compassos do início do solo em “O Abominável Homem das Neves"...105

Exemplo 20 Segunda parte do solo, marcado pela aceleração do andamento e mudança no timbre da caixa...106

Exemplo 21 Início da terceira parte do solo...107

Exemplo 22 Introdução em "Wilsamba”...113

Exemplo 23 Linha rítmica da bateria em “Jornada”...114

Exemplo 24 Dois compassos da sessão rítmica após solo de piano...115

Exemplo 25 Condução rítmica durante solo de órgão em “Sarro”...133

Exemplo 26 Quatro primeiros compassos de "Estou Chegando Agora”...142

Exemplo 27 Condução rítmica em "Unidunitê"...143

Exemplo 28 Primeiros compassos do tema em “Essa Môça...Tá Diferente”...146

Exemplo 29 Transcrição da demonstração de padrão rítmico executado na entrevista realizada a Bolão...149

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Figura 1 Capa do LP Os Ipanemas, lançado pela CBS em 1963...49 Figura 2 Capa do LP Elza Soares – baterista: Wilson das Neves, lançado em 1968

pela Odeon...77

Figura 3 Capa do LP Wilson das Neves e seu conjunto – Juventude 2000, lançado

em 1968 pela Parlophone...94

Figura 4 Capa do LP Som quente é o das Neves, lançado em 1969 pela

Polydor...111

Figura 5 Capa do LP Samba-Tropi: até aí morreu Neves, lançado em 1970 pela

Elenco...131

Figura 6 Capa do LP O som quente é o das Neves, lançado em 1976 pela

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Tabela 1 Organização da forma musical do arranjo em “Zulu's”...56

Tabela 2 Organização da forma musical do arranjo em "Adriana”...61

Tabela 3 Organização da forma musical do arranjo em "Essa Môça...Tá Diferente”...145

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INTRODUÇÃO …...17

CAPÍTULO 1. 1. 1. Mercado, indústria e disputas simbólicas em torno da música popular brasileira nos anos 50 …...19

1. 2. A bateria no Brasil e Wilson das Neves …...29

1. 3. O LP Os Ipanemas (1963) …...40

1.3.1. Análise de “Zulu's” ...56

1.3. 2. Análise de “Adriana” …...60

CAPÍTULO 2. “O abominável homem das Neves” 2. 1. A “instituição” MPB, o iê-iê-iê e o tropicalismo …...64

2. 2. Construindo uma sonoridade...…...70

2. 3. O LP Elza Soares – baterista: Wilson das Neves (1968) …...76

2.3.1. Análise de "Deixa Isso Pra Lá" …...85

2.4. Wilson das Neves e seu Conjunto no LP Juventude 2000 (1968) …...90

2.4.1. Análise de "O Abominável Homem das Neves"...103

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CAPÍTULO 3. “O homem das mil e uma gravações”

3. 1. Racionalização dos meios e a indústria fonográfica na década de 1970 ....117

3. 2. A música popular no pós-tropicalismo …...123

3. 3. O samba-tropi e O som quente em Wilson das Neves …...128

3. 3. 1. Análise “Essa moça...Tá Diferente” …...145

3. 3. 2. Análise “Tema Pra Elizeth” …...148

CONSIDERAÇÕES FINAIS...152

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INTRODUÇÃO

Wilson das Neves (1936 - 2017) foi baterista, cantor e compositor com expressiva atuação no campo da música popular brasileira desde a década de 1950. Com mais de 60 anos de carreira, foi um artista cuja trajetória permitiu vivenciar e compartilhar experiências múltiplas no campo musical. Foi músico de estúdio, de televisão, orquestras e rádio. Acompanhou inúmeros (as) artistas/cantores(as) em shows e gravações, sendo o baterista oficial da banda de Chico Buarque de 1982 até seu falecimento, em 2017. Transitando pelos diferentes movimentos estéticos e estilísticos da música popular, especialmente nos anos 60, o músico definiu sua sonoridade e deixou seu legado na história da bateria e da nossa música popular.

O presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo sobre a atuação do músico Wilson das Neves, importante referência da música popular do Brasil, a partir da sua performance como baterista. Assim, as análises se concentram no modo como o baterista carioca articulou e traduziu diferentes linguagens musicais, incorporando elementos de diferentes estilos musicais como o samba, o baião, o

rock, a soul music, o pop internacional, entre outros. Em síntese, procuramos

compreender suas características estilísticas na bateria.

Para compreender a trajetória artística de Wilson das Neves e perceber as diferentes fases de maturação de seu estilo na bateria, escolhemos cinco álbuns representativos de sua carreira como baterista, a saber: Os Ipanemas (1963), Elza

Soares – baterista: Wilson das Neves (1968), Juventude 2000 (1968), Som quente é o das Neves (1969), Samba-tropi:até aí morreu Neves (1970) e O som quente é o das Neves (1976). Esses foram escolhidos por constituírem amostras

significativas de sua performance na bateria.

Vale lembrar que o músico fez carreira também como cantor e compositor lançando importantes álbuns e que lhe renderam prêmios como cantor revelação. São eles: O som sagrado de Wilson das Neves (1996), Brasão de Orfeu (2004), Pra

gente fazer mais um samba (2010) e Se me chamar, ô sorte (2013). Reconhecemos

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nesta pesquisa, entendemos que tais trabalhos fogem das questões centrais relativas à sua atuação como baterista.

As apreciações e as análises se apoiaram numa perspectiva metodológica que contemplou o contexto histórico e social que envolve o objeto de estudo com ênfase nos aspectos especificamente musicais.

Para organizar a exposição dos resultados da pesquisa, dividimos este trabalho em três capítulos, buscando compreender o desenvolvimento do estilo de Wilson das Neves na bateria ao longo de três décadas. Assim, a primeira parte do primeiro capítulo, após uma breve história da chegada da bateria no Brasil e do desenvolvimento da indústria do disco, trata da fase inicial da carreira do baterista na cidade do Rio de Janeiro, mostrando os debates estéticos e ideológicos que marcaram o campo da música popular na época e dados biográficos de Wilson das Neves. Num segundo momento, é realizada uma apreciação geral do LP Os

Ipanemas (1963), visando compreender as referências estéticas e estilísticas do

grupo e como o músico articulou diferentes enunciados musicais daquele momento. O segundo capítulo aborda a fase mais intensa da produção de Wilson. Já consagrado como um baterista profissional, o músico se relacionou com praticamente todos artistas do meio musical, gravando tanto com a Jovem Guarda quanto os Tropicalistas. Realizamos, na primeira parte, uma investigação do contexto político e econômico pós AI-5, eluciando como o regime militar criou condições favoráveis para consolidação de uma indústria cultural no país. Em seguida, os LP's Elza Soares – baterista: Wilson das Neves (1968), Juventude 2000 (1968) e Som quente é o das Neves (1969) foram objeto de estudo que buscou verificar as transformações técnicas e estilísticas do músico num momento de ecletismo musical.

No terceiro e último capítulo, mostramos como o baterista reagiu às novas tecnologias advindas da indústria do disco para consolidação de seu estilo híbrido na bateria. Fizemos uma contextualização histórica da década de 1970, mostrando os debates, as produções musicais do período e como o artista se posicionou frente ao momento de retomada do samba, tornando-se uma referência neste gênero na bateria.

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CAPÍTULO 1.

1. 1. Mercado, indústria, disputas simbólicas em torno da música

popular brasileira dos anos 50

No início dos 1950, novas tecnologias entravam no campo da produção fonográfica, o que levaria à redefinição dos modos de produção e recepção da música popular. O recente desenvolvimento do formato long-playing nos Estados Unidos (1948), cujos discos chegavam ao Brasil via importação, suscitavam curiosidade aos apreciadores e à crítica musical da época. O rádio, ainda principal meio de comunicação, encontrava-se em vias de segmentação de sua programação, especialmente em função seus programas de auditório, dividindo-se entre uma produção denominada “comercial” ou “massiva” (voltada para o grande público) e outra “sofisticada” (destinada à classe média), segundo alguns críticos. O surgimento de pequenas boates com pequenos conjuntos na zona sul carioca modificava o padrão de escuta de um determinado grupo social. A “crítica especializada” da época polarizava opiniões e disputava simbolicamente conceitos dicotômicos entre os pares “culto” / “popular” e “moderno” / “antigo” (Cf. SARAIVA, 2007). É nesse ambiente sociocultural que o baterista Wilson das Neves inicia sua carreira na cidade do Rio de Janeiro. Veremos a seguir como o artista se posicionou no campo da música popular brasileira, assimilando e traduzindo diferentes estilos musicais e se integrando a uma indústria cultural em processo de modernização.

Em meados da década de 1940, o mercado musical foi gradativamente se reestruturando em uma nova localidade da cidade do Rio de Janeiro. Um processo que converteu a zona sul da cidade, especialmente o bairro Copacabana, num novo espaço de vida boêmia na então capital federal do país. Tais mudanças, resultantes de ao menos duas medidas significativas, produziram o deslocamento geográfico e o surgimento das pequenas boates da zona sul carioca – redutos privilegiados da emergente classe média carioca -, afetando o mercado de trabalho daqueles músicos. A primeira medida se refere à proibição dos jogos e o consequente fechamento dos cassinos, em 1946, por determinação do então presidente Eurico Gaspar Dutra. Os cassinos ocupavam um lugar importante para música popular,

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uma vez que contemplavam tanto orquestras mais amplas quanto conjuntos dançantes menores. Havia também certa internacionalização, pois esses lugares recebiam atrações estrangeiras desde as big bands norte-americanas até orquestras advindas de países da América Latina. Por serem espaços disputados entre os músicos brasileiros, aqueles que não conseguiam se inserir nesse mercado, atuavam nos dancings, então mais acessíveis, porém com menos prestígio que os cassinos.

O segundo fato que propiciou o deslocamento de parte da boemia carioca para zona sul foi a “decadência” da Lapa já nos anos 40, uma vez que esta concentrava a vida noturna e boêmia da cidade, sendo a música popular presente nessas ocasiões. Segundo Alcir Lenharo, são marcos dessa trajetória descendente do bairro o fechamento de prostíbulos em 1942 e a desapropriação de muitos prédios nessa área.

São amplas e profundas as intervenções na cidade cometidas pela administração do prefeito Henrique Dodsworth (1937-45), muito semelhantes às de Pereira Passos décadas antes. Intervenções foram feitas na Lapa; a Presidente Vargas foi rasgada, pondo-se abaixo aproximadamente quinhentos edifícios, quatro dos quais eram igrejas, uma delas estilo barroco original – a Igreja de São Pedro. É também o tempo do fim da Praça Onze e tempo de abertura de inúmeros parques na cidade, assim como da avenida Brasil.1

Nesse momento, a Lapa entrava em progressivo declínio tornando-se agora “policiada, mais perigosa e intimidadora”2. O cenário repressivo afastava os intelectuais e membros da elite da vida noturna do bairro cedendo lugar para um novo ponto boêmio.

A boemia mudava de pouso, tomava o caminho do mar. Saía da Lapa e da Cinelândia, dos arredores da Central e dos Subúrbios longínquos, para se instalar em Copacabana, novo bairro que crescia para além do túnel. Mudava de pouso e de clima, a penumbra das boates substituindo as luzes dos cabarés. Uma boemia mais íntima e refinada, regada a uísque escocês e embalada por chorosa música romântica. A partir de fins dos anos 40 –

1 LENHARO, Alcir. Cantores do Rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico

de seu tempo. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. p. 17.

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coincidindo com um pós-guerra que ampliaria a cidade para a Zona Sul – a boemia instalava-se definitivamente nas boates.3

Essa modificação da localidade do trabalho, elegendo o bairro de Copacabana como novo representante do mercado musical, tencionava as disputas por este espaço, uma vez que aumentavam as concorrências entre os músicos. Nesse sentido, Wilson das Neves, nascido no bairro da Glória, região do Catete da cidade do Rio de Janeiro, relembra que sua trajetória até chegar em Copacabana foi longa e disputada.

Era eu e Deus carregando sozinhos uma bateria, no bonde, no trem, no barco...Era assim. Era eu e Deus e os instrumentos...sozinhos. Que até hoje eu fico assim pensando: “Como é que eu carregava?” Só sei é que eu dava meu jeito. Onde tinha baile eu ia lá, bicho, eu tinha que ir buscar o meu. Se eu não fosse, ninguém ia, então eu tinha que ir a Nova Iguaçu, Campo Grande. Tava no trem, chegou a estação, é aqui mesmo e vamo lá [...] Foi longa a trajetória pra pegar o ar-condicionado em Copacabana.4

Suas estratégias de inserção no campo musical revelam aspectos de um músico atento às exigências mercadológicas e, para tanto, estar disposto para traduzir qualquer evento musical no instrumento.

Novas condições técnicas de produção fonográfica

Wilson das Neves começou a se integrar no mercado musical num momento em que a indústria fonográfica passava por transformações, especialmente quanto às novas tecnologias que emergiram no contexto do pós-guerra. Assim como a introdução do sistema elétrico de gravação, em 1927, provocou avanços significativos nos registros de áudio e na consequente melhora das transmissões de rádio e dos aparelhos reprodutores na década de 1930, o surgimento do Hi-Fi e

3 MÁXIMO, João & DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Ed.UnB, 1990, p.483. 4 apud ALMEIDA, Guilherme de Vasconcelos. Ô sorte! Memórias de um imperador: uma breve

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do LP na passagem dos anos 1940 para 1950, produziu também impacto na percepção do som. Segundo Lynn Olson, a tecnologia High Fidelity (ou alta fidelidade) foi desenvolvida em meados da década de 1930 pela empresa alemã Ampex e foi posteriormente aprimorada nos estúdios de gravação Columbia, nos Estados Unidos, no segundo pós- guerra, promovendo avanços significativos em nível de qualidade sonora, processo de produção e em formato, especialmente pela introdução da fita magnética no processo de gravação.5O formato long-playing (LP ou longa duração) - fabricado com vinil (cloreto polivinílico ou PVC) em tamanhos de 10 ou 12 polegadas com rotação de 331/3rpm, surgiu pela necessidade em superar os “chiados” e “ruídos” resultantes da má qualidade das gravações em discos de 78 rpm6, e compunham as inovações técnicas no ramo da produção de discos. Diante desse novo formato - cuja introdução do microgroove (microssulco) e da diminuição da rotação foram decisivas para maior limpeza sonora – seriam necessários novos aparelhos para responder a essas inovações. Surgem também neste período novas eletrolas com agulhas mais sensíveis e rotação de velocidade variável.7

Este conjunto de inovações técnicas dentro da indústria fonográfica possibilitou avanços consideráveis no âmbito da produção e qualidade sonora dos discos, além de representar uma nova fase de treinamento do “sensório humano” 8.

5 OLSON, Lynn. A Tiny History of High Fidelity, part 1. 2005. Disponível em: http://www.nutshellhifi.com/library/tinyhistory1.html. Acesso em 2 de fevereiro de 2018.

6 LAUS, Egeu. “Capas de Discos: os primeiros anos”. In: CARDOSO, Rafael (Org.). O design

brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 300.

7 Ibidem.

8 Para o pesquisador Rodrigo Vicente (2014: 60), ao mesmo tempo em que se desenvolve a

tecnologia no âmbito da produção de discos verifica-se uma mudança na sensibilidade auditiva do público, representando novos modos de escuta. Nesse sentido, diz o pesquisador: “Apurava-se a percepção de sutilezas antes ofuscadas tanto pelos registros resultantes de processos de gravação antigos, quanto pelos aparelhos reprodutores dos discos de 78 rpm. Em suma, ao mesmo tempo em que novas técnicas e suportes eram introduzidos, a sensibilidade auditiva do público também se transformava – novos modos de escuta estavam se formando". Mais informações presentes em sua tese de doutorado: VICENTE, Rodrigo Aparecido. Música em

Surdina: sonoridade e escutas nos anos 50. 2014. 232p. Tese de Doutorado – Universidade

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Além do impacto na esfera auditiva do público, que aos poucos conquistavam apreciadores9, outro elemento surge na era dos LP's: a valorização da imagem. Para Egeu Laus, que realizou pesquisa sobre a história do LP no Brasil, até o final dos anos 1940 era comum a presença de ilustrações que não tinham ligação com o conteúdo musical. Os discos eram embalados, em grande medida, em envelopes com propósito de proteger o material, trazendo, com informações tipográficas, o logotipo da casa gravadora, dos aparelhos reprodutores e imagens que nem sempre dialogavam com as músicas registradas. Na parte central dos discos havia um círculo vazado nos dois lados, no diâmetro dos rótulos, no qual era possível ler informações sobre os artistas, o repertório e alguma informação complementar. Esse formato parecia satisfazer a comercialização daqueles produtos, pois, “numa sociedade em que o apelo visual não tinha a força que tem hoje, o que interessava era somente a identificação da música ali contida”10.

Com o advento do long-playing esse cenário se transformaria com o surgimento das capas de discos. Como afirma Egeu Laus,

(...) o surgimento da capa de disco aconteceu em 1939, quando um jovem de 23 anos, Alex Steinweiss, diretor de arte da recém-estruturada Columbia Records, convenceu os executivos da gravadora a tornar as capas um pouco mais atraentes, acrescentando alguns desenhos e pinturas. Inspirados no estilo dos cartazes franceses e alemães que ele havia visto, os álbuns 78 da Columbia começaram a sair com capas ilustradas, em papéis impressos colados aos cartões das capas. Em 1948, no lançamento do long-play nos Estados Unidos, o mesmo Steinweiss projetou o ovo de colombo: uma folha de cartão impressa, aberta e depois dobrada ao meio – que se tornou definitivamente o modelo da capa de LP.11

O autor afirma ainda que, até 1956, do ponto de vista da produção, os lançamentos desses novos formatos não representavam avanços significativos em relação aos discos de 78rpm. Mesmo que o potencial gráfico das capas e

9 Vide, como exemplo, o caso Sinastra-Farney Fan Clube. Impulsionado principalmente pelo

radialista Luis Serrano em seu programa "Disc-Jockey", que divulgava audição e apreciação da música popular americana, em especial o jazz. Cf. CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 36-45.

10 LAUS, Egeu. op.cit. 2005. P. 304-308. 11 Ibidem, p. 309.

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contracapas e as estratégias de marketing para o mercado se mostrassem mais racionalizados, até aquele momento grande parte da produção de LP “nada mais era do que relançamento de gravações de 78 rpm em discos com oito músicas”12.

É importante considerar a indissociabilidade entre a sonoridade do baterista Wilson das Neves e os suportes técnicos através dos quais o músico registrou sua produção. Sua inserção na indústria da música se deu principalmente nos anos de 1960, período em que tais transformações técnicas se consolidaram. Nesses anos, o formato LP ganhava espaço no mercado e se autonomizava enquanto projeto estético-ideológico como “forma de expressão artística num mundo para o qual concorriam diferentes linguagens, um sistema de códigos, um modelo de vida”13. Perceber a relação entre as mudanças na indústria fonográfica e o ajuste que o baterista praticava nesse meio possibilita maior compreensão de sua sonoridade. Pode-se dizer que tanto os aspectos musicais relativos à performance (gêneros musicais, arranjos, instrumentação) quanto esses novos métodos de gravação, a qualidade sonora, e o novo formato de discos são determinantes para a criação e a configuração do estilo interpretativo de Wilson das Neves.

Debate estético e ideológico sobre música popular

A partir de meados da década de 1950, ao mesmo tempo em que o LP e a tecnologia HI-FI foram se consolidando no mercado fonográfico brasileiro e “conquistando definitivamente o público”14, surgia também uma nova categoria social dentro da música popular, o chamado crítico musical fonográfico ou o “cronista de disco”. Nesse momento, o disco adquire importância social e estética. A criação de periódicos voltados especialmente aos lançamentos fonográficos, como a Revista do Disco (1953) e a Revista do Long-Playing (1956), ou ainda a

12 Ibidem, p. 316.

13 Sobre a autonomia estética do LP, ver: MAMMÌ, Lorenzo. “O LP não foi apenas um suporte, mas

uma forma artística”. Revista Piauí, n. 89, fevereiro de 2014.

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realização de eventos como o “Primeiro Salão Nacional de Capas de Long Playing, uma homenagem ao progresso da indústria nacional”15, indicam o sucesso desse formato no mercado musical.

Foi nesse contexto que Wilson das Neves viveu no início de sua profissionalização. É importante destacar que dentro desse processo, os conflitos e as disputas simbólicas, no plano estético-ideológico, produzidos em grande medida pela crítica “especializada” dos anos 1950, contribuíram para a polarização do debate sobre música popular brasileira em torno das noções de modernidade x tradição, comercial x autêntico e o nacional x internacional. Consciente ou não desse debate, é possível que esse contexto de disputa simbólica tenha se refletido nas escolhas estéticas do baterista.

O amplo debate promovido especialmente pelos periódicos Revista da Música

Popular (RMP) e a Revista do Rádio estava sedimentado nas diferentes

apropriações do conceito de música folclórica com objetivo em preservar ou simplesmente designar um determinado repertório que, via de regra, opunha-se ao

mainstream. Nesse sentido, empregaram-se esforços por parte de um novo grupo

de intelectuais em “folclorizar” a canção popular16. A presença de um repertório estrangeiro e seus hibridismos representava uma ameaça à cultura nacional sendo necessário, portanto, “inventar” uma tradição elegendo um repertório e seus personagens como representação da nossa identidade nacional: trata-se do samba carioca dos anos 30, juntamente com Sinhô, Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Noel Rosa, entre tantos outros como figuras simbólicas da tradição.

Os anos 50, marcados pela política nacional-desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, apontavam para um movimento de progresso e modernidade a ser seguido. Nesse sentido, o Brasil deveria "superar o atraso e acompanhar os países que, via de regra, se industrializavam"17. É o momento de profundas e rápidas transformações estruturais pelas quais o país passava, com destaque para

15 Ibidem, p. 320-321.

16 GARCIA, Tânia da Costa. A folclorização do popular: uma operação de resistência à

mundialização da cultura, no Brasil dos anos 50. Revista ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 20, p. 7-22, jan.-jun. de 2010. p.8.

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a acelerada industrialização, urbanização e internacionalização da cultura e da economia. Para alguns, a vivência destas transformações resultou num estranhamento, num “desenraizamento do tempo presente”18. Nesse sentido, era necessário retomarmos ao passado e revalorizarmos nossas tradições nacionais como forma de reação à nova conjuntura. Sobre essa questão destaca Tânia da Costa Garcia:

A folclorização do popular, isto é, sua transformação em tradição foi a estratégia encontrada para reagir às transformações impostas pelo presente. Nesse sentido, seria selecionado do passado um repertório a ser monumentalizado. “Museificar” o popular, obstruir sua perenidade foi a estratégia adotada a fim de evitar fusões e hibridismos que pudessem comprometer sua autenticidade. O morto preservado seria fixado em suportes e exposto em museus e arquivos, para que as gerações vindouras pudessem conhecer a nossa “verdadeira cultura”.19

Nesse momento, um novo grupo de intelectuais irá pensar a cultura popular procurando eleger e defender aquilo que julgavam “genuinamente” popular, nacional e tradicional. A apropriação do conceito folclórico, desenvolvido principalmente pelos estudos de Mário de Andrade e Renato Almeida, foi uma das chaves para esta operação, cujo objetivo era “estabelecer os cânones, as balizas para se diferenciar a música popular de 'qualidade' daquela cada vez mais massiva, veiculada pelos meios de comunicação e aplaudida pelos fãs-ouvintes”20.

A RMP, surgida no Brasil em 1954 com circulação até 1956, editada e dirigida por Lúcio Rangel e diversos colaboradores (Mariza Lira, Cruz Cordeira, Almirante, entre outros), representou aqueles que se sentiam “desenraizados” numa época de rápidas transformações estruturais no país. Orientados por duas correntes distintas, por um lado os estudos folclóricos e outro por memorialistas e historiadores não acadêmicos, a revista tendia a construir uma memória sobre a nossa música popular. Para os seus editores e colaboradores, o samba tradicional havia se “perdido” diante da intensa troca sonora pela música popular estrangeira (bolero, mambo, jazz, rock, etc). Para fundamentar a crítica a esse processo, esses autores

18 Ibidem, p.9.

19 GARCIA, Tânia da Costa. op.cit. 2010. p.9 20 Idem, p. 12.

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folcloristas procuraram delimitar as fronteiras entre os elementos populares (entendido como “o retrato da alma do povo brasileiro”) e os massivos (a produção industrial da música voltada ao mercado de bens simbólicos)21.

O projeto de “folclorizar” nossa música popular urbana não ficou restrita, porém, aos gêneros samba e choro. O jazz norte-americano ganhou espaço no debate nas publicações da RMP. Críticos como José Sanz, Jorge Guinle, Sylvio Túllio Cardoso e o próprio Lúcio Rangel foram alguns dos autores que contribuíram para a “invenção” da tradição jazzística em nosso país. Assim como o samba, o “verdadeiro” jazz – dotado de “pureza” e “autenticidade” - seria aquele concebido unicamente pelos músicos negros nascidos na cidade de Nova Orleans. O debate se amplia quando dos hibridismos de gêneros nacionais com estrangeiros. Esse círculo de autores se incomodava com as práticas musicais então em voga nos anos 1940 e 1950, a exemplo das jam sessions. A incorporação de elementos estrangeiros à música brasileira, como o jazz, representava ameaça à cultura popular tradicional. De acordo com Joana Saraiva, seja o jazz “moderno” representado pelo be-bop ou o jazz “antigo”, o que estava em jogo era a reprovação “quanto a uma 'amigação' suspeita e perigosa entre o samba e o jazz, seja este verdadeiro ou falso”22. Essas práticas seriam responsáveis por “descaracterizar” a música nacional, destituindo assim a suposta “pureza” que lhe era intrínseca. Entretanto, havia quem aprovasse as “mesclas” entre o jazz e o samba.

Entretanto, diferentemente de outras “amigações perigosas”, a do samba com o jazz tinha importantes defensores, sobretudo porque o argumento principal deste grupo estava baseado num universo de sentido bastante persuasivo naquela ocasião - “moderno”, “modernização”, “sofisticação” – ainda mais naquele cenário noturno de Copacabana.23

É esse contexto de polarização estético-ideológico, de uma indústria cultural em processo de expansão e integração, com surgimento de novos equipamentos técnicos no setor de produção musical e de uma reestruturação do mercado

21 GARCIA, Tânia da Costa. op. cit. 2010. p.14.

22 SARAIVA, Joana Martins. A invenção do sambajazz: discursos sobre a cena musical de

Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. 109 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. p. 45.

(28)

musical, que Wilson das Neves encontra no início de sua profissionalização na cidade do Rio de Janeiro. Adiante, observaremos com mais detalhes como o artista se posicionou no campo da música e praticou uma sonoridade singular na bateria.

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1. 2. A bateria no Brasil e Wilson das Neves

A inserção da bateria na música brasileira – um instrumento originalmente norte-americano - que desde seus primeiros relatos é identificada como “bateria americana” ou “bateria de jazz”, justamente para diferenciar do naipe de percussão, é resultado da importação de elementos simbólicos culturais no contexto de industrialização e modernização verificado principalmente na cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do XX.24

A partir do início do século XX, ideais de uma sociedade moderna fundamentada na ideologia de civilização e do progresso, período conhecido por

Belle Époque Tropical25, foram responsáveis por grandes reformas estruturais urbanas na cidade do Rio de Janeiro. As novidades tecnológicas, tendências da moda bem como novos padrões de comportamento que emergiram nesse contexto estavam calcados em modelos europeus, especialmente os franceses. Com a reforma urbana da cidade do Rio, verifica-se uma ampliação do mercado26 de música popular através da circulação de publicações musicais (partituras), do entrelaçamento entre música e a indústria do entretenimento com destaque para o cinema e o gramofone. A pesquisadora Cristina Magaldi aponta que além de uma nova paisagem urbana, a cidade do Rio de Janeiro compartilhava características com cidades emergentes da Europa:

24 BARSALINI, Leandro. As sínteses de Edison Machado: um estudo sobre o desenvolvimento de

padrões de samba na bateria. 2009. Dissertação (Mestrado em Música), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, São Paulo. p. 13.

25 O historiador Jeffrey Needell aponta que, enquanto prefeito da cidade do Rio de Janeiro e

orientado nas obras executadas por Haussmann em Paris, o engenheiro e ex-aluno da École des Ponts e Chaussées, Pereira Passos, promoveu reformas estruturais urbanas na capital do país sendo que “Em um ano e meio, foram destruídas 590 edificações na Cidade Velha e pequenos trechos dos morros do Castelo e São Bento” (Needell, 1993: 60). Como resultado desse bota-abaixo assinado por Passos, grande parcela da população negra e pobre é forçada a se realojar nos morros periféricos com condições precárias. Maiores detalhes em seu livro: NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo. Editora: Companhia das Letras, 1993.

26 Magaldi aponta que essa variedade de elementos e símbolos estrangeiros importados foram, em

parte, facilitados pelo projeto modernizador da cidade que mostrava o esforço do governo em inserir o país no centro do mundo ocidental, atendendo e apontando em expectativas aos padrões franceses. Ver: MAGALDI, Cristina. Cosmopolitismo e world music no Rio de Janeiro na

passagem para o século XX. Tradução de Rafael dos Santos. Revista Música Popular em Revista, Campinas, ano 1, v.2, p. 42-85, jan. - jun. 2013. p.45.

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(1) a cidade abrigava um grande número de imigrantes; (2) ela garantia um espaço para a introdução de novas tecnologias e se tornava um chamariz para visitantes e investidores estrangeiros; (3) a cidade assistia a um crescimento sem precedentes de sua população, uma diversificação de seu tecido étnico e de suas expressões culturais, e o empoderamento de uma crescente classe média.27

Esse empoderamento de uma classe média brasileira referida pela autora - formada nesse momento por comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais, prestadores de serviços e burocratas - amplia o consumo de bens simbólicos. Nesse momento, as preferências aos produtos e novidades culturais norte-americanos irão gradativamente se intensificar especialmente a partir da Primeira-Guerra, sendo que ao seu final os Estados Unidos se tornariam nossos principais parceiros comercias. O reflexo dessa parceria é deflagrada na esfera cultural do país principalmente com “a difusão de padrões norte-americanos através da produção cinematográfica e da comercialização de discos de cake-walks, fox-trots, charlestons e similares, deflagrando no Brasil o prenúncio de uma indústria voltada ao consumo de bens culturais.” 28

No campo da música popular, a aceitação de gêneros musicais norte-americanos foi provocada, em parte, pelo advento de uma indústria do disco que passaria a atuar no mercado brasileiro. Tinhorão observa que, entre 1903 e 1914, o número de músicas americanas lançadas no mercado brasileiro era irrisório (dois

cake-walks, três two-steps, um one- step e um fox-trot). Entretanto, de 1915 a 1927,

quando chega ao final o sistema mecânico de gravação, esses números cresceram consideravelmente. Foram lançados nesse período cento e trinta e nove fox-trots, vinte e três one-steps, sete ragtimes, seis two-steps, três fox- blues, dois shimmies, um charleston e um blues, num total de 182 gravações, representando um aumento de cerca de quarenta e dois por cento em relação ao período anterior29. É nesse momento que as jazz bands (formações menores típicas do jazz) tornaram-se a

27 Ibidem, p.44-45.

28 BARSALINI, Leandro. op.cit. 2009. p.18.

29 TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular. São Paulo: Editora 34, 1998, (4

(31)

moda musical do período com o aumento do número de grupos, intérpretes e compositores que, orientados por esses novos gêneros, começaram a introduzir elementos musicais estrangeiros como o jazz e o ragtime. Para se ter uma noção da força desse modismo das jazz bands, vale aqui alguns exemplos de formações musicais que traziam a expressão como forma de identificação: Jazz Band Sul

Americano de Romeu Silva, Apolo Jazz Orchestra, American Jazz Band Sílvio de Souza (Rio de Janeiro); Jazz Band Andreozzi, Jazz Band República, Jazz Band Caracafu, Jazz Band Salvans, Orquestra Rag Time Fusellas, Jazz Band Imperador

(São Paulo); Jazz Band Mirarar, Jazz Band Scala (Santos); Espia Só Jazz Band,

Rei Jazz Band, Royal Jazz Band, Jazz Band Guarani, Jazz Band Cruzeiro (Porto

Alegre).30

Foi nesse contexto que a bateria foi introduzida no Brasil. Para seguir as novas tendências do mercado musical, os músicos brasileiros, que agora se orientavam por ritmos norte-americanos, passariam a incorporar a bateria em seu repertório como signo de modernidade musical. O caso do grupo 8 Batutas exemplifica a questão. Após regressarem de sua excursão pela Argentina em 1923, adquirem nova formação, passando-se a chamar “Bi-Orquestra Os Batutas” e incorporam a bateria, aproximando-se muito da formação típica das jazz bands. O curioso é que não apenas ocorreram mudanças de comportamento dos membros do grupo ou na instrumentação (incorporação de novos instrumentos como – trombone, banjo, sax, piano e a própria bateria), mas também o repertório passou a receber influência de estilos estrangeiros no processo de desenvolvimento da música popular nacional.31

Para Tinhorão, o responsável pelo estímulo ao uso do instrumento por músicos brasileiros teria sido “o alvíssimo baterista e pianista euro-americano Harry Kosarin quem daria a conhecer aos cariocas e paulistas, a partir de 1919, com as exibições do seu Harry Kosarin Jazz Band a novidade da bateria americana.”32 Para contrariar essa informação, as “Notas Teatrais” da Revista Fon-Fon de 1° de dezembro 1917, do Rio de Janeiro, publicou:

30 Cf. VEDANA, Hardy. Jazz em Porto Alegre. Porto Alegre. Editora: L&PM/Funarte. 1987. p.65-113. 31 BARSALINI, Leandro. op.cit. 2009. p. 25.

(32)

Esta glória cabe aos Estados Unidos de onde veio agora para a orquestra do Teatro Fênix (RJ) um músico trepidante que, além de batucar em onze instrumentos diversos, ainda por cima sopra um canudo estridente e remexe-se durante todo o espetáculo, numa espécie de guinge circunscrita ao lugar que ele ocupa no meio dos seus colegas.33

O pesquisador Alberto Ikeda sugere que a bateria americana já teria integrado o grupo que acompanhava o American Rag-Time Revue e que o “músico trepidante” seria o próprio Harry Kosarin, presente dois anos antes do que afirma Tinhorão, acompanhando a orquestra. Embora não esteja explícita a existência de uma bateria na matéria da revista, acredita-se que os “onze instrumentos diversos” que são batucados, sejam executados por um baterista.34

Apesar das contradições e imprecisões das fontes em relação à data de chegada do instrumento no Brasil, o contexto em que este fato ocorreu é claro: início da década de 20, boom das jazz bands e período do cinema mudo. As novidades sonoras advindas dos Estados Unidos traziam uma carga imagética de modernização aos grupos locais que, aoincorporarem os ritmos norte-americanos em seu repertório, passariam a denominar-se jazz bands. No entanto, conforme observa Barsalini:

Não se deve considerar jazz bands necessariamente como bandas cujo repertório era estritamente tocado na linguagem jazzística; era muito mais um sinônimo de modernidade do grupo, refletido em seus trajes, sua postura e em sua instrumentação (que passava decisivamente a incorporar a bateria americana).35

A inclusão da bateria na nossa música popular, nesse sentido, estava associada às escolhas tomadas pelos músicos que, imbuídos de signos da modernidade, ganhariam prestígio e valorização pelo público frente às novas tendências, e isso seria fundamental para o ingresso no mercado musical.

A primeira e mais expressiva geração de bateristas no Brasil que, a partir da década de 1920, assumem suas carreiras se apresentando com orquestras e jazz

bands em bailes, teatros de revistas, salas de cinema mudo, orquestras de rádio,

33 apud IKEDA, Alberto T. Apontamentos históricos sobre o jazz no brasil. Revista Comunicação e

Artes. São Paulo. vol.13, 1984. p.111-24.

34 Ibidem.

(33)

acompanhando cantores ou músicos, teve quatro nomes destacados: Joaquim Silveira Tomás, Valfrido Pereira da Silva, João Batista das Chagas Pereira (mais conhecido como Sut) e Luciano Perrone.36

De todos o que merece mais atenção, tido por muitos como “o pai da bateria brasileira”, foi Luciano Perrone. Filho do maestro Luís Perrone, chefe de bandas militares e diretor de várias orquestras no Rio de Janeiro entre 1908 e 1918, e da pianista Noêmia Franklin Batista Perrone, Luciano começou a aprender música dentro de sua casa. Seu primeiro trabalho remunerado foi no cinema Odeon, em 1922, dublando o ator Jackie Coogan do filme The Kid de Charlie Chaplin e, na mesma ocasião, substituiu o baterista da orquestra que acompanhava o filme, produzindo efeitos sonoros. Em 1927, Perrone fez suas primeiras gravações com a orquestra de Simon Bountman. Mais tarde, tocou na orquestra do Teatro Recreio, regida por J. Cristóbal, na revista Banco do Brasil. A partir desses trabalhos, Perrone não parou mais. Tocou na orquestra do Teatro João Caetano, na Rádio Cajuti, Rádio Transmissora e ingressou na Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, em sua inauguração, em 1936, permanecendo até 1961. É responsável por ter registrado o primeiro solo37 de bateria no Brasil na música “Faceira”, de Ary Barroso, com interpretação de Silvio Caldas em 1931, além de participar da gravação de “Aquarela do Brasil”, do mesmo compositor, em 1939, cantada por Francisco Alves, com arranjos de Radamés Gnattali (com quem trabalhou durante quase seis décadas). O músico atuou até 1994 e tornou-se uma das grandes referências na história da bateria brasileira, principalmente por ter adaptado elementos de samba, maxixe, baião e ritmos do candomblé, no vocabulário da bateria.

Após Perrone, outros instrumentistas surgiram ao longo dos anos 30 e 40, dentre eles: Bibi Miranda, Moysés Friedman, Arruda, Carlito e Anestauro Américo. Praticamente eram todos bateristas de orquestras ou conjuntos de jazz bands. Muitas das orquestras da época se apresentavam em cassinos (Anestauro Américo atuou no Hotel Copacabana Palace), o que representava certa garantia de trabalho

36 Cf. BARSALINI, Leandro. 2009.

37 O termo solo é usado no sentido de que o instrumento pôde ser percebido pela primeira vez em

uma gravação sem a presença de nenhum outro simultaneamente. Na realidade, a bateria obteve um momento de destaque, fazendo frases nos breques da música.

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aos músicos. Entretanto, o decreto de fechamento dos cassinos assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, obrigou os músicos a buscarem novas opções de mercado. Apresentações em bailes de formatura, emissoras de rádio, gafieiras, boates, táxi-dancings passaram a ser alternativas de trabalho para esses profissionais. Foi nesses ambientes que Wilson das Neves despontou como instrumentista.

Nascido em 14 de junho de 1936, no bairro da Glória na cidade do Rio de Janeiro, o baterista Wilson das Neves teve seus primeiros contatos com música ainda criança, nos cultos e rituais do candomblé que seus pais frequentavam. Fascinado pelos ritmos dos atabaques, o músico relembra:

(...) porque já tinha o candomblé, que minha família ia pro candomblé. Íamos pro Joãozinho da Goméia, ia pra Tia Agripina lá em Coelho da Rocha do axé Opô Afonjá, que depois foi a Maianinha, e vieram outras mães de santo também. E tem hoje ainda, acho que o axé ainda tá la. E nois ia pro candomble e o atabaque já me fascinava né...então eu sabia que eu ia ser baterista, não tinha jeito. Fui atraido pelo atabaque de candomble.38

Ao mesmo tempo, frequentava desde final da década de 40 a escola de samba Império Serrano, participando dos desfiles tocando tamborim. Na escola, conviveu com nomes memoráveis do samba daquela época, como Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira, Seu Marcelino, Tio Hélio, Nilton Campolino, Tia Maria do Jongo, entre outros39. Participava também das festas promovidas na casa de sua Tia Julia. Seus pais e familiares, migrantes de Pernambuco e Bahia, traziam consigo seus costumes culturais e religiosos como parte integrante dessas festas.

Nesses encontros, as rodas de samba para o canto dos orixás, os cantos do partido-alto, conjuntos de choro e até as jazz-bands compunham o repertório musical eclético dessas festas. Ademais, foi nessas festas que conheceu o

38 Entrevista realizada em 02.04.2016 no programa “Ponto do Samba” concedida ao jornalista

Rubem Confete, na ocasião das comemorações dos 80 anos da Rádio Nacional. Disponível em:

http://radios.ebc.com.br/ponto-do-samba/2017/09/especial-com-wilson-das-neves-e-reprisado-no-ponto-do-samba. Acessado em 19.02.18

39 Entrevista concedida por Wilson das Neves à Equipe Império Serrano Museu Virtual, em 20 de

maio de 2014. Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=Knz8GaC7oYI. Acessado em 20.02.2018

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instrumento bateria com o Suruba e o professor e baterista Bituca.

Eu tinha uma tia que fazia muita festa. Tudo era motivo pra festa. E tinha uma banda que ia tocar na casa dela né, que era uma jazz-band que chamava, eu tinha 7 anos...por aí. Então tinha um salão, aqueles salões enormes, que era aula de costura. E quando tinha festa, afastava tudo e botava uma orquestra lá em cima...e eu ficava ali, vendo. Que a bateria tinha luz, naquela época né, a bateria do Suruba, o baterista chamava Suruba. (...) E ele tinha aquelas bateria americana, que o bombo era aqui né (sinal de altura da peça) e tinha luz. No bombo tinha uma paisagem, uma havaiana encostada numa palmeira, era moda isso né, e acendia luz e aquilo a gente fica fascinado quando criança. E eu sempre com intuição de tocar ritmo, foi ali que começou. Eu perseguia os bateristas, de repente o dedinho tava (batuca na mesa). Ai ele dizia assim; “menino não mexa no meu ganha pão” eu ficava do lado ali em pé do lado dela, e de repente o dedinho ia ali no tambor...pá pá pá pá, e ele dizia: “menino não mexa no meu ganha pão” e de vez em quando dava umas baquetadas...pra você não pega no instrumento.40

Todo esse ambiente musical ao qual estava inserido foi decisivo em sua formação musical. Mais tarde, com seus 16 anos, conheceu seu grande ídolo na bateria, Edgar Nunes Rocca (conhecido por Bituca) nas mesmas festas na casa de sua tia e começou acompanhá-lo nos bailes. Nesse momento, sua função resumia-se em ajudá-lo a carregar o instrumento e dançar. Não estava clara para Wilson a idéia de ser um baterista profissional. Orientado, porém, por Bituca em estudar música e o instrumento bateria, tomou aulas com o professor-maestro Joaquim Antônio Langsdorf Naegele na escola Flor do Ritmo, no subúrbio do bairro do Méier. Em seguida, fez sua estréia profissional substituindo Bituca na orquestra de Permínio Gonçalves.

(...)Aí eu fui crescendo e aí minha tia mudou dali e minha tia foi morar na Teodoro da Silva e o baterista já não era mais o Suruba, era o Bituca (Edgar Nunes Rocca). Eu já tinha uns 16 anos, por aí. E a mesma coisa eu ficava ali fascinado vendo o Bituca tocar, que é meu ídolo né (...) aí eu acompanhava o Bituca nos bailes, entendeu. Eu esperava ele na porta dos bailes – porque eu não tinha pra comprar o ingresso. Eu ajudava ele a carregar a bateria, ajuda ele armar, mas eu queria dançar. Até um dia que ele falou pra mim: “vem cá, você não gosta de bateria?” Eu já tinha 18 anos, tava servindo o exército. Falei: “gosto”. E ele: “Porque você não estuda?”. Eu digo: “mas Bituca eu não tenho referência de nada - naquela época, em 58...54 aliás, eu tava servindo o exercito – Eu não tenho referência, não sei, estudar onde, como?”. Ele me levou pra escola do seu Joaquim Naegele, no Méyer, Flor do Ritmo, que ficava na Visconde de

40 Arquivo pessoal de Oscar Bolão, que foi cedido gentilmente para o autor desta pesquisa. A

entrevista foi realizada na casa do próprio Wilson das Neves, na Ilha do Governador (RJ), em setembro de 2006.

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Tocantins 27...aí eu fui pra lá estudar com o Joaquim. Aí ia no baile com o Bituca, mas já não dançava mais. Botava uma cadeira e ficava sentado do lado dele ali. Ele dizia: “senta aqui do meu lado”. Eu já tava aprendendo a dividir musica. Aí eu olhava pra parte e ele ficava me orientando: “onde é que tá?” [referindo-se em qual compasso da música]. Eu digo: “Tá aqui”. E ele: “Xi,rapaz, já passou, já pulou, já volto...” e eu fui ali, evoluindo ali, dividindo. Aí ele pedia pro maestro, que era o Permínio Gonçalves, eu via, mas ele não deixava eu escutar: “pô, deixa o Wilson dá uma canjazinha aí, a hora que a orquestra vai descansar, tocar um samba-canção, um baiãozinho aquela coisa.” - aquela hora em que a orquestra ia descansar e ficava um quarteto, um acordeon, um piano, o cantor, o saxofone, uma coisa assim.(...)Aí o Permínio dizia: “Não, não, isso aqui não é laboratório!” E eu ficava com ódio dele, porque eu queria tocar. Até que um dia ele deixou eu tocar um samba-canção, e eu me sentia né (...)...aí foi passando, e eu tocando, eu tocando, o Bituca saiu da orquestra e quem ficou foi eu. Eu substitui o meu mestre. Ele foi tocar com o Cipó, foi tocar com as orquestras famosas né...Oswaldo Borba, ele foi tocar com essa turma, Carioca...e eu aí fiquei no lugar dele até o dia que saí, aí fui tocar no

táxi-dancing daí não parei mais. Até que o Paulinho Magalhães me levou pra

Rádio Nacional.41

O músico cita alguns dos bateristas mais representativos na cidade do Rio de Janeiro logo no início de sua profissionalização, em meados dos anos 50, e que foram grandes referências: Mesquita, Paulinho Magalhães (que apresentou o músico a Luciano Perrone e o levou à Rádio Nacional), Sut (João Batista das Chagas), Trinca, Milton Banana, Dom Um Romão, Hildofredo Alves Correa e João Batista Stockler Pimentel (conhecido por Juquinha).

Nesse momento, se reunia em frente ao Teatro João Caetano na praça Tiradentes, em busca de trabalho. A praça era ponto de encontro dos músicos da cidade em busca de trabalho. Em entrevista a seu biógrafo, Guilherme de Vasconcelos, relembra:

Na praça Tiradentes, tá o teatro. Eu ficava de músico ali na porta pra arrumar trabalho. Ali que se pegava o baile do fim de semana, ali que você pegava um emprego numa boate, ali que se procurava músico. Aí Bituca me levou pra lá. Eu ia pra lá todo dia. Às cinco horas da tarde, eu tava lá pra arranjar um trabalhinho. Já tava com os pratos, as baquetas e vamos...Eram assim as coisas: toca aqui, toca ali, toca lá e vamo que vamo.42

41 Entrevista realizada em 02.04.2016 no programa “Ponto do Samba” concedida ao jornalista

Rubem Confete, na ocasião das comemorações dos 80 anos da Rádio Nacional.

42 apud ALMEIDA, Guilherme de Vasconcelos. Ô sorte! Memórias de um imperador: uma breve

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Começou tocando nos bailes do subúrbio em Nova Iguaçu, Campo Grande, Santa Cruz, até chegar na disputada Zona Sul carioca. O músico lembra que “foi longa a trajetória pra pegar o ar-condicionado em Copacabana”43 . No final dos anos 50, já integrava orquestras e conjuntos atuando tanto em shows quanto gravações. Em entrevista recente ao jornalista Rubem Confete, lembra a importância que foi ter tocado nos táxi-dancings, em voga na época:

RC – Táxi-dancing. Tocar num Táxi-dancing. Como é que era?

WN - Escola. Pra músico então, deus me livre, porque você não parava. Você tinha que tocar sem parar, mudar os ritmos, mudar as coisas sem parar.

RC - É porque tinha aquela velocidade do cartão né? Era um minuto de música praticamente, não tinha bis, não tinha nada não.

WN – Não, não. Era sem parar. Eram duas bandas. Uma substitui a outra, emendando... não parava a música. A música começava às 22h da noite e ia até às 4h da manhã. (...). Eu trabalhei no Brasil e no Avenida. Eram os

dancings famosos na Av. Rio Branco, perto de onde era o Senado

Federal...em frente, que derrubaram... era edifício São Borja, no subterrâneo, e em frente era o Palácio do Monroe.44

Ademais, foi trabalhando na boate Brasil Dancing que surgiu sua primeira oportunidade para gravar, em 1958. Na ocasião, foi procurado para gravar a trilha de Orfeu do Carnaval, cujo crooner era João Gilberto45 . Nesse momento, dividia seu tempo entre os estúdios de gravação e a Rádio Nacional.

aí o Bituca me apresentou o Paulinho Magalhães (...) aí ele começou a me encaminhar para as coisas. Me levou pra Rádio Nacional, me apresentou o Luciano Perrone que era o “papa” da bateria. (...) Aí Paulinho Magalhães ligava pra mim: “vem cá, tem uma gravação lá na CBS. Vai lá e começa.” Por que ele tinha muitas gravações. Então ele dizia: “não vai da pra mim chega lá, tu vai la e começa. Se eu chegar, eu acabo de gravar, se não você faz." Aí eu dizia: “Paulinho, pelo amor de deus rapaz, não me bota em roubada. Será que vai da pé deu tocar lá?" Ele dizia: “se não desse pé não mandava você.”46

43 ALMEIDA, Guilherme de Vasconcelos. op.cit. 2016. p.41

44 Entrevista realizada em 02.04.2016 no programa “Ponto do Samba” concedida ao jornalista

Rubem Confete, na ocasião das comemorações dos 80 anos da Rádio Nacional. Disponível em:

http://radios.ebc.com.br/ponto-do-samba/2017/09/especial-com-wilson-das-neves-e-reprisado-no-ponto-do-samba. Acessado em: 19.02.18.

45 Programa “Ô sorte! Wilson das Neves e Convidados”, entrevista concedida por Wilson das Neves

a Paulo César Pinheiro. Disponível acesso: https://www.youtube.com/watch?v=7cMXfmTbmRw

Acessado em: 19.02.18

46 Entrevista a realizada em 22.12.16 para o programa “Apresenta Som” concedida ao jornalista

Tiago Alves. Link para acesso: http://radios.ebc.com.br/armazem-cultural/edicao/2016-12/apresentasom-com-wilson-das-neves-o-sorte. Acessado em 19.02.18

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A Rádio Nacional foi o ambiente de trabalho que, segundo o próprio músico, consolidou sua vida de baterista profissional. Convivendo com inúmeros artistas, cantores, maestros, arranjadores, o músico foi contratado pela Rádio e tocava principalmente nos programas de auditório. Com pouco tempo de ensaio com as orquestras – pois tudo era gravado ao vivo - e com as partituras já escritas para os instrumentistas (compondo uma variedade de ritmos, estilos), o baterista obteve sucesso também nesse ramo de trabalho. Em entrevista a Rubem Confete, detalhou os bastidores com a emissora.

RC – Quando você chegou na Rádio Nacional, o que você percebeu? WN - Eu cheguei na Rádio Nacional através do Paulinho Magalhães, que era meu padrinho musical, e eu substituía ele né, porque ele grava muito. E ele me pedia pra fazer pra ele aqui, as vezes que ele não podia. Eu substituía ele. Quando eu chegava aqui e via o maestro Radamés, dava pra tremer né...o Perachi, Lazolli, e tantos outros, Moacir Santos.

RC - Diga pra mim, chegava e o já maestro entregava a partitura, e já tinha que atacar, como é que era, ou ensaiava?

WN – Não, já tinha um ensaio, porque tudo era ao vivo. Então enquanto tinha um programa no auditório, atrás do auditório tinha uma sala que a gente ensaiava o próximo programa. Então chegava lá as músicas já

estavam separadas pelo maestro Chiquinho...Chiquinho do

Lenço...(risos)... grande figura né, que era o arregimentador da Rádio e que organizava tudo. Então quando a gente chegava pro ensaio, a pasta já estava lá na bateria, era só o maestro dizer, tal música, tal música...e os cantores, e aquelas passagens musicais, os anúncios. Porque tudo era ao vivo né, não tinha nada gravado.

RC – E dava problema ou não?

WN - Não, não dava problema pelo seguinte: porque os músicos já tavam cansados de tocar né, já sabiam tudo...E uma prática enorme. O problema que podia dar era eu. E eu chegava antes, dava sempre uma olhadinha, ficava sempre na expectativa, com muita atenção porque o programa era ao vivo. E você não podia vacilar, porque não podia voltar...(risos)...não tem voltar nenhum...é saiu, saiu..e se saiu errado era um problema muito sério, você não vinha mais.

(...)

RC – E os cantores? Como é que eles se saiam nessa hein?

WN - Eram também todos cantores “calejados”, aqui não tinha amador. Era tudo profissional. Não tinha erro. Eu toquei com todos artistas da Rádio: Elizeth, Jorge Goulart, Nora Ney, Eleninha Costa, Angela Maria, Dalva de Oliveira, Nuno Roland e eram muitos, muitos...porque todos programas tinham cantor né.(...) Fora os programas humorísticos, que tinha o Balança

mas não cai, tinha o Lira do Chopotó...e tinha passagem musical nesses

programas, as vinhetas...e música ao vivo...era um olho na parte e outro no maestro. E o maestro tinha a grade - que ele regia pela grade - e tinha um script, que tinha que acompanhar. Porque a cada deixa do humorista ele tinha que largar uma vinheta...era um negócio muito interessante. Com prática...eles tinham prática disso né.47

(39)

As orquestras eram big bands com quatro trombones, quatro trompetes, cinco saxofones, cordas, piano, contrabaixo e “sempre quatro percussionistas: Seu João da Baiana, Heitor dos Prazeres, Noel Canelinha, Marçal, Luna, Elizeu, Jorjinho do Pandeiro (que era do Época de Ouro)”48 . As orquestras eram divididas de acordo com os programas e havia músicos e maestros específicos para cada orquestra. Nas palavras de Wilson: “Cada orquestra tinha seu baterista e os maestros e os percussionistas, e todos músicos trocavam. Saia uma orquestra e entrava outra. Era uma maravilha, dava emprego pra muitos músicos né.”49

Em concurso realizado em 7 de abril de 1964, Wilson foi aprovado para seleção de instrumentista do Teatro Municipal50 do Rio de Janeiro e largou temporariamente as gravações e a Rádio Nacional. Porém, não mais que três meses depois, o baterista abandonaria a carreira de funcionário público. Nesse momento volta para os estúdios e passa a integrar o conjunto de Ed Lincoln e a orquestra da TV Globo.

48 Idem. 49 Idem.

(40)

1. 3. O LP Os Ipanemas (1963)

Em matéria publicada no jornal Correio da Manhã em 21 de setembro de 1963, Robert Celerier tece suas críticas quanto ao lançamento do disco Os Ipanemas pela gravadora CBS:

Integrado por músicos dos estúdios da Columbia e liderado pelo conceituoso trombonista Astor, este conjunto gravou um compacto dos mais interessantes. É claro que a Columbia não está fazendo discos por amor à arte. “Os Ipanemas” não escapam de certas contingências comerciais. A escolha de temas já bastante conhecidos como “Garota de Ipanema” e “Batida diferente” já garantem o sucesso. Aliás, é incrível o número excessivo de gravações dos mesmos temas de B.N. Se nossos jovens compositores continuarem a dormir sobre os louros já recebidos, a Bossa-Nova usará bengala e barba branca, e a garota de Ipanema já terá bisnetos. As interpretações destes dois temas não são diferentes do que se podia esperar de um disco comercial. Mas é em “Berimbau” de Baden-Powell e “Kenya” do próprio Astor que se concentra nosso interesse. O tratamento dado às melodias está em perfeita conjunção com a simplicidade primitiva das melodias e as sugestões dadas pelos títulos. É mais uma manifestação desta tendência que está preocupando atualmente quase todos os músicos: a negação da técnica sem fim musical, das complicações inúteis e o interesse pelas raízes da música. Tendência louvável, pois pode ser considerada como um reestruturamento de todas as bases, para organização de um passo a frente. 51

Percebido pelo crítico o caráter comercial do disco, em que na escolha dos cânones consagrados pela bossa-nova garantiriam o sucesso no mercado fonográfico, o texto fornece pistas para compreender a concepção estético-estilística do grupo. Classificado como “um nôvo conjunto de bossa-nova”, o discurso de Celerier aponta seu interesse para os novos rumos da música popular, naquele período, a favor de uma música que contemple simultaneamente o “interêsse pelas raízes” (representado aqui pela tradição) e o caráter reestruturador operado pelo elemento moderno que garanta “um passo a frente”. Interessante também como o jornalista impõe os códigos artísticos que garantem a legitimidade

51 CELERIER, Robert. “Nôvo Conjunto de Bossa-Nova”. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro,

Referências

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