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Superando a concepção natural do espaço apenas como um ambiente inerte e passivo, a visão de um espaço geográfico socialmente construído, tanto como um receptor dos processos sociais quanto como o próprio ativador destes processos, torna-se cada vez mais relevante na compreensão dos fenômenos envolvidos no processo saúde-doença. Neste sentido, a epidemiologia se apresenta como um referencial privilegiado na articulação entre os elementos lugar-tempo-pessoas. A epidemiologia destaca o papel do território na reprodução das iniquidades em saúde e a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que abordem o espaço como elemento constitutivo do processo saúde-doença bucal.

A evolução da própria Epidemiologia, revelando um potencial epistemológico e metodológico para se postular como Ciência da Saúde (BALDANI; VASCONCELOS; ANTUNES, 2004), e o reconhecimento de uma necessidade de se buscar transformações estruturais que desequilibrem o sistema desencadeante das iniquidades, ao invés de apenas propor medidas corretivas biológico-ecológicas (PINTO, 1989), reforçam a validade de uma estratégia conceitual e metodológica que tenha como perspectiva a abordagem do espaço geográfico-social entendido como expressão das condições de vida da população (SILVA; ALMEIDA FILHO, 2009).

Barros (1986) destaca que a adaptação ativa do ser humano no espaço, não mais simplesmente ocupado ou aproveitado (adaptação passiva), mas transformado, fruto da evolução das próprias formações sociais, compreende não apenas a produção de bens materiais, mas também a adequação do meio ambiente circundante às necessidades individuais, familiares, comunitárias e das formações sociais em seu conjunto.

Com efeito, as diferentes formas de inserção social refletem não apenas a desigual distribuição territorial, mas diferentes perfis epidemiológicos (ANDRADE, 2012).

Os avanços técnico-científicos não apresentam repercussão de maneira igual entre as diferentes classes sociais. O paradigma biologicista, hegemônico na prática odontológica, insiste em controlar as doenças bucais baseando-se na limitada tríade ecológica de Leavell e Clark. Neste sentido, substituíram-se as formas de tratamento, mas sem que houvesse uma reflexão sobre as origens sociais, muitas vezes reduzidas nas variáveis renda e escolaridade.

Em contrapartida, reconhecemos uma reprodução, de expressão espacial, das condições de vida e saúde da população na medida em que o local de moradia do indivíduo reflete sua própria condição socioeconômica. Dessa maneira, o território, como reflexo das condições econômicas de seus habitantes e sujeito às iniquidades sociais e políticas, poderia

influenciar negativamente as condições de vida de seus ocupantes. Percebe-se, então, que o território passa a gerar (e gerir) a pobreza de forma sustentável.

Com efeito, ações em saúde devem ser pensadas, articuladas e executadas de forma intersetorial. Acreditar que medidas somente no campo da saúde bucal serão capazes de resolver as iniquidades na distribuição do processo saúde-doença é um discurso análogo àquele que afirma ser o papel da Odontologia apenas o de cuidar dos dentes. Quando consideramos o espaço onde as doenças e agravos à saúde são produzidos, compreendemos o impacto que ações “extrabucais” podem gerar nas condições de vida da população e em sua saúde.

Assim, defendemos a premissa de que indivíduos com perfis sociais semelhantes (renda, escolaridade, sexo, grupo etário, grupo étnico, entre outros) podem apresentar diferentes níveis de saúde bucal, dependendo do seu local de moradia e dos atributos desse local. Indo mais além, as chances de um indivíduo usufruir de uma boa saúde bucal podem estar associadas não apenas ao seu local de moradia, mas também aos lugares por onde esse indivíduo transita em sua experiência cotidiana de vida.

A “espacialização da população” e, consequentemente, de suas condições de vida e

saúde, possibilita ampliar a compreensão da distribuição das iniquidades em saúde. O padrão de ocupação e uso desse território, antes de ser apenas uma questão geográfica, reflete os complexos processos históricos e sociais presentes nas coletividades humanas.

3 JUSTIFICATIVA

Muito mais que conhecer os dados primários de morbidade bucal, é necessário conhecer e entender a relação da doença com as condições sociais e econômicas da população para que se possa efetivamente promover saúde bucal. Pois promover saúde é uma estratégia complexa que implica a compreensão da relação do homem ou das populações com seus padrões de desenvolvimento, suas relações com seu ambiente sociocultural, com suas necessidades, direitos e condições de vida.

Portanto, este estudo se justifica por buscar esclarecer a associação entre as principais condições sociais e econômicas da população das capitais brasileiras com suas condições de saúde bucal, assim como a influência da política nacional de fluoretação das águas de abastecimento no nível de saúde oral da mesma.

4 OBJETIVOS

4.1 OBJETIVO GERAL

Avaliar a relação das condições socioeconômicas e da política pública de saúde bucal com as condições de saúde bucal nas capitais brasileiras.

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Avaliar a associação entre indicadores socioeconômicos e de política pública de saúde bucal com o índice de cárie dentária aos 12 anos;

Analisara associação entre indicadores socioeconômicos e abastecimento de água fluoretada com a média de dentes perdidos aos 12 anos na população das capitais; Avaliar a associação entre indicadores socioeconômicos e fluoretação das águas de abastecimento com a prevalência de população livre de cárie dentária nas capitais;

Construir um modelo explicativo para a variação do o CPO-D aos 12 anos baseado nas condições socioeconômicas das capitais brasileiras;

Construir um modelo explicativo para a variação da média de dentes perdidos aos 12 anos baseado nas condições socioeconômicas das capitais brasileiras;

Construir um modelo explicativo para a variação da taxa de população livre de cárie de acordo com as condições socioeconômicas das capitais brasileiras.

5 MÉTODO

5.1 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA

O presente trabalho trata-se de um estudo agregado transversal, definido como ecológico analítico de múltiplos grupos, tendo como população de referência as 27 capitais brasileiras.

5.2 DADOS E FONTES

Foram coletados dados referentes à saúde bucal, política pública de saúde bucal e condições socioeconômicas das capitais brasileiras e Distrito federal no nível agregado visto que a unidade de análise são as capitais.

Os dados de saúde bucal foram obtidos do Ministério da Saúde, através do levantamento nacional de saúde bucal realizado em 2010, denominado Projeto SB Brasil 2010. As variáveis utilizadas para avaliar as condições de saúde bucal da população foram CPO-D aos 12 anos, média de dentes perdidos e taxa da população livre de cárie aos 12 anos.

Assim como os dados anteriores, os dados correspondentes à política pública de saúde bucal foram obtidos do Ministério da Saúde, porém através dos registros do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua). Utilizou- se apenas a presença/ausência de fluoretação das águas de abastecimento das capitais e Distrito.

Os dados referentes às condições socioeconômicas da população tiveram como fonte o Censo Demográfico Brasileiro 2010 do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística. Do Censo foram utilizados dados dos resultados gerais da amostra (taxa de saneamento adequado, taxa de analfabetismo, renda média domiciliar per capita, proporção de pessoas com baixa renda, taxa de desemprego e expectativa de vida) e dados do universo (densidade domiciliar média e taxa de urbanização).

O índice CPO-D é um indicador criado pela Organização Mundial de Saúde que reflete as condições de saúde bucal de um individuo ou grupo de indivíduos. Pode ser obtido em qualquer idade, desde que o indivíduo já possua dentes permanentes. Geralmente é calculado aos 12 anos, idade que é utilizada como referência nas pesquisas atuais. Para obtenção deste, soma-se o número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados de

cada individuo, resultando no CPO-D individual. Para cálculo do CPO-D de uma população soma-se o CPO-D de cada indivíduo e divide-se pelo total da população.

O número de dentes perdidos é um dos componentes do indicador CPO-D que reflete o número de dentes permanentes perdidos de um indivíduo ou a média de dentes perdidos de uma população. É um indicador largamente utilizado na atualidade que reflete a pior condição de saúde bucal, a perda dentária, a qual tem sido bastante combatida com a redução do número de dentes cariados e as técnicas de prevenção e promoção de saúde.

Taxa da população livre de cárie: com o declínio da doença cárie este indicador passou a ser bastante usado nos estudos agregados nos últimos anos devido ser uma medida coletiva de saúde bucal. É um indicador de saúde bucal que avalia quanto de uma população nunca foi atingida pela cárie. Para seu cálculo soma-se o número de pessoas acima de 12 anos com CPO-D igual a zero e divide-se pelo total de pessoas.

Presença de água fluoretada de abastecimento: sabidamente o flúor é um protetor da saúde bucal contra a doença cárie. O Ministério da Saúde, através da política Brasil Sorridente, vem incentivando os municípios para a sua implantação nas águas de abastecimento, no entanto, nem todas as capitais brasileiras contam com água de abastecimento fluoretada. Desta forma, resolvemos avaliar a ausência de flúor como fator determinante de cárie junto às demais condições de vida da população das capitais brasileiras. Neste estudo, a capital foi considerada pertencente ao grupo com a água de abastecimento fluoretada apenas pela declaração de implantação de fluoreto nas suas águas de abastecimento no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua). Portanto, não levamos em conta o teor ótimo de fluoreto para cada cidade, a abrangência de cobertura da rede de abastecimento e o tempo de implantação do programa de fluoretação.

Densidade domiciliar: indicador muito utilizado no Brasil para avaliar a situação do agregado familiar e adequação domiciliar, refletindo a infraestrutura do local de moradia. Calcula-se através do número total de pessoas que vivem juntas na habitação dividida pelo número de cômodos da habitação.

Taxa de urbanização: percentagem da população que vive na área urbana em detrimento a população total. Usada para avaliar o acesso das pessoas aos serviços de infraestrutura urbana como água, luz e esgoto.

Taxa de saneamento adequado: indicador de infraestrutura que avalia as condições de moradia de uma população. É a percentagem de domicílios particulares permanentes que estão ligados à rede coletora de esgoto ou possuem fossa séptica num determinado lugar.

Taxa de analfabetismo: Indicador que avalia as condições sócio-educativas de um grupo e consiste no número de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever uma frase no idioma que conhecem, em relação ao total de pessoas do mesmo grupo. Razão entre o somatório do número de pessoas analfabetas e o número de pessoas alfabetizadas que estão nessa faixa etária.

Renda média domiciliar per capita: indicador largamente usado para analisar as condições econômicas e o poder aquisitivo de uma população. É o quociente entre a renda familiar total (advinda do trabalho, aposentadoria, transferência de renda governamental, aluguéis e rendas financeiras) e o número de membros da família.

Proporção de pessoas com baixa renda: indicador que retrata a situação de carência de rendimentos suficientes. Avalia a proporção de pessoas que vivem em situação de miséria, ganhando menos que o necessário para custear suas necessidades básicas ao longo de um mês. Proporção da população com renda média domiciliar per capita de até meio salário mínimo.

Taxa de desemprego: indicador importante para monitoramento das políticas de emprego e distribuição de renda. Parcela da população economicamente ativa, prontamente disponível para ser engajada no mercado de trabalho, que se encontra desocupadas, frente a população economicamente ativa total.

Esperança de vida: é um indicador demográfico alternativo para avaliar as condições de saúde da população. Apesar de seu cômputo ser bastante complexo, pois leva em consideração não apenas os riscos da mortalidade infantil, mas todo o histórico de mortalidade de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos; seu significado é bastante simples: aponta o número médio de anos que se espera que um recém-nascido possa viver em uma dada sociedade.

Quadro 01- Variáveis dependentes de interesse no estudo

Variáveis Dependentes

Saúde Bucal

CPO-D 12 anos

Média de dentes perdidos aos 12 anos Taxa CPO-D zero

Quadro 02- Variáveis independentes de interesse no estudo

Variáveis Independentes

Densidade média domiciliar Taxa de urbanização

Taxa de saneamento adequado Taxa de analfabetismo

Renda média domiciliar per capita Proporção de pessoas com baixa renda Taxa de desemprego

Esperança de vida

Presença de água fluoretada de abastecimento Fonte: autoria própria

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