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Lutas e conquistas dos movimentos sociais do campo por direitos sociais

2. MOVIMENTOS SOCIAIS E A DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS: educação, saúde e habitação.

2.2. Lutas e conquistas dos movimentos sociais do campo por direitos sociais

Pela análise desenvolvida no tópico anterior, constata-se que os ideais neoliberais começaram a permear as políticas públicas no Brasil a partir da década 1990 no governo de Fernando Collor de Melo seguindo as orientações para a América Latina estabelecidas através do Consenso de Washington (1989), do qual participaram economistas de instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional - FMI e o Banco Mundial reunidos em Washington D.C. O Consenso se caracteriza por um conjunto de medidas que tem por objetivo diminuir a intervenção do Estado no mercado e suas responsabilidades sobre a sociedade civil, marcado por uma onda de privatizações e reestruturação produtiva.

Nesse período, os governos da América Latina atravessavam a maior crise de sua história, caracterizada pela estagnação econômica registrada por altas taxas de inflação. A maioria dos países tiveram sua renda por habitante paralisada e taxas de inflação muito elevadas. O Consenso de Washington buscava explicar os motivos da crise na América Latina, bem como propor saídas para supera-la através de reformas. De acordo com essa abordagem a crise possuía duas razões: a primeira pelo excessivo crescimento do Estado, traduzido por protecionismo, excesso de regulação e de empresas estatais ineficientes; e o segundo pelo populismo econômico que se defini pela incapacidade do Estado em controlar o déficit público e de manter sob controle os salários tanto da esfera privada como da pública.

Ainda nesse período, a globalização é intensificada nas economias dos países graças ao desenvolvimento de novas tecnologias de informação, transporte e comunicação que aprofundam o processo de globalização, que engendram as atuais relações de produção em todo o mundo.

O processo de globalização configura-se, primeiramente, pela financeirização do capital, em que as relações de exploração financeira entre os países, principalmente, os periféricos e de centro se viabilizaram, trazendo a mesma lógica de exploração para dentro de cada país.

O capital internacionaliza-se por meio de sua forma financeira, vinculando- se as economias de cada nação, mediado pela bolsa de valores, compra de títulos de dívidas internas e externas juntamente as organizações internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

(...) nesta fase de globalização neoliberal, o Estado vai gradativamente perdendo força e deixando muito maior liberdade para que as “forças do mercado” comandem a economia. (...) O economista Reinaldo Gonçalves a atual globalização econômica como um jogo de poder em que interferem como a gentes fundamentais a grande empresa transnacional, instituições como o FMI e o Banco Mundial, e o Estado. (...) A globalização econômica se desdobra em quatro formas ou dimensões: a comercial, a produtiva, a tecnológica e a financeira. Políticas neoliberais e de desregulamentação mundo afora nas décadas de 1980 e 1990 foram decisivas na consolidação desse processo, aliadas a um novo padrão tecnológico que permitiu a enorme aceleração das trocas de produtos, capital e informações (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 41).

As novas tecnologias, que servem a dinâmica do mercado, gradativamente se tornam parte da vida cotidiana da sociedade civil, passando a constituir um conjunto perceptível de mudanças na realidade da população em todo o mundo. Desse modo, a maior parte da população mundial encontra-se marginalizada quanto aos benefícios e praticidades que fazem parte da globalização, evidenciando uma situação de exclusão social resultante desse processo global.

Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de sua cidadania verdadeiramente universal. (...) De fato, para grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. (SANTOS, 2000, p. 19).

Um dos principais efeitos da globalização, atualmente, é a tendência do capital financeiro fortalecer a relação de dependência dos países subdesenvolvidos em relação aos países desenvolvidos. Essa conjuntura tem levado a produção agrícola a atender prioritariamente as exigências do mercado externo em detrimento do mercado interno, ou seja, a maior parte da produção agrícola restringe-se a mercadorias de bens e serviços em larga escala por meio dos latifúndios e da monocultura.

Os pequenos produtores que se dedicam a agricultura familiar, no Brasil, dispõe de uma pequena parte das terras para desenvolver sua produção agrícola. Dessa forma, o Estado prioriza os grandes latifúndios, produtores em larga escala, e relegam a agricultura familiar em seus projetos de governo.

Apesar de sua postura radical no passado e de seus muitos anos de desenvolvimento na luta de classes, o presidente Lula manteve a integração do Brasil ao neoliberalismo disciplinador. Seu governo tentou equilibrar políticas econômicas e financeiras ortodoxas com algumas iniciativas voltadas para as desigualdades sociais no país. Sob Lula, portanto, a aliança subordinada da classe dominante com o capital internacional continuou, e apolítica econômica parece ter atendido, de modo geral, aos interesses dessa aliança. Com efeito, no governo Lula, o modelo neoliberal continuou a ser aplicado no setor agrário, aspecto fortemente criticado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). (...) Essas políticas sustentam uma situação na qual menos de 3% da população possui dois terços da terra; 1,6% dos proprietários de terra possuem (mas não necessariamente cultivam) 46, 8% da terra. Quase um milhão de pequenas propriedades desapareceram de 1985 a 1996 – pois as políticas neoliberais implicaram a corte de subsídios agrícolas -, e, em 2002, 4,8 milhões de famílias não possuíam terra. O desemprego rural cresceu para 5, 5 milhões e, em apenas cinco anos (1995- 1999), 4 milhões de brasileiros trocaram o campo pelas cidades (Mc. Michael, 2003) (GILL, 2007, p. 20).

Observa-se portanto que, os movimentos sociais do campo tem um grande desafio a ser superado no que tange as questões que envolvem a luta pela terra, pois a reforma agrária não tem sido priorizada pelo Estado e as multinacionais só tem crescido no meio rural, além da negação por parte do governo dos direitos como educação, saúde, habitação e renda.

Cada vez mais as empresas multinacionais tem ocupado espaço no campo, principalmente, nos países subdesenvolvidos, monopolizando a produção agrícola e estabelecendo uma relação de dependência dos pequenos produtores, situação essa que se constitui grande desafio para os movimentos sociais na luta pela terra.

O campo, portanto, é um espaço de disputa onde estão presentes distintos interesses entre a classe trabalhadora e os grandes empresários, expressão do embate entre o trabalho e o capital. Antunes (1997) ressalta que luta possui uma dimensão internacional, consequência das prioridades estabelecidas pelo Estado neoliberal representado pelas empresas transnacionais que cada vez mais invadem o espaço camponês sob a influência das ideologias impostas pelo neoliberalismo. Nesse processo de globalização, a reestruturação produtiva é uma das estratégias utilizadas para garantir os níveis de ganho do capital. A introdução de novas tecnologias impacta negativamente as relações de trabalho, desencadeando o aumento do desemprego no campo e na cidade, flexibilizando os processos produtivos, as leis trabalhistas, induzindo a terceirização de serviços.

Toda essa dinâmica desencadeada pela globalização se reflete na luta dos movimentos sindicais e sociais por moradia, reforma agrária, emprego, entre outros, induzindo as organizações das forças populares do campo se revoltarem contra os ditames do modelo neoliberal que orientam o setor agrário. A forma como os movimentos sociais do campo se organizam politicamente se constituem uma clara cobrança por políticas públicas que garantam os direitos sociais e políticos dos camponeses. Entende-se, dessa maneira, que as relações de produção capitalista induzem a exploração do trabalho e desumanização do trabalhador, condição inerente ao sistema.

Na visão de Silva (2004) o conflito entre o capital e os trabalhadores rurais significa uma resistência política e econômica para a efetivação da reforma agrária que vai além da efetivação de políticas públicas nos moldes do Estado de Bem-Estar social, mas que requerer transformação social. Ao analisar essa relação, Martins enfatiza que:

Em tese, concorda com a análise marxista-leninista de que o processo de expropriação da terra e de todos os instrumentos de trabalho do camponês, articulado à sua proletarização, ou à sua transformação em operário de fábrica, ou ainda, o desenvolvimento das forças produtivas em confronto com as relações sociais de produção estabelece as condições radicais de antagonismo de classe; desse modo, portanto, coloca-se no horizonte a possibilidade de transformação social. (MARTINS, 1983, p. 10).

Martins (1983) afirma que o capital é “resultado da apropriação do produto do trabalho assalariado” e a terra “é um bem natural, imóvel, que não pode ser reproduzida pelo trabalho”, em outras palavras, o trabalho é produto de si mesmo, nessa perspectiva, a terra em si não é capital. O autor coloca a questão da sujeição da terra ao capital e a luta pela terra como forma de luta pela reforma agrária, baseando-se nos estudos marxistas em O Capital (cap. XXXVII, Livro 3. Vol. 6, 1984), que aborda o tema da questão fundiária.

[...] para mostrar que a produção da riqueza é social, porque é produzida pelos trabalhadores do campo e da cidade, porém sua apropriação é privada, pela capital enquanto uma relação social. Então, a contradição gerada pela propriedade privada da terra, que garante a apropriação privada da riqueza social, é uma contradição peculiar ao modo capitalista de produção (MARTINS, 1983, p. 121).

Destarte, o autor conclui que o camponês precisa superar as relações capitalistas de produção, pois capital e trabalho são inseparáveis. Somente lutar por reforma agrária não resolverá a sujeição do trabalhador a exploração capitalista, visto que a luta dos trabalhadores rurais é também uma luta de classes. Por conseguinte, propõe-se a derrubada das propriedades privadas no campo e uma nova forma de utilização da terra, que não seja caracterizada pela exploração do trabalhador e pela exclusão da agricultura dos pequenos produtores, mas que a terra venha a cumprir seu papel social.

Frente a essa realidade e as condições para enfrentamento desse desafio, os trabalhadores entram em conflito com os latifundiários alimentados pelas injustiças que sofrem quando são despejados de suas terras, quando são ameaçados, ou até mesmo, violentados pelos que tem os aparelhos repressores a sua disposição. Unem-se para lutar por direitos fundamentais de qualquer ser humano, tais como: direito a vida, a liberdade, o trabalho, e a terra para viver com a família, plantar e criar os filhos com autonomia.

O modo de produção capitalista, que invadiu o território camponês e impôs características próprias de seu modo de produção, fez emergir forte oposição por parte dos movimentos dos trabalhadores do campo, uma vez que as políticas neoliberais excluem a agricultura empreendida pelos pequenos trabalhadores, além dos grupos tradicionais do campo, como os quilombolas, indígenas, ribeirinhos etc.

Assim, a década de 1990 é considerada a década que registrou intensa organização dos povos do campo de resistência ao projeto neoliberal de desenvolvimento e pela defesa de seus direitos sociais, historicamente preteridos pelo Estado.

Diante do fortalecimento das lutas dos povos do campo, conquistas como o reconhecimento das terras quilombolas e dos territórios indígenas foram alcançadas nas últimas décadas, entretanto, essas conquistas foram meramente parciais, requerendo que novas lutas surjam para que esses direitos saiam do papel e se concretizem efetivamente e para que outros direitos mais específicos sejam garantidos.

Entre outros movimentos sociais surgidos nas últimas décadas, destaca-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), um dos mais importantes atores na luta pela reforma agrária para a construção de um novo projeto de vida no

campo brasileiro. O MST surgiu sob a influência da MASTER e das Ligas Camponesas no ano de 1984, fortalecida na compreensão de que a terra para os movimentos populares do campo constitui espaço de vida, de relações, organização política, e segundo Martins (1989), de cultura popular que vem acompanhando os pobres há séculos em suas músicas, símbolos, mística, gestos de luta, desobediência e resistência.

Pode-se entender porque a cultura popular deste país constitui um arquivo multicolorido, retalhos da história do povo, de canções que celebram o amor e a festa e, frequentemente, dissimulam a guerra e o luto, Memória de um povo que, ao contrário da pequena burguesia intelectualizada, não separa a festa e a luta, porque sem a festa a luta não tem sentido. A canção e a poesia prefiguram a apoteose do ser em relação ao ter (MARTINS, 1989, p. 12).

Os movimentos populares do campo acreditam num projeto socialista de desenvolvimento associado à questão agrária que não se volta apenas para resultados econômicos individualizados. O acesso à terra deve romper com a lógica da propriedades privada burguesa que se apoia na apropriação de renda e numa política retrógrada e antidemocrática.

A libertação dos pobres e marginalizados não começa e nem acaba na propriedade. Hoje falamos de libertação de maneira nem sempre sequente. O discurso da libertação corre risco de se tornar um discurso abstrato e sem sentido se não reconhecer que a libertação não se resume ao discurso. A libertação, isso é, a emancipação do homem, se dá na prática ou não se dá. (MARTINS, 1989, p. 14).

O projeto de reforma agrária empreendido pelos movimentos do campo não se resume a distribuição de terras, mas defende o direito a educação, saúde, segurança, cultura, lazer, moradia, transporte, saneamento básico, entre outros direitos de qualquer cidadão, contrapondo-se a ordem capitalista e superando a hegemonia do capital. Na prioridade desde projeto encontra-se a educação como meio pelo qual homens e mulheres terão as condições necessárias para empreender esse projeto social.

As organizações populares camponesas acreditam veementemente que o Brasil precisa de um novo projeto educacional articulado as lutas pela terra. Assim, os movimentos, defendem uma nova concepção de educação no e do campo em oposição a educação rural tradicional que nega a história dos trabalhadores, sua cultura, trabalho e modo de viver no campo.

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2.3 A luta dos movimentos sociais do campo por um projeto educacional: