• Nenhum resultado encontrado

1. DELINEAMENTO DO CAMINHO DA INVESTIGAÇÃO

3.1 Luzes do caminho formativo: resgatando a emoção pessoal das

Somos gente porque “pulsamos” entre os outros e o Outro que nos habita tributário daqueles, na nossa constituição sui gêneris de seres “geneticamente sociais”.

Esther Grossi (1994, p.217)

Pensar sobre o processo formativo dos outros, sobre a constituição de ser professor, sobre o processo dinâmico da construção de uma identidade profissional de professor formador e de forma mais específica formador de professores na URI, me fez pensar sobre os meus próprios espaços de lutas, me fez buscar e recuperar as representações de minha história pessoal, profissional e institucional.

Tornou-se impossível falar sobre a história formativa de outros professores, sem fazer e refazer um pouco da história pessoal, pois acredito que esta constitui em um caminho fértil para a formação. Segundo Oliveira, (2003, p.259),“a reatualização de certos traços marcados nos percursos da vida daqueles que escolheram a docência e, mesmo daqueles que, por um motivo ou outro, se tornaram professores universitários, reconstruídos nas narrativas, possibilitam a compreensão dos tempos e espaços de formação”. Vivemos enquanto grupo de ação em permanente busca de sentido para a experiência de ser formadora de professores, a trajetória pessoal/ profissional contém elementos significativos para a compreensão sobre

nossas motivações, nosso desejos e representações pela atividade formativa.

Os caminhos trilhados por mim, hoje , constituem representações do passado e do presente, neste sentido o passado exerce um ponto de referência significativo, pois o novo que se apresenta conserva muito do velho, que foi construído no interjogo das relações passadas, sendo significado e ressignificado nas relações do hoje. Existe nesse movimento do ontem e do hoje uma circularidade de saberes e conhecimentos que me torna sujeito ativo de minha própria pesquisa. Minha identidade pessoal / profissional se constitui no tempo, como produto das relações como os outros, o outro está permanentemente na minha pessoa. Pensar sobre os professores formadores da URI significa construir e revelar uma trajetória de implicação consigo mesmo e com o outro.

No percurso da pesquisa, não foi possível deixar de viver momentos de muitas reflexões sobre a minha constituição como professora nos diversificados níveis de ensino e, de forma mais atual, como formadora de professores, pois pensar sobre quem são os professores de licenciatura da URI e pensar sobre o que fazem, implica numa reflexão pessoal sobre minha atuação enquanto formadora de professores.

O encontro pessoal/profissional com a formação de professores aconteceu a dois anos, período que coincide com a minha aprovação na seleção do mestrado. O convite para deixar a coordenação pedagógica do Ensino Fundamental da Escola da URI, atividade que exercia a 8 anos, constituiu-se em um grande desafio e ao mesmo tempo a renúncia de continuidade de uma atividade profissional que dava muito prazer, na qual me sentia comprometida, implicada de forma inteira. O amor pela Escola

de Educação Básica dificultou muito a decisão ao enfrentamento da nova atividade profissional. Ir para a o Ensino Superior significava deixar de exercer atividade profissional na escola da Universidade, pois a referida atividade acontece de forma concomitante com a atividade profissional na Rede Pública de Ensino, com uma carga horária de 40 horas semanais.

Como professora formadora no Curso de Pedagogia, ao poucos fui familiarizando-me com o novo espaço da instituição, com as novas relações de trabalho e com a dinâmica de relações interpessoais presentes no contexto do nível superior, ao mesmo tempo iniciei a atividade de pesquisadora, observando e refletindo cotidianamente o contexto vivido. Fui ao encontro dos significados promovidos pela intricada rede de relações, que envolvem um passado e um presente articulado com a pessoa de cada professor. Busquei muitas vezes na memória fatos, pessoas, conhecimento e experiências, pois ao ouvir e refletir sobre as vozes dos professores pesquisados, foi impossível não ouvir minha própria história, construída pela minha voz interior, que muitas vezes fez brotar a lembrança de momentos de grande significado pessoal/profissional.

Um destes momentos foi demarcado pelo sentimento de solidão, muitas vezes me senti só, muito só...no desempenho da nova atividade. O sentimento de solidão pedagógica, vem sendo denunciado por Isaia (1992; 2002 a; 2003a), que tem constatado nas pesquisas desenvolvidas a pouca valorização nas IES de espaços compartilhados de experiências e conhecimento pedagógico. Em Maciel (2000), este termo foi usado por um dos sujeitos da pesquisa, que ao ser questionado sobre como se sentiu em seu primeiro dia de trabalho no ensino superior, relatou sentir uma imensa solidão pedagógica. A causa deste sentimento estava ligada a falta de uma

mediação da Instituição e de alguém que o contextualizasse no trabalho a ser realizado.

Sou professora a 20 anos na rede Pública de Ensino, neste período atuei em todos os níveis da educação básica , no entanto a experiência de formadora é algo muito diferente, implica em aprender a aprender a ser professor em um nível de ensino para o qual não fui preparada. Muitas vezes me flagro pensando sobre o que é importante mediar, como fazer para que a minha atuação enquanto professora formadora de professores possa constituir-se em atividade significativa para o desenvolvimento de meus alunos, futuros professores.

Neste ponto coloco-me a pensar, como me tornei professora formadora de professores? Como me tornei professora do ensino Superior? Questionamento que vem se constituindo fonte de indagação de outras pesquisas (ISAIA, l992, 2000, 2002, 2003; MACIEL, 2000; LEITE, 2003; LONGHII & KALIL, 2003; MASETTO, 2002; PIMENTA& ANASTA- SIOU, 2002; PIMENTA 2002b;OLIVEIRA, 2003)

Foi assim que refiz a minha trajetória, pensei sobre fatos e pessoas marcantes. Voltei ao tempo e optei inicialmente pelo encontro e reencontro com meus antigos professores. Lembrei de professores fascinantes.... fascinantes professores...que foram importantes na minha vida formativa, pessoas que me ensinaram a sonhar... acreditar no meu próprio ser e na capacidade humanizadora do professor, enquanto pessoa e profissional. Identifiquei sete professores, sete vidas, que em diversificadas etapas da minha vida se fizeram presentes, mediando na linguagem cotidiana significados sobre a paixão de ensinar e aprender. Eles foram pessoas inteiras... professores inteiros, não tinham medo de se mostrar ... com

sutileza eram éticos, filosóficos, humanos, desejosos por formação para si e para “seus alunos”... Muito os amei e ainda os amo... guardo comigo o desejo de “ser enquanto professora”, um pouquinho de cada um deles.

Tenho convicção que os vínculos estabelecidos com eles foram sólidos e profundos e jamais serão esquecidos...deletados. Seus ensina- mentos perpetuam em minha mente...às vezes em minhas ações e com certeza alicerçam minha existência enquanto pessoa e profissional. Tenho convicção que lembrá-los significa resgatar muitas aprendizagens significativas e ao mesmo tempo uma pequena homenagem, pois muitas vezes não socializamos nossas experiências humanas e profissionais, guardamos a sete chaves nossa história e a história dos outros, com os quais aprendemos a ser. Precisamos humildemente resgatar o outro com o qual aprendemos, precisamos prestigiar e valorizar o encontro com a paixão, com o entusiasmo, com a satisfação pela arte de ensinar e aprender, resgatando a dimensão da temporalidade em nossa vida.

Seguindo a linha do tempo, apresento sete professores fascinantes, acredito que ao apresentá-los realizo uma análise sobre o significado do papel dos professores na formação de seus alunos, independentemente do nível de ensino. Procuro demonstrar um pouco do encantamento do processo formativo, despertado no encontro com os referidos professores.

Flora... impossível esquecer Flora. Ela era realmente especial...

angelical ... uma freira muito especial. Jamais esquecerei seu modo atencioso de falar, seu talento para resolver os “problemas infantis”. Coordenadora eficiente, professora encantadora... Ainda lembro do seu cheiro... do seu carinho...da organização da sala da pré-escola, das

orientações seguras diante das dificuldades.. das aulas de piano... da suavidade e docilidade da voz... do encantamento dos seus olhos diante das nossas peraltices ... dos passos sempre presente...do sorriso encantador... da alegria contagiante ... da sua vigília permanente e da mão segura para apoiar... Tudo ao seu lado tornava-se belo, havia muita cumplicidade e solidariedade. Os singelos momentos na sua presença, tornavam-se momentos de felicidade. Hoje, sinto-me tão distante dela e tão próxima ao mesmo tempo ... saudades!!!!

Cecília... Minha amada alfabetizadora... Atenciosa.. amorosa...

dedicada... exigente... criativa... acolhedora...otimista... e entusiasmada pelo que fazia. Com ela aprendi a ler e escrever, numa pequena escolinha isolada, em um balneário de Santa Catarina. Aprendi a amar meus alunos de forma incondicional, respeitar a diversidade, confiar no potencial dos alunos e principalmente amar... amar a profissão. Aprendi (...) que a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida que por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente éticos(...) Freire,(2001p.67).

Vânea... Acreditava na capacidade dos alunos, preocupava-se com a

construção do conhecimento e o desenvolvimento das pessoas que estavam a sua volta. Entusiasmo e amor pela profissão eram demonstrados diariamente através de suas ações. Seu olhar mirava para além dos muros escolares, incentivava a busca dos sonhos e dos desejos... “ir atrás” ..era o seu lema. Aquela pequena escolinha era conhecida pelos mérito de seus alunos e professores. Vânea era a grande responsável pelo sucesso.

Diretora incansável presente na escola inclusive aos finais de semana. Sua linguagem era extremamente afetuosa, com determinação buscava estabele- cer relações afetivas no contexto escolar. Em suas visitas a sala de aula demonstrava desejo de ver nosso crescimento, jamais economizou sorrisos, atenção, carinho e amor. Havia muita liberdade, no entanto as regras de convivência eram clara, firmes e com muito equilíbrio emocional, eram cobradas. Foi a partir de seus incentivos que tornei-me consciente de minhas possibilidades... criei asas... alcei vôo... “Nós sabemos os motivos”, obrigada!!!

Evelize... Meiga.. exigente... sempre presente... alegre...preocupada com o destino da cada um dos alunos da escola. Orientadora educacional, entrou de mansinho na minha vida, e me fez entender a importância de sua atividade profissional. Muito desejei ser igual a ela. As sessões coletivas desenvolvidas em aula eram esperadas com muita ansiedade, pois ela falava sobre nossas emoções, nossos sentimentos... ela sabia nos entender, de forma muito sutil buscava garantir a otimização das interações vividas na escola. Acreditava em nós... despertava nossa confiança, e estimulava a criatividade e a criticidade.

Sydnei... Sereno, alegre, envolvente, inteligente, educado, exigente,

criativo... Como suas aula eram interessantes. Para quase tudo, havia uma atividade integradora, um passeio, uma experiência. Estudar era muito fácil, bastava lembrar dos exemplos, dos slides, dos filmes e das explicações do próprio professor, que não media esforços para que todos fossemos capazes de aprender. Cotidianamente instigava nosso espírito

criativo, a problematização emergia das trocas e as respostas iam brotando das interações e das diversificadas fontes de pesquisa.

Heloísa... Talento, esforço, persistência, ousadia, autoconfiança,

eram os ingredientes usados para driblar as dificuldades impostas, procurava despertar a curiosidade, incentivava a busca de respostas, para os questionamentos... Professora de minha graduação cujo nome jamais esqueci. Sua alegria era contagiante, dela brotava o desejo de viver sempre que possível na sua presença. Seu entusiasmo na sala de aula era fascinante e delineava sua paixão pela arte de formar. Sedutora, diariamente demonstrava sua felicidade e sua paixão pelos enfrentamentos das dificuldades da profissão. Enaltecia a importância do amor, da dedicação e do espírito de busca, diante da atuação do professor. Primava pela ética e pelo estabelecimento de ações integradas no contexto escolar, lições que eram respaldadas pela ampla experiência prática na educação básica e na contexto universitário. Onde estará?

Ayda... Mulher forte, segura, corajosa... sem medo de buscar lugares

desconhecidos, desejosa por fazer, construir, inovar. Referência forte... marca registrada pela sua capacidade de convencimento... cativante... sedutora... afetuosa. Personalidade marcante, penetrante nas matrizes da memória, impressionando cotidianamente pelo entusiasmo e dedicação em tudo que faz. Adora um desafio... é persistente, acredita que sonhar é permitido... sonhar é preciso... é preciso correr riscos... caminhar no sentido de transformar os sonhos em realidade. Organizada... passo a passo concretiza seus desejos. De forma sutil, movimentação rápida... silenciosa e

eficaz, traça metas e encanta. Família para ela é um bem valioso... Humanitária, preocupa-se com o desenvolvimento dos outros... Coração... envolvido nas decisões... Estimuladora incansável do desejo de ensinar e aprender. Quantos ensinamentos, quantas aprendizagens!!!

3.2 Vislumbrando a energia do encontro na cumplicidade do passado,