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A um primeiro olhar parece bastante simplista essa definição e enquadramento de “tipos ideais”29 de médicos como se colocassem “coisas”

expostas em uma prateleira dispostas para serem compradas. Mas é importante comparar percepções de pessoas sobre conceitos chave dessa pesquisa. É claro que as coisas não podem ser examinadas de maneira tão simplista e precária. Há que se considerar todo um contexto na constituição desse imaginário, que

29 Segundo Weber, a construção do tipo ideal não é encontrada na forma pura na realidade,

existindo no plano das ideias. È um recurso metodológico, um meio de conhecer, não um fim em si mesmo. Importante frisar que a realidade em si, por ser infinitamente complexa, não deve ser confundida com os modelos propostos, que são simplistas, exagerados e idealizados e são constituídos para podermos compreendê-la melhor.

caracteriza as falas dos informantes. Ela surge como um modelo de médico desejado e elaborado em alguma fase da vida dos atores sociais, não se sabe bem de onde, mas aparece nas suas representações sobre o mundo e os conforta de alguma maneira.

Rubem Alves quando entrevistado pelo jornal do Conselho Federal de Medicina (CFM, 2010, nº 182), expõe algumas características que considera fundamentais em um médico. Para ele, a relação com o médico deveria ser uma relação de amizade, e o que o paciente mais espera do profissional de saúde que o atende é ser levado a sério. Ainda segundo Rubem Alves, o paciente quer mais do que a competência de um médico, ele quer, antes de mais nada, ser visto, olho no olho, respeitado e não “instrumentalizado” (CFM, 2010, p. 12). A relação a ser estabelecida supera a questão técnica e enfoca a amizade entre esses dois seres.

Para Fernandes (1993) esse aspecto afetivo é normalmente o mais abordado quando se fala a respeito da relação médico-paciente, mas reduzir a relação a isso pode não dar conta da prática clínica na sua amplitude. Não basta, segundo esse autor, o médico ser “amigo” do seu paciente ou demonstrar simpatia se não conseguir ajudar o paciente a resolver o problema a que veio. Nessa hipótese o bom médico não pode ser o médico bonzinho. Ainda segundo Fernandes, não há como se negar que a relação entre o profissional e seu paciente esteja envolvida por essa afetividade, mas não acredita que essa visão romanesca sozinha ajude o paciente.

Essa visão romântica também é ressaltada por Moura (2004) quando cita parte da Resolução nº 53/1999 do Conselho Federal de Medicina sobre o papel quase apostólico dos médicos:

É sobejamente conhecido entre os profissionais de saúde que a consulta médica é o momento emblemático na relação entre aquele que procura socorro e aquele outro que foi treinado a utilizar seus conhecimentos na busca incessante da cura. É o momento solene, sublime, sacerdotal, aconselhador, de rara intimidade, própria dos confessionários. (Dr. José Abelardo Garcia de Menezes, Jornal do CREMERS, agosto/2000, apud Moura, 2004, p. 62)

A definição do tipo ideal de médico não fica distante do que os pacientes consideram como “bom médico”. Na verdade, quando perguntados sobre esse conceito, os entrevistados compuseram a constituição desse tipo ideal com o que relataram durante a pesquisa. Já o médico ruim é considerado o oposto e muitos se

recusam a aceitar a sua presença; outros não denominam o ruim como categoria, mas o diferente, aquela pessoa que tem suas “luas”, suas fases, seus cansaços e excesso de atribuições, inerentes à sua função, mas que poderia comprometer a sua atuação como “bom médico”. Mas não é uma categoria de julgamento, como a do bom médico. É como se as pessoas não quisessem se queixar de alguém que só poderia lhes fazer o bem, que seria tão idealizado que não fizesse parte das maldades desse mundo. Assim, os critérios de avaliação tanto do bom médico quanto do médico ruim não são critérios técnicos, mas, como já exposto anteriormente, são baseados em critérios difusos e inespecíficos, conforme pode ser observado no quadro abaixo:

MÉDICO IDEAL MÉDICO BOM MÉDICO RUIM Acerta sempre o

diagnóstico e o tratamento. Conhece muito sobre o que deve conhecer. Sabe se relacionar com os pacientes. Sabe conduzir a consulta de forma a contemplar com sabedoria a anamnese, o exame físico e o pedido de exames auxiliares. É humano, isto é, age com os princípios éticos e humanitários acima de outros interesses, como o monetário, por exemplo. Exerce a medicina como vocação Atencioso Preocupado Bom Inteligente Conhecedor Pede exames Escuta com atenção Toca o paciente Conversa com o paciente Examina bem Humanitário Experiente Tem todas as qualidades: atende bem, não trata mal, não faz nada de errado,

Não dá o diagnóstico correto. Não existe médico ruim. Mau atendimento.

Aquele que prescreve pouca medicação. Não conversa. Não pergunta. Apenas examina. Atende ligeiro. Só prescreve.

Não examina direito.

Só prescreve sem examinar. Traz problemas pessoais para a relação médico- paciente.

Não existe em Jaguari. Hipoteticamente é aquele que não trata bem o paciente.

Não atende bem.

Não pergunta sobre o que sente o paciente.

É estúpido.

Não existe médico ruim, são do jeito que são.

irrestrita.

Abre mão dos seus interesses para tratar do interesse dos outros.

Sabe como falar com o paciente, como explicar o que o paciente tem, sabe se comunicar adequadamente. prescrever corretamente. Orienta. Confiança Linguagem acessível pressa.

Quadro 1 – Critérios de avaliação sobre o médico.

Quando questionados sobre como definiriam um médico ruim, os entrevistados demonstraram certa hesitação, como se não tivessem entendido a pergunta. Muitos enfatizavam a questão de que médico ruim seria aquele que não atenderia bem o paciente, conforme é possível observar no discurso do sujeito coletivo:

Eu acho que não soube ver direito. Ruim, não, todos são bons... errar qualquer pessoa erra. Tem gente que é mal atendido... por causa de remédio mesmo, que não se contentam com aquele que o médico dá. (DSC)

Eles nem conversavam, não perguntavam, só botavam aquelas coisas assim e escutava. Aquele que nem espera a gente fala já ta dando receita, o que não examina direito e aquele que traz problema de fora pra dentro do consultório. Médico ruim aqui em Jaguari!... até que a gente não vê queixa nenhuma de médico... seria aquele médico... que não trata bem o paciente, não pergunta nada o que a gente sente. Acho que não tem médico ruim. (DSC)

As respostas a algumas questões não apareceram claramente quando as perguntas foram feitas de forma direta, mas quando foram abordadas de outra forma. Assim, embora não houvesse uma definição de médico ruim, as histórias contadas pelos informantes forneceram dados mais claros, como na fala abaixo:

No começo eu nem sabia que o doutor era daquele tratamento, que atendesse só para o coração ou pra outra coisa. Aí eu tirei ficha e fui consultar e daí: ‘Não, não, pode ir saindo que eu não atendo essas coisa’. Mas deixa a gente senta, diz: ‘Eu não to atendendo nessa área’. Mas já mando ir saindo. Aí a gente fica quieta. Nem cheguei a ser atendida porque

daquela área não era pra ele. Daí tive que sair bem quietinha. Se não era pra ele, podia ter mais calma, ter conversado. Foi bem diferente, abriu a porta e disse pra eu ir saindo. (E9)