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O médico e a prescrição de medicamentos

3 Ministério da Saúde: Uma proposta humanizadora para a assistência hospitalar

6 A industrialização da medicina e a medicalização dos afetos na contemporaneidade

6.2 A interação usuário/médico no contexto da nova ordem mundial

6.2.2 O médico e a prescrição de medicamentos

Um primeiro fato a considerar é a frequência com que as prescrições medicamentosas ocorrem, numa escala bem menor daquela que o paciente aparece solicitando do médico uma solução para seus males, como se pode ver abaixo:

(...)

“Méd: mas não se preocupe seu ******, a gente precisa primeiro, antes de tudo pedir o exame, o exame de sangue, pela... por esta ultrassom da barriga, ele deu alterado, deu um pouquinho aumentado, mas a gente precisa confirmar. Às vezes tá alterado... a ultrassom tá alterado, mas não chega a alterar o de sangue, não chore não, não se aperreie não ... eu vou passar um

remediozinho pro senhor dormir mais à noite, viu? mas não coloque isso na

cabeça não que já tá sem conseguir dormir e se aperreando é pior né?” (...)

(consulta 05) ...

(...)

“Méd: a gente vai iniciar o seu tratamento com uma outra medicação, o

rivotril vai ter que continuar de novo, o melhor que tem (?) vou passar (?) é bem fraquinho (?) para quebrar essa ansiedade e (?) vai entrar na paroxetil

Pac: o que é isso?

Das trinta consultas, em apenas três o médico aborda diretamente o paciente, prescrevendo-lhe medicamentos. São poucas as ocorrências, sobretudo se levarmos em consideração que muitos pacientes procuram a clínica movidos pelo desejo de que o médico lhe apresente uma panaceia para seus males.

Embora a discrepância na frequência entre solicitação e prescrição de medicamentos sejam evidenciados pelos dados coletados, sua relevância está na forma como é feita a solicitação e a prescrição. Com efeito, há nas ocorrências em que o médico indica os remédios a serem consumidos pelos pacientes um convite ao diálogo, isto é há um encontro intersubjetivo, como se vê nas duas últimas consultas:

“Méd: a gente vai iniciar o seu tratamento com uma outra medicação, o rivotril vai ter que continuar de novo, o melhor que tem (...)”

“Méd: (...) e a gente tem que combater o quadro... se combate o quadro de que

forma? Com a medicação, no caso o que a gente propôs foi a paroxetina...” “Méd: (?) agora eu estou achando você muito ansiosa

Pac: ai doutor eu to...

Méd: por isso que eu optei pela paroxetina, das substâncias que tem atualmente, é a que vai melhor lhe (?), eu podia entrar com a fluoxetina, qualquer (?) agora o que (?) um comprimido de manhã, tá? Paroxetina, e à noite o rivotril de (?) com um mês você volta, para a gente reavaliar a sua situação, agora é importante que você tome todos os dias, não tem uma coisa (?). ou você, ou você não toma, não adianta tomar quando você quer, para (?) é importante que você faça isso, como tá novamente, a gente pode abreviar o tratamento, não vai levar dois anos”

(...)

(consulta 29) ...

(...)

“Méd: o rivotril não vai resolver nada... a sua insônia não é doença... a sua insônia é um sintoma de um quadro ... e a gente tem que combater o quadro... se combate o quadro de que forma? Com a medicação, no caso o que a

gente propôs foi a paroxetina...

(...)

O paciente é convidado a ser sujeito de seu próprio tratamento, na medida em que o médico propõe um tipo determinado de procedimento clínico. Isto sugere que, apesar de ser uma interação marcadamente assimétrica médico-paciente, há uma abertura para uma relação que busca se aproximar de uma interação menos assimétrica

É este o novo perfil interativo para onde se encaminha a relação médico- paciente. O paciente tem se tornado, numa escala evolutiva, cada vez mais ativo, assumindo junto com o médico os rumos de seu tratamento. O clínico passa ser uma fonte confiável de informações da qual o usuário faz uso na medida de suas necessidades. No entanto, se o médico se recusa, pelas razões mais diversas, a permitir que a consulta torne-se este espaço de comunicação, apenas dificultará a adesão à terapêutica. O paciente, por sua vez, sente-se desobrigado de continuar com o médico, saindo na busca de outro profissional ou recorrendo aos sites de busca.

Essa “desobrigação” que o paciente pode vir a sentir com relação ao profissional de saúde evidencia, com efeito, a fluidez nas relações humanas, grande marca da contemporaneidade. No passado, quando se tinha a concepção de um médico da família, este não era apenas mais um portador de um conhecimento científico. Na verdade, ele era a referência para a família quando se tratava de questões relacionadas ao bem-estar. A relação era permeada por uma solidez, de cujos préstimos poderia atravessar gerações de um mesma família. Na linguagem de Bauman, essa solidez se liquefez.

Na atualidade há, inclusive, espaço para o paciente discordar do médico e de suas prescrições. O volume de informações disponíveis na rede é de tal monte que seria impossível para apenas um especialista dar conta desta quantidade. Devido a isto é freqüente pacientes ao chegarem numa clínica para uma primeira consulta, já virem munidos de informações em quantidade e qualidade jamais pensadas no passado. Na consulta número trinta, de nossa coleta, tempos um exemplo bem ilustrativo desta situação: “Pac: eu tô cheia de anotação para conversar com o senhor(...)”.

O grande volume de informações disponível na rede sobre os mais variados problemas de saúde, que vão desde informações desencontradas às pesquisas de ponta, dão ao paciente que as acessa a possibilidade de ir para clínica, mesmo numa primeira consulta, com uma postura previamente

assumida sobre a sua problemática. Esta elaboração prévia permite inclusive que o paciente discorde dos procedimentos propostos pelo médico. Esta discordância pode ser expressa de diferentes formas, a esta postura de discordância denominamos insubordinação do usuário. No item que segue ver-se-ão algumas ocorrências desta natureza.

6.2.3 Insubordinação/recusa (por parte do usuário) em atender às