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Notadamente, no campo das Ciências Humanas, os procedimentos de um bricoleur vêm sendo aplicados por diversas teorias e métodos de investigação, mesmo sem perceber, ora por via do instinto, da ingenuidade ou da curiosidade para produzir conhecimento (RAMPAZO; ICHIKAWA, 2009). Postergar ainda mais a aceitação do método por parte da academia não irá diminuir sua aplicabilidade nas produções. Nesta investigação, o foco foi dado a produção de conhecimento sobre cultura política, ofertada pelos Movimentos Sociais, tendo a bricolagem como método.

Segundo Kincheloe (2001, 2004), a pesquisa que adota o método bricolage tem como concepção a interdisciplinaridade, a qual assegura a amplitude dos contextos para a pesquisa, sem deixar de considerar a complexidade do mundo. Então, esse método se tornou opção metodológica viável devido a pluralidade de elementos que atuam nos fenômenos sociais, os quais proporcionam conexão entre o pesquisador e o âmbito da pesquisa.

No campo da pesquisa educacional, Kincheloe (2006) deu continuidade aos seus estudos e definiu bricolagem como um modo de investigação que busca incorporar diferentes pontos de vista segundo um mesmo fenômeno. Em produção consecutiva, Kincheloe (2007) expandiu essa definição e conceituou bricolagem como uma forma de fazer ciência, que analisa e interpreta os fenômenos a partir de diversos olhares, considerando as relações de poder presentes no dia a dia, ao assumirem o foco principal nas interpretações da realidade. Em outros termos, a bricolagem na ciência se refere “[...] à capacidade de empregar abordagens de pesquisa e construtos teóricos múltiplos, é o caminho em direção a uma nova forma de rigor em pesquisa [...]” (KINCHELOE; BERRY, 2007, p. 10). E, para Neira e Lippi

(2012, p. 610), “[...] adotando uma postura ativa, a bricolagem rejeita as diretrizes e roteiros preexistentes, para criar processos de investigação ao passo em que surgem as demandas [...]”. Em outras palavras, a medida que os dados foram levantados, construímos o ensaio.

Aquele pesquisador que escolhe ser um bricoleur passa a interpretar diversas explicações sobre o objeto de estudo investigado, no caso, a cultura política. Dessa maneira, irá trilhar por diferentes caminhos, aproximar-se e, quem sabe, ter acesso e tecer várias interpretações de diferentes origens. Neste momento, é importante lembrar que todo conhecimento adquirido pelo bricoleur é temporário, provisório, justamente devido a esse leque de possibilidades interpretativas. Neira e Lippi (2012) reiteram que, na bricolagem, não há conclusão do estudo, o conhecimento é transitório e segue um processo permanente de realimentação e entretecimento. Na execução da bricolagem há diferentes tipos de bricoleur. Estes autores põem em tela suas preferências a respeito do tipo e optam pelo interpretativo por entenderem que:

O bricoleur interpretativo produz representações que se encaixam nas especificidades de uma situação complexa. O bricoleur interpretativo entende que a pesquisa é um processo interativo influenciado pela história pessoal, biografia, gênero, classe social e etnia, dele e daquelas pessoas que fazem parte do cenário investigado. O produto final é um conjunto de imagens mutáveis e interligadas [...]. (NEIRA; LIPPI, 2012, p. 611).

Na bricolagem, o ato interpretativo desvela sentidos e significados expressos pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. Kincheloe (2007, p. 102) recomenda “[...] a hermenêutica crítica como forma de análise. A hermenêutica é crítica no sentido de que se dedica a um diálogo com a tradição da teoria crítica [...]”. Essa recomendação serve para que haja compreensão das diferentes vozes e entender como elas constroem suas interpretações da realidade. Nesse sentido, aplicar a bricolagem configura-se no entretecer dessas vozes para conhecer o julgamento e a leitura política, feita pelos movimentos, dando lugar a diversidade de interpretações.

Ao lado da contribuição de Kincheloe (2007) sobre teoria crítica, Peter McLaren (2000) é outro autor que lança luz sobre o tema, por entender que pesquisa precisa ser crítica. Segundo o autor, todos os seres humanos são produtos históricos do poder e nenhum deles emergem fora do processo da história. É nos inter-relacionamentos que nossas identidades são calcadas em meio as teias do poder. A ideia do método bricolagem é que a produção seja tecida em coletivo.

Ainda, se tratando sobre a hermenêutica, de acordo com Kincheloe e McLaren (2006), em sua tradição a pesquisa qualitativa é interpretativa. Mesmo em articulações simplórias o

ato hermenêutico da interpretação envolve o entendimento daquilo que foi observado de forma a comunicar o entendimento, implica em produzir temas densos, em saber as intenções dos seus produtores e os significados mobilizados nos processos de sua construção. Para Neira e Lippi (2012), a hermenêutica tem como finalidade desenvolver uma forma de crítica cultural que revele as dinâmicas do poder dentro dos textos. A formação política ou a sua ausência dos Movimentos Sociais desvelam essa crítica e entretecem suas representações.

O papel da bricolagem é incitar o encontro das interpretações do bricoleur. O trabalho do pesquisador consiste em construir “[...] pontes entre o leitor e o texto, o texto e quem o produz, o contexto histórico e a atualidade, e uma determinada circunstância social e outra [...]” (KINCHELOE; MCLAREN, 2006, p. 288). De fato, acontece um movimento circular, no qual há momentos que o pesquisador mergulha no texto e outros momentos em que ele se afasta do texto. Essa movimentação possibilita ao pesquisador perceber as diferentes interpretações por meio de sua própria experiência, entrando em dúvida durante todo o tempo. As opções do método, da metodologia e da forma de escrita se basearam nos elementos pertinência e consonância entre ambos devido ao caráter provisório, interpretativo da abordagem qualitativa, da pesquisa hermenêutica, do método bricolagem e da produção ensaística que permitem mergulhar no texto, se afastar do texto e retomar sempre que necessário, porém, sem perder a essência do mesmo.

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