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Segundo o dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007), um método significa qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa, ou seja, está atrelado a uma maneira ou um modo de obtenção do conhecimento. No contexto da agroecologia, o Camponês a Camponês (CAC) tem se destacado enquanto um método para a construção do conhecimento agroecológico centrado no protagonismo do campesinato, principalmente em países da

América Latina. Não obstante, a Rede de Camponês a Camponês (RCAC) de Sergipe, que iremos detalhar no próximo capitulo, também possui forte inspiração neste método.

O método de Camponês a Camponês tem por objetivo melhorar a vida dos camponeses e dos ambientes rurais a partir da realização de uma agricultura sustentável8 dirigida pelos próprios camponeses (HOLT-GIMÉNEZ, 2008). Baseada em princípios agroecológicos, na solidariedade e inovação, o Camponês a Camponês (CAC) tem sua gênese na experiência do povo Kaqchikel, da Guatemala, e na iniciativa de um extensionista da Organização Não Governamental (ONG) Vecinos Mundiales, chamado Dom Marcos Orozco (HOLT-GIMÉNEZ, 2008). O CAC se transforma em movimento a partir das experiências na Nicarágua, que o expandiu para países como Cuba e México.

O CAC tem por base uma agricultura agroecológica onde o camponês é o sujeito de sua recriação, subsidiado por sua própria cultura, forma de organização, família e posição política (HOLT-GIMÉNEZ, 2008). Sua origem, sua gênese se deu na Mesoamérica e no Caribe através de camponeses desacreditados na agricultura convencional, representada sobretudo pela matriz tecnológica da Revolução Verde.

Esse modelo não foi exitoso em desenvolver os territórios camponeses mesoamericanos através de metodologias verticais de transferência de tecnologia e pacotes tecnológicos de matriz industrial (fertilizantes químicos, agrotóxicos). Assim, estes camponeses optaram por uma agricultura mais biodiversa, que respeita os ciclos da natureza e possui como uma de suas peças-chave o protagonismo político do campesinato.

As investigações do pesquisador Holt-Giménez (2008) sobre a pedagogia do CAC na Mesoamérica concluíram que esse movimento havia construído um método sofisticado, que possui como ferramentas jogos e atividades em grupos por meio de intercâmbios, oficinas, grupos de experimentação, poemas, sociodramas, canções, histórias folclóricas etc., para ensinar temas agroecológicos. Organizadas através da chamada canasta metodológica, é dividida em três princípios/ações (não necessariamente nesta ordem): problematizar, experimentar e promover.

8Para Holt-Giménez (2008), agricultura sustentável se configura como uma resposta a

deficiências sociais e ambientais da modernização agrícola. Surgiu na América Latina nos anos 60 e 70 com o fracasso da Revolução Verde para resolver os problemas da pobreza rural. O conceito de agricultura sustentável, segundo o referido autor, deve ser entendido “no sólo como un conjunto de prácticas ambientales acertadas [...] sino considerando que el desarrollo de la agricultura sustentable debe también abordar las causas de la agricultura no-sustentable” (HOLT-GIMÉNEZ, 2008, p. 7).

Metodologicamente, os camponeses, ao problematizar, aprendem conceitos de agroecologia a partir de perguntas feitas em grupo, como, por exemplo, sobre os fatores que limitam a produção. Assim, analisam as causas dos problemas comuns a eles e pensam em soluções.

A partir da experimentação, os camponeses desenham experimentos para avaliar as possíveis alternativas para a solução de problemas, aprendendo a formular hipóteses de trabalho. Realizam observações dirigidas relacionadas ao que foi feito e tomam medidas precisas. Concentram-se em realizar comparações válidas e imparciais ao controlar as variáveis do experimento e realizam experimentos em grupo, compartilhando os resultados.

No ato da promoção, os camponeses aprendem a organizar e realizar oficinas de aprendizagem e dias de campo; também aprendem diferentes técnicas para promover o aprendizado agroecológico e desenvolver suas habilidades de comunicação em grupo. O objetivo desse ato é compartilhar o conhecimento sobre técnicas agrícolas.

As oficinas de Camponês a Camponês são participativas e ativas, são experiências de “aprender fazendo” e, neste sentido, são 20% teóricas e 80% práticas. As oficinas são animadas e regadas por canções, jogos, e até festas com concertos musicais ao final. Isso permite a criação de laços de amizades e a criação de redes de trocas de conhecimento, permitindo manter relações recíprocas e solidárias.

Além disso, as atividades da oficina se ajustam ao calendário agrícola local, iniciando- se no fim da colheita e início do período seco. São divididas em módulos: no primeiro, se realiza um diagnóstico de campo, depois da última colheita, ao início da época seca; o segundo módulo, chamado conservação da água e do solo, é realizado na metade da época seca; e o terceiro, chamado experimentação em pequena escala, se inicia antes do novo ciclo agrícola.

O intercâmbio é o método de socialização menos estruturado do CAC, que pode ser utilizado informalmente pelos camponeses e com uma duração variável, de um dia ou uma semana, por exemplo. A ideia consiste em que um grupo de camponeses visite outro grupo, para conhecer diretamente a forma como se desenvolve sua experiência de agricultura sustentável. Se a visita provoca interesse, o camponês que recebeu o intercâmbio realiza uma oficina na comunidade de quem está interessado em aprender. Posteriormente pode haver outro intercâmbio para compartilhar os resultados do experimento. Estes são momentos profundos e produtivos de inter-aprendizagem.

O processo social de inovação no CAC se sustenta no descobrimento agroecológico individual e coletivo. Os grupos de experimentação em pequena escala se formam

naturalmente a partir das análises em conjunto e da convergência de interesses, que espontaneamente surgem nos intercâmbios e nas oficinas. Não existem regulações para os grupos de experimentação entre camponeses: o planejamento das atividades é decidido por cada grupo de experimentação.

Na pedagogia camponesa, os camponeses não fazem distinção técnica entre investigação, experimentação, extensão e formação. Tão pouco, entre ensino e aprendizagem: o processo de ensino e aprendizagem se dá nas duas vias. Acrescentamos que a aprendizagem agroecológica na pedagogia camponesa é um assunto familiar, pois no CAC toda a família participa das atividades, seja nas oficinas, dias de campo, encontros ou grupos de experimentação (HOLT-GIMÉNEZ, 2008).

Por meio desta discussão, podemos perceber que o CAC se configura como um método de construção do conhecimento agroecológico centrado no protagonismo político do campesinato. Outro princípio importante deste método é a junção da horizontalidade da investigação com a experimentação. A relação que mantém com o PQA está baseada, sobretudo, na afirmação do campesinato enquanto sujeito político que está em permanente conflitualidade com o modelo de agricultura do agronegócio.

2.6 TECNOLOGIA SOCIAL: PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA INTEGRADA E