• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: A PESQUISA

1.7.2 O método comparativo

“O objetivo de toda ciência é descobrir,

e toda descoberta desconcerta mais ou menos as opiniões formadas” (Durkheim, 199023)

A partir da identificação dos valores-notícia envolvidos nas rotinas produtivas da TV Câmara e do Canal del Congreso; da identificação da cultura profissional do jornalista legislativo; da forma como está organizado o seu trabalho e do modo como se dá o processo de produção da notícia nas emissoras legislativas, passamos a utilizar o Método Comparativo como instrumento para estabelecermos similitudes e diferenças e, a partir delas, generalizações (ou conclusões) que nos permitissem verificar nossa hipótese de pesquisa.

Este método está situado em um campo teórico-metodológico bastante amplo e permite vários tipos de abordagem dos objetos estudados. Um dos principais objetivos do método comparativo é a comprovação e formulação de hipóteses. Por isso, é chamado pelos sociólogos de “o método da prova”. Sua aplicação, nas Ciências Sociais, tem origem na Sociologia, onde foi desenvolvido e aprofundado, a partir do século XIX, por Auguste Comte, Max Weber e Emile Durkheim, entre outros. Pode ser usado na análise de grupos que existiram no passado ou grupos do presente, ou para confrontar grupos do passado com grupos do presente ou ainda para a compreensão de sociedades divergentes. Sua aplicação nos permite descobrir regularidades e diferenças, construir modelos ou tipos e identificar pontos de continuidade e descontinuidade.

Em seus estudos, Comte, Durkheim e Weber utilizaram o método comparativo na construção do conhecimento em Ciências Sociais e o fizeram como instrumento de explicação e também de generalização. Segundo Holt e Turner (1970, p. 6), é na

23Durkheim faz essa afirmação em sua introdução à obra O Suicídio - estudo no qual ele adotou o método comparativo (DURKHEIM, 1990, Introdução)

cuidadosa pesquisa comparada que o cientista social encontra algo semelhante ao experimento controlado de laboratório, utilizado pelas ciências naturais, como a Física, a Química e a Biologia. Com o uso do método comparativo, e através da escolha de amostras do universo a ser estudado, o cientista social pode manipular as variáveis experimentais como se estivesse em um laboratório. Foi o que fez Max Weber em seus estudos sobre religião e sua relação com o crescimento do capitalismo.

Augusto Comte, o primeiro a utilizar o método comparativo na Sociologia, afirmava que todo conhecimento repousa nos fatos observados e que toda especulação deve ser subordinada à observação dos fatos em si. Comte acreditava que para fazer ciência é necessário perceber as relações exatas que existem entre os fatos observados. A partir da observação, se chega à dedução e dela resultam as leis invariáveis. Comte faz um paralelo entre o estudo da Sociologia a partir do método comparativo e o estudo da Biologia. Segundo ele, assim como nos estudos de Biologia, o método comparativo analisa a função de cada órgão (ou de cada parte que compõe o fenômeno estudado). A partir da análise dos efeitos, o cientista social chega à causa dos fenômenos.

Durkheim também se utilizou da analogia com as Ciências Biológicas para compreender os fenômenos sociais. Segundo ele, existem relações entre as partes (indivíduos) e o todo (sociedade) e para compreender os fenômenos é preciso revelar as conexões causais e o funcionamento do organismo social. Para Durkheim, o método comparativo era o caminho para traduzir os diferentes objetos estudados em explicações generalizáveis. Em sua obra O Suicídio, Durkheim (1992, p. 7) afirma que só é possível explicar através da comparação e que uma investigação científica só pode atingir o seu objetivo quando se refere a fatos comparáveis: “O investigador é

forçado a construir, ele próprio, os grupos que quer estudar, de modo a conferir-lhes a homogeneidade e a especificidade necessárias para poderem ser tratados cientificamente”.

Segundo Durkheim (1990, p. 109), para demonstrar que um fenômeno é causa de outro devemos comparar os casos em que estão simultaneamente presentes e

ausentes, procurando ver se as variações que apresentam nestas diferentes combinações de circunstâncias testemunham que um depende do outro.

Na presente pesquisa, estaremos considerando como fenômeno o surgimento das TVs legislativas na América Latina e a criação de seus departamentos de telejornalismo. A partir desta premissa, analisamos qual a causa que deu origem à primeira TV legislativa latino-americana e buscamos identificar se existe relação entre o surgimento desta com a criação das demais emissoras legislativas no âmbito da América Latina. Identificaremos as regularidades entre os dois modelos de TVs legislativas estudados – a do Brasil e a do México- e apontaremos as semelhanças e diferenças nas rotinas de produção dos noticiários.

É importante ressaltar que, embora tenhamos mencionado, no parágrafo anterior, a intenção de identificar a “causa do surgimento da primeira TV legislativa”, esta não será a prioridade de nossa análise dentro da aplicação do método comparativo. Estaremos aqui muito mais voltados para a identificação de similitudes e diferenças, do que propriamente para a relação causa e efeito. É bem verdade que um dos princípios fundamentais defendidos por Durkheim na aplicação do método comparativo era o de que para um mesmo efeito sempre existe uma mesma causa. Contudo, nossa análise não estará centrada neste pressuposto. Ao contrário, estará respaldada no que postulava Auguste Comte, que rejeitou a preocupação em busca das causalidades. Para Comte, citado por Schneider at al. (1998, p. 7), os fenômenos deviam ser submetidos a leis invariáveis, sem a necessidade de identificação das causas, sejam elas primárias ou finais.

Também não é nossa intenção aplicar a visão indutivista do método, no sentido de estabelecer relações entre os fenômenos observados a partir de deduções lógicas, levando a conclusões do tipo “Se A, então B....” ou “Se todos os corvos são pretos,

então o que não é preto não é corvo”. Estaremos, sim, dedicando especial interesse às semelhanças e divergências entre as duas emissoras estudadas. Como explicam Schneider et al. (op. cit.), não se trata de uma técnica de levantamento de dados

empíricos, mas de uma perspectiva de análise social, com várias implicações situadas no plano epistemológico.

Um dos exemplos clássicos de utilização do método comparativo na análise de fatos semelhantes ocorridos em países distintos é a obra de Barrington Moore Júnior,

As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia (1967). No livro, Barrington procura explicar como senhores e camponeses participaram na transformação das sociedades agrárias em sociedades industriais modernas e quais as condições que levaram essas sociedades a optar entre regimes democráticos e ditaduras. Para isso, Barrington trabalhou sobre um recorte que incluía Inglaterra, França e Estados Unidos – do lado ocidental – e China, Japão e Índia – do lado oriental. No prefácio da obra, Barrington (1967, Introd.) ressalta:

Ao tentar compreender a história de um determinado país, uma perspectiva de comparação pode levar à formulação de novas e úteis interrogações. E outras vantagens existem. As comparações podem agir como uma investigação negativa sobre explicações históricas já aceitas. E um estudo comparativo pode levar a novas generalizações históricas. Na prática, estas características constituem um processo intelectual único.

Durante a análise comparativa das duas emissoras, usaremos o enfoque definido por Skocpol et. al., apud. Collier (1994, p.58) como “contraste de contextos”. Este enfoque consiste em comparar dois ou mais casos, buscando por em evidência suas

diferençasrecíprocas.

Segundo Comte, a melhor maneira para realizar esse procedimento é, em primeiro lugar, observar diretamente o fenômeno ou objeto estudado; em segundo lugar, contemplar este fenômeno utilizando os recursos da investigação e, por fim, realizar a comparação de forma a simplificar os casos semelhantes e descobrir as diferenças.

Durkheim alerta que não devemos nos ater a comparações isoladas. É necessário comparar uma série de variações regularmente constituídas e

suficientemente extensas cujos termos estejam interligados. As variações só nos permitem chegar a leis invariáveis quando exprimem, de maneira clara, a forma pela qual elas se desenvolveram em determinadas circunstâncias.

Para compreender o funcionamento das rotinas de produção de notícias nas TVs legislativas da América Latina iremos confrontar a história dos dois casos estudados na presente pesquisa: TV Câmara, do Brasil, e Canal del Congreso, do México. A partir desta confrontação, será possível verificar se, em cada uma delas, os fenômenos constatados evoluíram no tempo em função das mesmas condições. Em seguida, poderemos estabelecer comparações entre os diversos tipos de desenvolvimento. Aqui se produzirá uma comparação entre dois casos tomados a partir de sua diversidade e de sua singularidade. Com a adoção dos procedimentos previstos no método comparativo, torna-se-á possível identificar, dentro da diversidade histórica, determinados padrões invariantes, cada um deles podendo ser associado a uma trajetória histórica específica. O estudo da trajetória política do Brasil e do México, que saíram de regimes autoritários para viver processos recentes de redemocratização, bem como as relações de dependência entre televisão e poder político na América Latina, se tornam variáveis importantes para a análise, uma vez que estes fatores históricos se refletem nos arranjos específicos entre os grupos sociais que deram origem a novos segmentos da mídia, como o das TVs legislativas. Durante a análise, buscaremos compreender e aprofundar os casos singulares representados pela TV Câmara e pelo Canal do Congreso e, a partir deste aprofundamento, chegar às combinações e situações que levam à configuração atual das rotinas de produção da notícia nestas emissoras.