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4.1 A Psicanálise e os Métodos de Pesquisa

4.1.1 Método experimental e método clínico

O método refere-se à parte destinada ao procedimento adotado para o tratamento do problema científico (CAMPANA et al., 2001). A utilização de métodos ou metodologias em diversas disciplinas permitiu delimitar a presença de elementos estáveis e repetitivos que fundaram os discursos científico e histórico moderno.

Compreende-se que os métodos privilegiados das ciências da natureza são o experimental-indutivo, que visa a descrições e classificações, e o experimental- dedutivo, que visa a hipóteses.

Na área médica, por exemplo, Claude Bernard (1813-1878) colocou em evidência o papel da pesquisa experimental (ou medicina experimental), que, segundo ele permite a compreensão dos fenômenos da vida animal e, assim, produz aumento do conhecimento (Campana et al., 2001, p. 119).

O aperfeiçoamento e o progresso da investigação na área médica são creditados a alguns itens: a observação clínica, a experimentação – incluindo a experimentação animal –, as ciências básicas e a análise estatística dos dados.

O método experimental é a base da medicina. A experimentação é considerada, pela medicina, como a única maneira de se descobrir os mecanismos das doenças e como curá-las. Segundo Campana (2001):

Embora no passado tenham ocorrido muitos progressos em Medicina baseados apenas na observação cuidadosa e perscrutadora, foi o advento da experimentação sistematizada com animais de várias espécies, inclusive o homem, que resultou na prodigiosa soma de conhecimentos que possibilitou a atual precisão diagnóstica, a adequação terapêutica e sua consequência maior, o alto nível de saúde e expectativa de vida que caracterizam a vida moderna nas regiões mais civilizadas do mundo (p. 3).

Compreende-se que na área médica não há uma separação clara entre método clínico e método experimental, como ocorre nas ciências humanas, por exemplo, na psicologia e na psicanálise. Utiliza-se a terminologia ―investigações

clínicas‖, em medicina, para a grande maioria dos estudos com seres humanos ou sobre as doenças. Dessa forma, entende-se que há uma conjugação entre o termo experimental, que aparece na denominação investigação, e o termo clinico.

Entretanto, há nas definições uma distinção entre estudo observacional, no qual o pesquisador não atua para não modificar qualquer aspecto que está sendo estudado, e estudo experimental (CAMPANA et al., 2001).

Nessa mesma direção, Fletcher e Fletcher (2006, p. 21) destacam as definições de ciência clínica, em saúde, como aquela que ―[...] fornece informações que podem ser usadas no cuidado com pacientes individuais [...]‖, e de ciência populacional, como a epidemiologia que é o ―[...] estudo da ocorrência de doença em populações humanas [...]‖. Além disso, os autores definem epidemiologia clínica como a ―[...] ciência que faz predições sobre pacientes individuais utilizando a contagem de eventos clínicos em grupo de pacientes semelhantes e valendo-se de métodos científicos sólidos para garantir que as predições sejam corretas [...]‖. Como pode ser percebido, esses autores também utilizam o termo clínico para se referir aos métodos de pesquisa com humanos.

As pesquisas clínicas (em oposição às laboratoriais), na área médica, podem ser:

a) Estudo seccional ou transversal (cross sectional). Estudos em que a causa e o efeito ocorrem simultaneamente.

b) Estudo com seguimento (estudo de coorte), que espelha a sequência natural dos fatos.

c) Estudo de casos e de casos-controle. Ambos são longitudinais. O estudo de casos é descritivo, inclui somente os casos e não é controlado. O estudo de caso-controle é controlado e contempla dois grupos, o grupo de casos e o de controles.

d) Estudo de controle histórico ou estudo antes-e-depois. Trata-se do estudo em que se comparam os efeitos de procedimentos terapêuticos atuais com os efeitos de um tipo de tratamento que ocorreu no passado.

e) Relato de caso.

f) Estudo de intervenção em seres humanos. Trata-se de estudos de tratamento de doenças.

- Ensaio clínico controlado casualizado. ―É a investigação preferida quando o objetivo é testar a eficiência do tratamento por drogas, por

um procedimento cirúrgico ou por outro tipo de intervenção‖ (CAMPANA et al., 2001, p. 136).

- Ensaio clínico cruzado (crossover) ou ensaio seqeencial. Delineamento em que um grupo recebe tratamento e o outro um tratamento alternativo. Há um período de repouso e depois se invertem as intervenções nos dois grupos.

g) Revisão e metanálise. h) Pesquisa qualitativa que:

[...] visa ao estudo de aspectos específicos, particulares, desenvolvido em grupos também específicos, com abordagem bastante ampla e buscando saber como as se pessoas veem e se sentem quando defrontadas com as situações estudadas. (CAMPANA et al., 2001, p. 145)

A metodologia pode ser observacional ou por entrevista. i) Testes diagnósticos: padrão-ouro.

Confirma-se, a partir dos tipos de pesquisa acima descritos, que na área médica os termos clínico e experimental aparecem entrelaçados quase em conjunto. Só há uma descrição da utilização de métodos não experimentais em pesquisas denominadas qualitativas. Esse tipo de pesquisa ainda não é o mais comum na área médica, mas vem, aos poucos, sendo mais considerado.

Na psicologia, ao contrário da medicina, há uma separação entre método experimental e método clínico.

Segundo Prévost (1988), há duas correntes de psicologia na França: a primeira, denominada psicologia experimental, nasceu da ciência tradicional (Comte e Littré) e utiliza o enquadramento do laboratório para servir ao rigor e ao domínio das variáveis.

A segunda seria a ―corrente dinâmica‖, que deu origem à psicologia clínica e à psicanálise. Por sua vez, a psicologia clínica francesa tem sua origem na confluência de duas grandes forças na época: a filosofia e a medicina (Aguiar, 2001). Os representantes da primeira corrente seriam Witmer, Janet, Ribot, Dumas e Kraepelin e a segunda linha, Charcot, Liébault, Bernheim e Freud, segundo levantamento realizado por Aguiar (2001).

No fim do século XIX, Wundt anunciava a importância da investigação experimental para abarcar a mente – somente suas extensões físicas, os órgãos dos sentidos e do movimento - como objeto de conhecimento. Wundt era representante

da corrente psicológica denominada introspectiva que sofreu sérias críticas no século XX, como a de Watson, representante da corrente behaviorista, que defendia o estudo do comportamento e não da consciência e a de Köhler, representante da psicologia da gestalt, que defendia que a compreensão dos fenômenos só era possível pelo estudo global e não ―molecularizado‖ (PACHECO FILHO, 2000, p. 22).

O método clínico em psicologia (ou ainda em psicologia clínica) é a modalidade de investigação dos processos anímicos e é oposto ao método experimental. A psicologia clínica pode estar associada à psicanálise, como ocorre nos países europeus, ou dissociada, como nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, essa dissociação vai aparecendo gradativamente. Inicialmente há também uma aproximação entre a psicologia e a psicanálise realizada por alguns grupos em pesquisas empíricas de orientação psicanalítica, como exemplo, tem-se o papel do Instituto Nacional de Saúde Mental (PACHECO FILHO, 2000). Entretanto, paralelamente, a psicologia do ego também foi se fortalecendo e tomou papel preponderante nesse país. A psicologia do ego, como o nome diz, enfatiza o Ego em oposição ao inconsciente e também atribui um papel preponderante aos processos de adaptação do indivíduo à realidade.

Para Sauret (2003), o aparecimento da pesquisa clínica em psicologia está associada às psicologias do desenvolvimento e da criança caracterizadas pela observação longitudinal de casos individuais. Um exemplo bem conhecido é representado pelas pesquisas de Jean Piaget decorrentes das observações dos seus próprios filhos.

Segundo Aguiar (2001), o método clínico pressupõe duas dimensões próprias da clínica psicanalítica: a singularidade do sujeito e a ideia de uma contemporaneidade entre pesquisa e tratamento. Considerar a singularidade do sujeito ou do indivíduo é a marca da psicologia clínica. Esse princípio de singularidade se opõe à ideia de uma lei.

Observa-se que, como ocorre na área médica, há um conflito, nos textos e nas ideias dos autores, entre ciência e método. Isso porque alguns autores definem o método a partir da definição de cientista (ou de ciência) e outros definem o cientista (ou a ciência) a partir do método (como Popper).