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PARTE III – OS QUATRO APEGOS

3.2 O MÉTODO PURO DO ALCANCE DO RESULTADO: A LINHAGEM E O PROFESSOR

Para se pertencer a uma linhagem Vajrayana, é preciso compreender um percurso, pois existe uma linhagem, e todos os ensinamentos foram transmitidos diretamente por seres iluminados, seres celestiais. Exemplo disso é o Tantra de Hevajra, o cerne da tradição Sakya, transmitido diretamente por Vajranayratma ao Mahassidha Virupa. Este último redige o ensinamento recebido, que se torna o Tantra conhecido como Landre, O Caminho e Seu Resultado – os ensinamentos filosóficos da escola Sakya em que estão contidos as iniciações, ensinamento filosóficos, meditação e seus detalhamentos.

Dessa forma, ao se receber a iniciação, passa-se a estar autorizado a receber as instruções diretamente do seu professor. No Tantra, alguns ensinamentos são transmitidos um por um pelo professor ao aluno. Tais ensinamentos são conhecidos com a transmissão sussurrada. Imagine a compaixão de um professor para transmitir tal esse ensinamento individualmente, às vezes para milhares de monges.

Este é o significado da linhagem. O refúgio nos insere neste contexto de poder de realização, dentro do budismo Vajrayana e Tantrayana, recebendo as instruções diretamente dado pelos

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Deidade devocional – conforme explica S.S. Dalai Lama: “existem diferentes maneiras de vizualizar a deidade, que depende dos métodos das diferentes escolas budistas, como no Mahayoga, Anuyoga ou Atiyoga” (2011b, p.34)

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Mantra – “Aquilo que protege a mente” da negatividade, ou que protege o meditador de sua própria mente. As emissões de sons de um mantra unidas com a mente é um das técnicas meditativas muito utilizadas no budismo tibetano e também no sufismo, no cristianismo ortodoxo e no hinduísmo. O mantra é a essência do som, a materialização da verdade na forma de som movido pela energia sutil e purificadora da respiração (prana), aonde cada sílaba vêm imbuída de força espiritual e vibra com a bênção dos Budhas. (Ver Rinpoche, 1999, p. 103, 479- 485).

Budhas e Dakinis, transmitidas aos chefes da linhagem, que vão transmitir ao longo de sua linhagem para que também nós possamos receber esses ensinamentos.

Um ensinamento como esse tem o potencial de uma semente dentro de nós, com todas as qualidades. Ao recebê-los, essa qualidade dentro de nós é ativada pelas bênçãos da linhagem e tradição dos ensinamentos, e essas sementes se movem através “ventos internos”, e tornam-se parte do contínuo mental, ou seja, todas as qualidades são potencializadas.

Se queremos realmente vivenciar o refúgio, é preciso permitir que essas sementes cresçam, floresçam e se multipliquem. Essa multiplicação significa que nossas ações no mundo têm o potencial de transformar a percepção que o fenômeno produz. Através da transformação, a reação produzida será construtiva e realizadora, e assim seremos capazes de proporcionar a todos os seres a mesma capacidade.

Estar no caminho Mahayana demanda o entendimento sobre a interdependência. Entendemos que no caminho da iluminação, todos nós somos interdependentes uns dos outros. Não há como excluir ninguém. Somos interdependentes em relação a todos os seres que co-habitam essa existência conosco, e em particular com aqueles que temos a oportunidade de interagir. Cada uma dessas interações é uma oportunidade de exercer as qualidades búdicas, e propiciar oportunidades para o outro também exercer as suas próprias qualidades. Com isso, todos nós somos capazes de atingirmos a budeidade, ou seja, o estado desperto: ao renunciarmos nossas ilusões, nos tornamos livres de todas as causas e condições que nos fazem reféns de nós mesmos, entendendo que é essa condição de refém que nos leva à experiência de sofrimento.

Apesar de todos almejarmos o estado de contentamento, equilíbrio, paz, não conseguimos usufruir disso porque a forma como construímos nossa relação com o fenômeno é gerada por uma visão equivocada, sustentada pelas ilusões e ignorância. Por isso, nossas reações aos fenômenos são erradas, produzindo causas e condições de sofrimento.

A partir do momento em que tomamos refúgio, entendemos o que significa dizer “há qualidades em mim”, “há em mim o potencial de viver uma vida feliz, livre, tranquila, pacífica”.

A dificuldade está em nossos agregados, nos cinco sentidos, na forma como nos relacionamos com eles ao longo da nossa existência, gerando hábitos, vícios e dependências aos grandes prazeres. Então não sabemos mais ao que renunciar, temos medo de renunciar, temos medo de

estar perdendo algo. Esse medo é o grande obstáculo da visão pura que não nos permite ver a budeidade.

Não adianta querermos mudar de uma vez. Podemos começar através da plena atenção: Shamatha. Resumidamente, podemos dizer que Shamata significa desenvolver serenidade mental, estabilidade e atenção plena. Esta é a base fundamental de onde podemos explorar níveis mais avançados de meditação: Vipassana e Shuniata.

Por exemplo, ao olharmos um lago em dia de vento, esse vento irá produzir ondas na superfície, que nos impedem de ver o fundo do lago, mesmo nas suas partes mais rasas. Quando o vento se torna menos intenso, é possível enxergarmos o fundo na parte mais rasa, e assim sucessivamente, até que quando não houver mais vento algum, a superfície se torna tão estável que poderemos enxergar o fundo nas partes mais profundas, desde que haja luz (luminosidade) para isso.

Assim é a experiência de Shamata: acalmar os ventos dos pensamentos para ter clareza nas ações. Poder ver com lucidez, sem medo ou culpa, sem acusações, sem julgamentos. Prestar atenção a cada um desses preceitos, rever o que realmente se faz, e identificar as possíveis raízes de sofrimento.

Este é um processo interno, não há necessidade de anunciar, de exercitar a vaidade. No tantrayana, diz-se que quanto mais secretas forem as “ações interiores”, maior será a benção que a transformação oferecerá ao praticante e ao meio em que estiver inserido.

Dessa forma, assume-se a mudança de maneira diligente e disciplinada, observa-se qual resultado está ocorrendo, e acima de tudo identificam-se os obstáculos para abandonar ou renunciar hábitos que promovem o sofrimento. Isso trará lucidez e um grande contentamento, e passamos a perceber que está ocorrendo uma mudança interior, sustentada por uma vontade verdadeira de se tornar um ser melhor para que em nós mesmos surja e floresça a nossa verdadeira essência. Não é preciso se preocupar com o outro, porque ele vai usufruir disso naturalmente, sem esforço. A felicidade de ver os benefícios que sua pequena transformação provoca no seu universo de relações, sustentará sua prática, e as demais transformações que irão ocorrer.

Nesse caminho, cabe ao professor do Dharma simplesmente estar ao lado de quem percorre este caminho, conversar sobre dificuldades pontuais, sugerir algumas propostas de prática,

meditação e leitura, acompanhar o processo de transformação, as interações que ocorrem de outra forma, e o surgimento de regozijo e felicidade que naturalmente emergem.

Os detalhamentos dos ensinamentos (Pith Instruction) trarão os ajustes, que vão sendo feitos em conjunto com o aluno, de forma individual. Aqueles que quebrarem seus votos Samaya (seu compromisso) serão severamente punidos, não por um agente externo, mas sim pela sua própria experiência de sofrimento, em novas experiências de frustração e “expectativas” sobre um resultado.

Estabelece-se uma relação de muito respeito entre o aluno e o professor. Este último irá ouvir tudo sobre sua vida e você estabelecerá a guru yoga com esse professor até que suas mentes se unam. É uma experiência singular, difícil de descrever. Essa conexão não é instantânea, leva um tempo para se estabelecer, e quando isso acontece, é como se caísse uma gota de solda “nessa vida e em outras vidas possa eu nunca estar separado de você” – esse é um verso que recitamos quando recebemos um professor, e o vemos como um guru raiz.

Um professor deve ter a humildade de indicar outros professores para seu aluno. A linhagem é uma disciplina pedagógica, pois o Dharma ensinado por Siddartha é apenas um.

O budismo tibetano possui quatro escolas e cada uma delas possui seu tesouro na sua mais absoluta pureza, cada escola enfatiza seus ensinamentos num eixo, porem todas elas tem o mesmo conteúdo. Portanto, se há compreensão sobre o significado do refúgio, então não cabem comparações. Budha ensinou em muitas línguas e estruturas filosóficas, para atender às capacidades de cada ser senciente. Ele ensinou o Dharma, e dessa essência única desdobraram-se as divisões pedagógicas. Quando se estiver na frente de um professor, devemos escutá-lo como se ele fosse o único, e absorver o ensinamento como se ele estivesse oferecendo uma joia rara.