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PARTE III – OS QUATRO APEGOS

3.12 O SOFRIMENTO DAS MUDANÇAS E O SIGNIFICADO DA RENÚNCIA

Tendo refletido sobre a preciosidade da vida humana e as leis da impermanência explicadas na primeira linha, Drakpa Gyaltsen nos leva a contemplar a permeabilidade do sofrimento e os atalhos causados advindos da impermanência.

Aqui, vale lembrar das Quatro Nobres Verdades, na origem do sofrimento. A incompreensão da realidade última de qualquer fenômeno, ou seja, a compreensão de que são impermanentes, pois não possuem existência inerente. A relutância em entender isso, sustenta todas as visões que promovem os eixos do apego, aversão e indiferença e tudo que emerge a partir disto.

Compreender a natureza última dos fenômenos alivia muito de nossas tensões e promove um olhar mais responsável sobre o momento presente, pois sabendo que tudo é impermanente optamos em não nos distrairmos, e assim ter uma relação mais ampla, verdadeira e construtiva com o fenômeno. A renúncia aqui diz respeito às distrações, principalmente as que dizem respeito à insatisfatoriedade. O apego ao ciclo da existência refere-se essencialmente aos prazeres mundanos. Essa busca constante por novos prazeres (essencialmente externos e instados pelos cinco sentidos) nos afasta da possibilidade da inversão do olhar.

Para contemplar essa realidade nos preenchemos de um sentimento de tristeza, ao conscientizarmo-nos do sofrimento presente e da urgência em seguir um caminho espiritual que nos prepare para ajudar a todos os seres.

Ao contemplarmos nossa própria experiência humana, nos damos conta que não há um entre nós que viva uma vida sem algum tipo de sofrimento: medo de perder os entes queridos, os amigos, não sermos capazes de alcançar a satisfação de nossos próprios desejos, medo de encontrar com nossos inimigos e etc.

Contemplar a renúncia nos leva ao entendimento de que podemos renunciar a criação das causas que nos levam ao sofrimento.

A verdadeira prática de renuncia não se resume a renunciar coisas externas a nós, pois nem sempre isso promove o deslocamento interno da visão que sustenta a prática de renuncia.

Talvez renunciar seja mais uma compreensão das nossas necessidades básicas, e a partir dessa postura não gerarmos inquietação por adquirir ou nos mover a situações que verdadeiramente não são necessárias. Simplesmente adotar uma pergunta básica: “Verdadeiramente, preciso disso?”.

É natural que venhamos a almejar cargos ou empregos melhores, na medida em que nos qualificamos mais profissionalmente. Esse desejo é legítimo, porém cabe aqui ponderar se as horas a mais, ou a característica do trabalho não irão me afastar de aspectos que verdadeiramente são também importantes, por exemplo: família, filhos, esportes, estudos, meditação, ou se implicam em situações de muita tensão, como por exemplo: meta de vendas, muitas viagens, gerenciar grandes grupos etc.

Somos merecedores das consequências dos esforços que realizamos, ou seja: se estudamos, se nos qualificados, enfim, quando todos nossos esforços produzem seus resultados, é legitimo usufruirmos do resultado. Renunciar aos prazeres do samsara, não nos proíbe disso.

A renúncia ao ciclo da existência diz respeito a não nos tornarmos reféns dos processos de reificação dos fenômenos, ou seja, dar a esses fenômenos uma existência que eles não possuem, e por assim fazer nos apegarmos aos prazeres que eles nos proporcionam, seja pelas cinco consciências dos sentidos, ou seja, pelas elaborações mentais que tais paisagens constroem. Porque não há nada nessa experiência samsárica que seja permanente, e por isso não devemos desenvolver qualquer tipo de apego que desperte em nós o desejo de permanecer nesta experiência ou mesmo retornar a ela. Aqueles que são incapazes de abandonar o sofrimento e suas causas, jamais se libertarão do samsara. A renúncia diz respeito às ilusões.

Drakpa Gyaltsen nos instrui sobre a importância de nos desconectarmos do mundo da existência. Se não entendemos isso como sendo ilusório e raiz de nosso sofrimento então, não nos desconectamos. “A palavra nirvana significa livre de sofrimento, alcançar o estágio de além do sofrimento implica em renunciar suas causas, ou seja, renunciar a essa existência cíclica”(GYALTSEN apud RINPOCHE, 2003, p.99).

Todas as condições ilusórias são insatisfatórias, ou seja, são raízes de sofrimento. Muitos de nós proclamamos ser praticantes do dharma, porém não renunciamos ao samsara de forma alguma. Precisamos sacrificar nosso apego a ele para alcançar a plena liberação.

Se percebemos que ainda é relevante estar na busca de nomes, títulos, reconhecimento, riqueza, fama, status etc. – esses são claros sinais que ainda se está apegado ao ciclo da existência. Há uma atitude simples em relação a isso: se ir a um determinado lugar lhe causa muito sofrimento, nunca mais volte aí. Esse deve ser o sentimento em relação ao samsara e a todas as ilusões que nos mantêm conectados a ele.

Com auxilio da meditação podemos desenvolver a habilidade de perceber como estamos engendrados em ações que sustentam as visões ilusórias dos oito dharmas mundanos, pois de acordo com o ensinamento desta segunda linha, são essas visões que nos mantêm presos neste ciclo.

Esta segunda linha, seu ensinamento e sua prática, sugerem que além do não apego para com esta vida presente, sejamos também livres do desejo de nascimentos futuros no círculo de existência.

Logo é o sofrimento de agregados o que cobre o universo inteiro. Cada um de nós empreende um trabalho que nunca termina. Nossas vidas são cheias de contínuo esforço. Nossas ações nunca acabam. Nesta vida mundana muito ocupada, é cheia de atividades, mas um dia nós iremos morrer sem terminar esse trabalho. Todos morrem no meio da vida.

Então, não importa onde a pessoa renasce, se nos mais baixos reinos ou nos reinos mais altos, todos estão cheios de sofrimento. Por exemplo, se o veneno está misturado com comida – se é comida boa ou comida ruim dá no mesmo – a pessoa não pode comer isto. Da mesma maneira, não importa onde se nasce, ou nos reinos mais altos ou nos mais baixos reinos, contanto que seja dentro do ciclo de existência, a pessoa experimentará sofrimento.