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Métodos de análise para composição do estudo de caso: análise de

2.3. Desenho metodológico, métodos e técnicas

2.3.3. Métodos de análise para composição do estudo de caso: análise de

De forma a facilitar o entendimento sobre o encaixe da utilização da análise de discurso como método de investigação empírica do caso em tela, a proposição de Thompson (1993 apud Gutierrez, 1997, p. 07) de um esquema metodológico que articula três níveis fundamentais de análise é profícua nesse sentido. Os três níveis apresentados por Thompson são: 1) a análise sócio-histórica; 2) a análise discursiva e 3) a interpretação. Ainda que na argumentação de Thompson o esquema esteja dividido em três níveis, Gutierrez ressalta que esta divisão é primordialmente analítica e as fases ou níveis não devem ser consideradas como estágios discretos de um método sequencial, mas sim como dimensões teoricamente distintas de um processo interpretativo complexo.

A análise sócio-histórica pressupõe que as produções discursivas são realizadas e recebidas por indivíduos situados em circunstâncias sócio-históricas específicas. Essas circunstâncias podem estar caracterizadas por disposições institucionais de diversos tipos e por relações de poder e dominação. Esta fase trata de conduzir uma análise social bastante ampla que inclua a reconstrução das condições nas quais se produzem e se recebem as formas de discurso. Este nível está representado por toda a discussão teórica e histórica apresentada previamente ao capítulo empírico, que situa adequadamente a discussão a ser empiricamente analisada pelo estudo de caso e faz proposições teóricas concretas visando contribuir para o campo de estudo em questão (capítulos 03,04 e 05).

A análise discursiva considera que as formas de discurso9 expressam um

posicionamento político-social que devem ser consideradas não somente como práticas social e historicamente situadas, como também como construções linguísticas que apresentam uma estrutura articulada. Empreender uma análise discursiva, no entendimento de Gutierrez (1997), equivale a estudar estas construções linguísticas com o fim de explicar os posicionamentos político-ideológicos. Este segundo nível requer considerações metodológicas para realizar a escolha sobre qual o tipo de

9Como definido por Pecheux (1978) e Robin (1973) (apud Gutierrez, 1997, p. 05) o discurso, de

forma geral, é aqui entendido como "toda prática enunciativa considerada em função de suas condições sociais de produção, que são fundamentalmente condições institucionais, ideológico-culturais e histórico conjunturais”.

produção discursiva será analisada. Dentre diversas propostas, Gutierrez destaca algumas especialmente direcionadas a explicar construções linguísticas e suas características político-ideológicas, tais como: a análise narrativa, a argumentativa, a sintática, a conversacional, a semiótica, etc. Essa análise está representada no capítulo que apresenta e discute o estudo de caso selecionado aplicando métodos de análise de discurso aos documentos apresentados como representativos do caso (capítulo 06).

Por fim, um terceiro nível de análise está relacionado à interpretação. Gutierrez destaca que, por mais rigorosos que sejam os métodos para a análise de discurso, esses não podem suprimir a necessidade de uma construção criativa da significação, ou seja, uma explicação interpretativa do que é dito. Ao se explicar o que representa o que foi dito, o processo de interpretação transcende o caráter fechado do discurso enquanto uma construção com uma estrutura articulada.

O discurso diz algo sobre algo, afirma e representa, e é esse caráter transcendente o que deve ser captado pela interpretação. Mesmo que a interpretação esteja já contida na significação, em seu sentido mais amplo, este nível se constitui em ferramenta privilegiada de penetração na explicitação das ideologias e em uma articulação do nível do discurso com a totalidade social. A interpretação cumpre duas funções. Por um lado, articula uma totalidade teórica e, por outro, integram conhecimento e prática através da crítica e autorreflexão (Thompson apud Gutierrez, 1997, p. 08)

Essa análise está representada nas proposições conclusivas do capítulo 06, que apresenta e discute as considerações finais da tese, que articula toda a contextualização histórico-política, os construtos teóricos discutidos e trabalhados e o caso analisado.

Ou seja, o principal método de análise a ser utilizado para conduzir o estudo de caso é a Análise de Discurso. Partiu-se do pressuposto que os documentos produzidos pelos atores envolvidos no caso em análise são reprodução fidedigna, clara e objetiva (ainda que parcial e reduzida) dos posicionamentos político-sociais dos atores envolvidos e dos resultados dos debates que se derem no âmbito do evento. Para além disso, os documentos permitem a produção de inferências sobre esses posicionamentos, uma vez que a evolução das posições oficiais é registrada em três diferentes momentos: pré, durante e pós-evento.

Segundo Gill (2003, p. 244) análise de discurso são vários métodos reunidos sob um só nome. “O que estas perspectivas partilham é uma rejeição da noção realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou de descrever o mundo, e uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social.” Ainda

que a autora explique que há pelo menos 57 variedades de análise de discurso, ela entende que

É proveitoso pensar a análise de discurso como tendo quatro temas principais: uma preocupação com o discurso em si mesmo; uma visão da linguagem como construtiva (criadora) e construída; uma ênfase no discurso como uma forma de ação; e uma convicção na organização retórica do discurso (Gill, 2003, p. 247).

Para Gill, a principal premissa do método de análise de discurso é o entendimento de que todo discurso é manufaturado a partir de recursos linguísticos pré-existentes. Ele pode ser montado de diversas maneiras e essa montagem parte de escolhas, seleções, de um número diferente de possibilidades e, também, ele se orienta à ação ou à prática social – as pessoas pregam o discurso para fazer coisas (Gill, 2003, pp. 247-248, ênfase no original). Sobre este último aspecto, Gill (2003, p. 248) destaca que, nesta perspectiva, a linguagem não é um mero epifenômeno mas uma prática em si mesma. Assim, todo discurso acaba sendo circunstancial (p. 249). Isto é, “como atores sociais, nós estamos continuamente nos orientando pelo contexto interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para nos ajustarmos a esse contexto”. Por fim, Gill revela uma última preocupação do método: para a análise de discurso os textos são organizados retoricamente – a vida social é caracterizada por conflitos de vários tipos. Dessa forma, “grande parte do discurso está implicada em estabelecer uma versão do mundo diante de versões competitivas” (Gill, 2003, p. 250). Assim, na argumentação da autora, “a ênfase na natureza retórica dos textos dirige nossa atenção para as maneiras como todo discurso é organizado a fim de se tornar persuasivo” (idem)

É relevante ainda expor as especificidades das análises de discursos de natureza política, que caracteriza o caso em questão e apresentam viabilidades em captar certas dimensões da realidade social, como a ideológica e a política, como revelado por Gutierrez (1997). Segundo a autora, isso é possível porque o método nos permite conhecer e descrever não somente o que diz o emissor de determinados discursos, como também o contexto e a situação conjuntural em que esses são emitidos.

Ainda que o discurso por si só não nos proporcione toda a informação necessária para conhecer a realidade social, ele nos permite, por outro lado, encontrar “chaves que nos levam à reconstrução dessa realidade”. A autora ainda reitera a importância do discurso a partir das colocações citadas por Eribon (1982): “o trabalho político se reduz, no essencial, a um trabalho sobre as palavras, porque as palavras contribuem para construir o mundo social” (Eribon 1982 apud Gutierrez, 1997, p. 01). A análise de discursos permite descobrir o que é importante para os líderes em termos de valores e visões ou representações. A análise de discurso pela perspectiva política parte do

pressuposto de que a linguagem é portadora de conteúdo político e pesquisa-lo, nesta perspectiva implica,

(...) estudar a linguagem no mundo social, a maneira pela qual a linguagem é usada na vida social cotidiana e os modos pelos quais os múltiplos e variados usos da linguagem se entrecruzam com o poder, alimentando-o, sustentando-o e executando-o (...) pôr em evidência as maneiras em que certas relações de poder são mantidas e reproduzidas em um conjunto interminável de expressões que mobilizam o sentido no mundo social.

A abordagem que busca conduzir uma análise discursiva política como a apresentada no presente trabalho articulará três enfoques fundamentais: o discurso, o posicionamento político e o poder (buscado ou mantido) sobre o assunto em tela. A prática da análise de discurso, assim como suas modalidades, toma diferentes caminhos de acordo com as tradições seguidas, o objeto em observação e o campo teórico em que se enquadra. As orientações práticas de Gill (2003) se colocam úteis por sua simplicidade e também por sua aplicabilidade geral. A autora divide a prática da análise em algumas etapas que mais do que pretenderem se prestar a caracterizar um manual de análise de discurso, se propõem a guiar o analista pelos grandes conjuntos de tarefas que o método requer. Gill propõe a suspensão da crença naquilo que é tido como dado, de forma a permitir que se faça perguntas diferentes. A transcrição literal dos discursos deve ser seguido de uma leitura geral “de espírito cético” (Gill, 2003, p. 252), ou “flutuante”, como colocado por Rocha e Deusdará (2005, p.313):“a partir dessa primeira leitura, o pesquisador pode transformar suas intuições em hipóteses a serem validadas ou não pelas etapas consecutivas. Das hipóteses formuladas é possível extrair critérios de classificação dos resultados obtidos em categorias de significação”. As categorias de significação são entendidas por Gill (2003) como usadas para a “codificação” e determinadas pelas condições de interesse.

A análise dos discursos propriamente ditos, de acordo com Gill (2003, p. 254) se divide em duas fases: em primeiro lugar há uma procura por um padrão nos dados. Em seguida, há uma preocupação com a função – “com a criação de hipóteses tentativas sobre as funções de características específicas do discurso, e de testá-las frente aos dados” (Potter e Wetherell apud Gill, 2003, p. 254). Gill destaca ainda que os silêncios, ou aquilo que não é dito, são relevantes e requerem uma consciência aprimorada das tendências e contextos sociais, políticos e culturais aos quais os discursos se referem:

Sem essa compreensão textual mais ampla, não seremos capazes de ver a versão alternativa dos acontecimentos, ou fenômenos que o discurso que estamos analisando pretendeu contrariar; não conseguiremos perceber a ausência (às vezes sistemática) de tipos

particulares de explicação dos textos que estamos estudando; e não conseguiremos reconhecer os significados dos silêncios (Gill 1996 apud Gill, 2003, p. 255).

Para concluir a metodologia, recapitula-se: tendo em vista o exposto para fundamentar as escolhas metodológicas e os métodos e ferramentas a possibilitarem o desenvolvimento da presente tese, reiteramos: a escolha pela metateoria interpretativista, a metodologia qualitativa orientada por casos, a estratégia de pesquisa de triangulação (entre revisão bibliográfica e estudo de caso, conduzido por análise de discurso). O elemento de análise fundamental é o Estado, mas as derivações necessárias para o escrutínio das hipóteses realocam o poder, a informação e o regime global de informação como variáveis dependentes nos níveis de análise mais aprofundados, com o propósito de conduzir a respostas para a hipótese principal. Estes níveis de análise mais aprofundados trabalharão com dados cuidadosamente selecionados que permitam a conclusões por inferências causais e proposição de contribuições teóricas para conceitos centrais ao tema aqui tratado. A tese, conforme exposto, utiliza as abordagens positivistas inerentes à própria discussão das categorias de análise para se valer, na construção como um todo, da abordagem interpretativista. Isto é, ainda que ao trabalhar com regimes, poder e/ou globalização a tese se valha de algumas discussões positivistas inerentes a cada uma dessas categorias, na construção do todo, a abordagem foi interpretativista. O reducionismo e o determinismo positivista podem até marcar os capítulos individualmente, até porque muitos dos campos são dominados por construções teóricas positivistas, todavia, a construção do relacionamento entre globalização, regimes e poder, não. O fenômeno contemporâneo que expõe o relacionamento intrínseco entre eles encontra-se em construção e depende fundamentalmente do processo investigativo que lhe dará sentido. A realidade acerca de um Estado em

mudanças, com novos ou renovados papeis, cujo poder se transforma, revela como o papel da informação e a influência da globalização o afetam. O que propomos é buscar identificar e explicar o processo de conformação do Estado tendo em vistas essas fortes influências, como elas o afetam e quando elas o submetem. A triangulação permite fazer uma construção interpretativista de objetos marcadamente tratados por vieses positivistas.

Ainda sobre a questão da triangulação cabe uma explicação adicional. Ainda que se tenha trabalhado com alguns documentos escritos do NETmundial e a essência de alguns discursos, o que justificaria dizer que a abordagem seria de análise de conteúdo, o que se buscou fazer na tese foi interpretar e reinterpretar posicionamentos políticos dos atores. A análise sócio-histórica dos discursos, ainda que circunscritas

em um pequeno intervalo de tempo, associadas a um processo de interpretação dos mesmos, dos posicionamentos políticos adotados pelos atores em jogo, justificam a análise de discurso como abordagem predominante na tese e não análise de conteúdo.

3. Globalização, Informação e os novos papéis do Estado na

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