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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.4. MÉTODOS DE REPARAÇÃO DA CÓRNEA

Os procedimentos clínicos disponíveis para o tratamento das úlceras de córnea são inúmeros, e a escolha dos métodos a serem aplicados muda de acordo com a lesão de cada paciente. Os métodos variam desde uma simples limpeza, tanto da córnea quanto do saco conjuntival, e terapia antimicrobiana, quando se faz presente uma contaminação, até o uso de substâncias mais específicas, como substitutos da lágrima e fatores de crescimento (NASISSE, 1985; LANCE et al., 1988; MARQUES et al., 1989; KIRSCHNER et al., 1990; SHARIF & CASEY, 1993; BESSANT & DART, 1994; SWANK & HOSGOOD, 1996; DELLAERT et al., 1997; ZHANG & AKHTAR, 1997; GATON et al., 1998; WU et al., 1998; SHAH et al., 2001). Orienta-se ainda para o uso de agentes que auxiliam no combate à dor e de drogas anticolagenolíticas (NASISSE, 1985). O uso de agentes hiperosmóticos locais, bem

como a aplicação de vitaminas A, C e E, beta-irradiação, proteínas, enzimas e gamaglobulinas, além de lubrificantes oculares e cauterização química, são citados amplamente na literatura (STARTUP, 1984; HELPER, 1989; SLATTER, 1990; BURDON & McDONNELL, 1995; JOHANSEN et al., 1998).

O recobrimento do olho com tampões externos às pálpebras também são mencionados; porém, num estudo pioneiro em humanos, ARBOUR et al., (1997), observaram que este procedimento resultou em menor taxa de oxigenação da superfície epitelial da córnea, redução da renovação do filme lacrimal, diminuição da taxa de eliminação dos produtos do metabolismo corneal, além de impedir o controle do crescimento bacteriano. Neste estudo, não se observou diferença estatística no grau de cicatrização entre olhos com úlceras superficiais tratados apenas com medicamentos e aqueles que receberam o tampão além do tratamento convencional com colírios antibióticos.

Nos casos onde a lesão inicial é responsável por grande perda tecidual, ou quando os procedimentos clínicos são insuficientes para a obtenção de uma perfeita cicatrização, estão indicadas as condutas cirúrgicas. Os objetivos do tratamento cirúrgico incluem, entre outras medidas, a prevenção da progressão da lesão para a perfuração, reparação de feridas perfuradas e proteção da superfície corneal durante o processo de cicatrização (VAN EE et al., 1986; MARQUES et al., 1989; KERN, 1990; BESSANT & DART, 1994).

Vários métodos de reparação cirúrgica das lesões da córnea têm sido estudados ao longo de mais de 200 anos de pesquisas e, já no século XVIII, QUENGSY, em 1789, citado por GUIMARÃES (1979), propôs a utilização de placas de vidro em

substituição às córneas lesadas. Porém, o pioneiro na utilização deste método foi Nussbaum, em 1856, citado por Paton (1955). A partir desta época, inúmeros trabalhos neste sentido têm sido desenvolvidos (LANCE et al., 1988; HILL, 1995; NEWMAN et al., 1995; HUDDE et al., 1999).

Os transplantes de córnea são, há muitos anos, amplamente estudados, tendo sido VON HIPPEL, em 1888, citado por JENSEN (1963), o primeiro cientista a realizar um transplante de córnea. Apesar do insucesso inicial na execução do procedimento, devido às limitações técnicas, este estudo contribuiu significativamente para o desenvolvimento de novas metodologias. Seguindo os mesmos objetivos, as técnicas de transplante de córneas autógenas, alógenas e xenógenas foram aperfeiçoadas e executadas com sucesso por diversos pesquisadores, traduzindo-se em um grande avanço nas cirurgias da córnea, com benefício direto na restauração da transparência da córnea em diversas doenças da superfície ocular (PATON, 1955; BERNIS, 1961; JENSEN, 1963; DIETZ et al., 1975; BURDON & McDONNELL, 1995; HILL, 1995; ARMITAGE & EASTY, 1997; HUDDE et al., 1999). As indicações para a realização de transplantes penetrantes de córnea são inúmeras, e merecem destaque na espécie humana, na qual, em muitos olhos, é restabelecida a visão mediante a execução desta técnica, ao mesmo tempo moderna e centenária (COSTER, 1994; NEWMAN et al., 1995; TANURE et al., 1997; NISCHIWASKI-DANTAS et al., 1998; LAM et al., 1998; OFFORD et al., 1999).

Apesar da córnea ser considerada um órgão privilegiado para a transplantação, com alto poder de aceitação pelo receptor, mais recentemente, estudos sobre transplantes

penetrantes de córnea têm se voltado para a descrição de fenômenos imunológicos relacionados à inflamação e à rejeição, além de primar pelo desenvolvimento de métodos de cultura de tecidos que permitam o crescimento de córneas em laboratório e diminuam a ocorrência de complicações, como a vascularização dos tecidos transplantados e a conseqüente rejeição (LOPATIN et al., 1989; COSTER, 1994; ARMITAGE & EASTY, 1997; LAM et al., 1998; MATSUDA et al., 1999; PLSKOVÁ et al., 2002).

Apesar dos resultados animadores nos estudos voltados para a medicina veterinária, e da aplicação rotineira dos transplantes de córnea em humanos, poucas são as citações sobre o uso terapêutico de enxerto ou transplante de córnea em animais, devido à ausência de bancos de córnea, o que contribui para limitar o uso desta técnica em nosso meio (BRIGHTMAN et al., 1989; HACKER, 1991; MORALES, 1994).

Na tentativa de suplantar estes problemas, técnicas utilizando outras estruturas oculares têm sido estudadas. Merecem destaque as tarsorrafias e os recobrimentos com a membrana nictitante. Ambos são de fácil aplicação, e têm como objetivo principal oferecer proteção mecânica ao tecido lesado (HAKANSON & MERIDETH, 1987). Porém, estas técnicas limitam a exposição do olho para a aplicação tópica de medicamentos e, a menos que a sutura seja ancorada no bulbo ocular, os movimentos do olho podem provocar uma fricção indesejável entre a córnea e o tecido de recobrimento (STARTUP, 1984; NASISSE, 1985; KERN, 1990; BARROS et al., 1995). Sendo assim, suas indicações são voltadas para as úlceras não complicadas, para a proteção da córnea em exoftalmias, lagoftalmias e ceratites

neurotróficas (STARTUP, 1984; MARQUES et al., 1989; MORALES, 1994; MATSUDA et al., 1999).

Quando se tem lesões ulceradas que atingem dimensões maiores que dois terços de profundidade da córnea, são recomendadas cirurgias reconstrutivas. A conjuntiva, por se apresentar como uma membrana mucosa intensamente vascularizada e, somando-se a isto, possuir mecanismos de defesa específicos e inespecíficos, com uma ótima proximidade da córnea, tem se prestado muito bem para o recobrimento das feridas da córnea (HENDERSON, 1951; NASISSE, 1985; HAKANSON & MERIDETH, 1987; NASISSE & NELMS, 1992; MORALES, 1994).

SCHOLER em 1899, citado por HENDERSON (1951), utilizou pela primeira vez um retalho de conjuntiva para a reparação de úlcera de córnea. Desde então, as características do tecido conjuntival têm sido exploradas como método de reparação da córnea.

MORALES (1994), após estudar, comparativamente, os enxertos autógenos livres e pediculados de conjuntiva no reparo de ceratectomias experimentais em cães, observou melhor evolução clínica para os enxertos pediculados. Aos 60 dias de pós- operatório, os enxertos livres apresentaram-se mais transparentes, com as córneas mais claras. Em ambos os casos, houve substituição do epitélio conjuntival implantado, por epitélio corneal normal, a partir de 30 dias após a realização da cirurgia. Os resultados finais permitiram concluir que os implantes pedunculados conferiram subsídios tróficos mais favoráveis à córnea receptora, ao passo que os enxertos livres promoveram maior transparência, sendo mais eficientes nas lesões axiais.

Como alternativa para a aplicação de enxertos, inúmeras membranas biológicas têm sido estudadas para reparação das feridas corneais.

Em busca de novos materiais para a reparação de perdas parciais de estroma corneal, Laus (1994), investigou a escama de sardinha (Sardinella brasiliensis), como substituto de lamelas de córnea em ceratectomias superficiais. Os resultados finais demonstraram que o material proposto é exeqüível na restauração de porções lesadas da córnea.

Em 1994, Barros utilizou membrana amniótica xenóloga em ceratectomias penetrantes em cães, com resultados animadores.

Seguindo os mesmos princípios, Barros et al., (1995), utilizaram pericárdio eqüino conservado em glicerina em ceratoplastias lamelares experimentais em cães. Os resultados demonstraram uma pressão intra-ocular baixa nos primeiros dias de pós-operatório, com aumento gradativo até os valores normais. Ao exame morfológico, identificou-se infiltrado inflamatório agudo nas fases iniciais, com subseqüente epitelização. O acompanhamento mostrou os olhos em boas condições após 18 meses de cirurgia.

No ano seguinte, em 1996, Andrade testou a cápsula renal eqüina, conservada em glicerina, na ceratoplastia experimental em cães. Ao avaliar os resultados, obtidos após a aplicação do implante em 14 animais, o autor concluiu que o procedimento foi substancial para a indicação da membrana testada nas ceratoplastias, visto que as córneas evoluíram seguindo os padrões clássicos da reparação cicatricial.

Em estudo mais recente, GALERA (1999) testou a túnica vaginal a fresco na ceratoplastia lamelar experimental em cães. Dos resultados obtidos, pôde-se concluir que a aplicação de enxerto com túnica vaginal a fresco revelou ser eficaz e de baixo custo na realização de ceratoplastias lamelares em cães. Os resultados demonstraram que o procedimento é coincidente com os padrões clássicos da reparação do tecido corneal, com evidência final de poucas seqüelas cicatriciais.

Outras técnicas, como o uso de lentes terapêuticas e adesivos cirúrgicos, são também citados na literatura, sem no entanto, revelarem grande interesse na medicina veterinária. Como fatores que inviabilizam o uso das lentes de contato, citam- se o alto custo de produção e a diversidade de convexidade e dimensões do diâmetro da córnea. Isto já não acontece com os adesivos, que apresentam uma grande variedade de situações onde podem ser aplicados com baixo custo (WENDLER et al., 1983; STARTUP, 1984; KERN, 1990; SAMPAIO, 1999; SU & LIN, 2000; DUCHESNE & GALAND, 2001).

O uso de adesivos em tecidos vivos já vem sendo experimentado por diversos pesquisadores há muitos anos, com vistas ao desenvolvimento de um método que possibilite uma síntese rápida e eficiente dos tecidos, com formação mínima de reação granulomatosa no local da ferida. Inicialmente, esperava- se que a substância proporcionasse efeito hemostático, firme aderência dos tecidos e ausência de efeitos colaterais, como por exemplo, ação carcinogênica (MORANDINI & ORTIZ, 1992).

TARLOV (1940) e YOUNG (1944), ambos citados por MORANDINI & ORTIZ (1992), deram o impulso inicial ao desenvolvimento de substâncias adesivas para uso em tecidos

vivos. Estes autores utilizaram respectivamente plasma enriquecido com fibrinogênio heterólogo e homólogo na confecção de colas biológicas. Estes estudos são lembrados pela iniciativa histórica, pois, os resultados não comprovaram as expectativas iniciais.

A partir desta época, o desenvolvimento e aplicação de adesivos sintéticos passaram a despertar o interesse de pesquisadores e inúmeras substâncias, como a mistura de caseína e álcool polivinil, derivados da borracha, policrilatos, resina de epóxi e resina de formaldeído foram testadas (MORANDINI & ORTIZ, 1992; SAMPAIO, 1999; DUCHESNE & GALAND, 2001).

2.5. UTILIZAÇÃO DA MEMBRANA AMNIÓTICA NA REPARAÇÃO DE