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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.3. MECANISMOS DE DEFESA DA SUPERFÍCIE OCULAR

2.3.2. MECANISMOS ESPECÍFICOS DE DEFESA

2.3.2.1. RESPOSTA IMUNE AFERENTE

As diferentes estruturas que compõem a superfície ocular respondem de forma variada ao estímulo antigênico. A córnea, que em condições normais não possui vasos sanguíneos e linfáticos, é considerada um sítio imunológico privilegiado, respondendo pobremente à presença de antígenos e, quando o faz, normalmente a resposta é lenta e fugaz, caracterizando-se por uma baixa atividade imunológica, tanto celular quanto humoral. É esta característica que faz da córnea um elemento altamente favorável ao transplante, quando comparada com outros tecidos (SMOLIN & O’CONNOR, 1981; GILLETTE et al., 1982; LIGHTMAN, 1989; BORDERIE et al., 1998; KARABATSAS et al, 1999; KUFFOVÁ et al., 1999; SCHAUMBERG et al., 1999; SOONG et al., 2000).

A conjuntiva é a única estrutura da superfície ocular com atividade linfóide comprovada, podendo esta ser comparada à atividade das membranas mucosas dos tratos gastrointestinal, respiratório e genito-urinário, que são conhecidos como um tecido especializado, denominado sistema imune de mucosa (FRANKLIN & REMUS, 1984; VANTRAPPEN et al., 1985; LARKIN & CREE, 1997; YOSHIDA et al., 1997; ENGLISH, 1999).

O tecido conjuntival funciona como um centro linfóide primário, sendo responsável pelo processamento dos antígenos presentes na superfície ocular. A conjuntiva possui, na sua intimidade, um tecido altamente especializado, conhecido como tecido linfóide associado à conjuntiva (CALT), que em medicina veterinária é conhecido como tecido linfóide da membrana nictitante, o qual é recoberto por um tecido epitelial caracterizado pela presença de inúmeras microvilosidades, as

quais facilitam a assimilação dos antígenos. A partir do momento que os antígenos provenientes da superfície ocular são incorporados pelo tecido linfóide local, entram em ação as células de Langerhans. Estas células, de origem mesenquimal, são encontradas preferencialmente na região do limbo, e desempenham papel semelhante ao dos macrófagos no processamento e apresentação dos antígenos aos linfócitos T circulantes, ou diretamente ao linfonodo regional, promovendo a sensibilização do hospedeiro ao antígeno em questão (LEMP & BLACKMAN, 1981; GILLETTE et al., 1982; CHANDLER & GILLETTE, 1983; FRANKLIN & REMUS, 1984; YOSHIDA et al., 1997; CORDEIRO & KROLOW, 1999).

A origem do comando para o desenvolvimento de uma resposta imune específica na superfície ocular é a

apresentação de um antígeno a um linfócito T CD4+, também

conhecido como linfócito T auxiliar, por meio de uma célula apresentadora de antígeno. As características da resposta imune são, em grande parte, determinadas pelas interações moleculares entre estes dois tipos celulares. Outras células não pertencentes ao sistema imunológico, representadas em geral por células epiteliais, fibrócitos e células endoteliais provenientes de capilares sanguíneos, também participam deste processo. Estes tipos celulares normalmente sofrem as primeiras agressões, respondendo à lesão celular mediante da liberação de fosfolipídios de membrana que, a partir deste instante, darão origem a fatores pró- inflamatórios, representados por moléculas como as prostaglandinas, leucotrienos, fator ativador de plaquetas e inúmeras citocinas, entre as quais se destacam o fator de necrose tumoral alfa e alguns tipos de interferon. As atividades

desempenhadas por estes fatores dão origem a uma inflamação local, caracterizada pela vasodilatação, expressão de moléculas específicas de adesão e liberação de fatores quimiotáticos (PEIFFER, 1980; FRANKLIN & REMUS, 1984; VANTRAPPEN et al., 1985; LARKIN & CREE, 1997; ENGLISH, 1999).

Os eventos anteriormente citados tendem a amplificar a resposta imune local, a partir do recrutamento de neutrófilos, monócitos, células dendríticas e células do tipo assassinas naturais (NK). Paralelamente ao aumento da circulação destas células no local da agressão, as células dendríticas são ativadas, passando a executar com mais eficiência a função de capturar e apresentar antígenos. Neste momento, a resposta de defesa da superfície ocular tem uma dupla finalidade, seja ela a de dar início à destruição inespecífica do agente agressor ou de originar uma resposta imune específica. Inicialmente, como parte da resposta inespecífica, verifica-se a liberação de inúmeras substâncias com atividade tóxica principalmente sobre os microorganismos. Estas substâncias são liberadas principalmente pelos neutrófilos e macrófagos locais, e são representadas por moléculas de oxigênio reativo, óxido nítrico e enzimas com atividade proteolítica. Ao mesmo tempo em que estas substâncias são liberadas, ocorre a fagocitose das estruturas estranhas à superfície ocular. Estes eventos são seguidos mais uma vez da liberação de substâncias quimiotáticas que intensificam a ativação e o recrutamento de células apresentadoras de antígeno. As principais citocinas envolvidas neste mecanismo de sensibilização e amplificação do sistema de defesa da superfície ocular são: interferon alfa, fator de necrose tumoral alfa, interleucina 1 e interleucina 2. As células apresentadoras de antígeno, então

ativadas por estas substâncias, passam a capturar os antígenos e transportá-los para o linfonodo regional, onde ocorrerá a apresentação dos mesmos aos linfócitos T CD4+ (CORDEIRO E KROLOW, 1999; ENGLISH, 1999).

A cadeia de eventos acima descrita representa uma rotina para a superfície ocular, pois, a todo instante, moléculas diferentes entram em contato com a conjuntiva e a córnea, exigindo esforços sem precedentes para a sua eliminação. Porém, nem toda molécula lesa a estrutura celular local, pois, se assim fosse, a superfície ocular permaneceria insistentemente inflamada. Desta forma, entende-se que boa parte do material estranho depositado na superfície ocular ou é eliminado pelos mecanismos anatômicos ou sofre processamento e destruição local, sem alarde desnecessário ao sistema específico de defesa. Cabe também comentar que a resposta inflamatória é o ponto de partida de toda a seqüência de eventos que se segue à agressão celular local, e é pré-requisito fundamental para o desenvolvimento da resposta imunológica específica, a qual, a partir de agora, iremos comentar.