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4 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

4.2 Métodos e técnicas de pesquisa

Os atores, queiram ou não, segundo Monceau (2008b), estão implicados na instituição. Segundo o autor, essa não é uma definição comum nas ciências sociais, mas traz a vantagem de permitir uma análise qualitativa, ou seja, se todos estão implicados, resta saber como o

estão.

Pressupomos que apoiadores, trabalhadores das ESFs e a pesquisadora estão, todos, não somente implicados na estratégia matricial, mas também nesta atividade científica que produz conhecimento sobre tal questão. Optamos por uma pesquisa qualitativa para analisar a diversidade de formas assumidas por essa implicação, ao que Monceau (2008b, p. 60) se refere como “modalidades de implicação”.

O caminho metodológico traçado por Lourau (1997b, p. 15) foi tomado como norte para esta pesquisa:

O mais importante, aos meus olhos, é o que se passa de alguns anos para cá, a saber, a existência, na comunidade científica, dentre outras correntes, de uma análise institucional como método de trabalho científico, destacando a descrição das condições da pesquisa, a implicação permanente e não mais mencionada pontualmente, a ligação entre a implicação e a institucionalização e, mais particularmente, a questão da escrita (ou todas outras formas de exposição) das ciências humanas.42

Utilizamos a perspectiva da socioanálise para construir dispositivos analisadores em potencial como grupos focais e entrevistas (conferir adiante), a fim de analisar e refletir conjuntamente com os participantes sobre a relação que eles estabelecem com o AMSM, aos modos de uma pesquisa-intervenção, orientada pelo lema de que “todo conhecer é um fazer” (PAULON, 2005). Levamos em consideração dois tipos de intervenção. A primeira: a própria inserção da equipe de saúde mental na Estratégia de Saúde da Família, ao tentar transformar a realidade das práticas de saúde e os modos de como os sujeitos entram em relação formando coletivos pela chamada tecnologia relacional (BENEVIDES; PASSOS, 2005) ou tecnologia

42 Do original: Le plus important, à mes yeux, restant ce qui se passe depuis quelques années, à savoir

l’existence, dans la cité scientifique, parmi d’autres courants, d’une analyse institutionnelle comme méthode de travail scientifique, mettant l’accent sur la description des conditions de la recherche, sur l’implication permanente et non plus mentionnée ponctuellement, sur le lien entre implication et institutionnalisation et plus

particulièrement sur le mise en question de l’écriture (ou tout autre forme d’exposé) des sciences de l’homme

leve (MERHY, CHAKKOUR et al., 2007b). A segunda: nossa própria prática de pesquisa, considerada em si uma prática de intervenção (GUILLIER, 2002). Dessa forma, tomamos esta pesquisa como uma intervenção institucional que coloca em ação “a relação mantida pelos indivíduos com a instituição” (LOURAU, 1975, p. 143).

Como técnicas de pesquisa fizemos uso de grupos focais e entrevistas, além da escrita diarística – discutida acima e a consulta a documentos.

Consultamos todos os documentos disponíveis dos serviços de Santa Luzia que podiam ajudar a compreender a implicação dos sujeitos com o AMSM, como o projeto do AMSM, relatórios de estagiários de Psicologia, atas de reunião (da equipe matricial, da equipe matricial com os CAPSs, do Conselho Municipal de Saúde). Todos os documentos estavam em versão eletrônica, com exceção de algumas das atas, sobre as quais cabe um esclarecimento. De novembro de 2008 a 23 de março de 2010, as atas eram redigidas pelos estagiários de Psicologia e divulgadas por meio eletrônico a toda a equipe matricial, mas não eram feitas de forma regular. De 24 de março de 2010 a 9 de fevereiro de 2011, elas passaram a ser confeccionadas no momento da reunião, em um livro de atas, que ficava disponível para consulta por gestores e trabalhadores no CAPS III, com os quais eram mantidas reuniões regulares, cujas decisões eram registradas nestas atas. Finalmente, a partir dessa data, às vésperas da integração do AMSM ao NASF, ela voltou a ser feita em documento eletrônico, mas por todos os integrantes da equipe matricial, em esquema de rodízio.

Utilizamos a técnica dos grupos focais para abordar diretamente os trabalhadores das ESFs e apoiadores, tomando-a como a narrativa de um grupo sobre determinado tema, já que ela é considerada mais do que a soma das opiniões, sentimentos e pontos de vista individuais em jogo (WESTPHAL et al., 1996). Considerando a importância atribuída à negociação dos significados no diálogo entre pesquisadores e trabalhadores, a técnica, de tradição dialética, estimulou essa negociação, feita em espaços de intersubjetividade e sem a preocupação de chegar a consensos. Quando não houve dissensos, entretanto, tomamos a fala de um ou mais participantes como indicativa do que o grupo pensava sobre o assunto em questão (PINTO et al., 2011). No caso de dissensos, a fala também foi analisada na interação com os demais membros do grupo, ou seja, no contexto do grupo focal.

Foi realizado um grupo focal com os apoiadores e quatro outros grupos focais com os trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família que participavam dos encontros matriciais: médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde.

No caso dos trabalhadores das ESFs, realizamos primeiramente um grupo focal com a participação de todas as categorias profissionais e, depois, um grupo focal com cada categoria profissional, ou seja, mais três. A separação posterior por categorias se pautou pela preocupação em facilitar-lhes a possibilidade de expressão, partindo do pressuposto de que há uma tendência no contexto da saúde de que a autoridade cultural (STARR, 1982)43 dos médicos estabeleça quais são os discursos válidos em detrimento do discurso dos outros profissionais. Embora o intuito não tenha sido o de comparar a narrativa das várias categorias profissionais das ESFs, levamos em consideração a importância atribuída por Lourau (1996) à instituição de pertencimento mais próxima do sujeito, a qual viabiliza a inserção do profissional na situação social de intervenção, identificada como, no caso, a instituição profissional, sem desqualificar a composição afetiva e política das implicações. Assim, algumas particularidades observadas entre os grupos serão identificadas ao longo da análise dos resultados para melhor caracterizar a diversidade de modalidades de implicação no segmento institucional44 dos trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família.

Apesar de estarmos cientes das vantagens da homogeneidade na composição dos grupos focais, tal como relatado acima, a opção por iniciarmos com um grupo focal de composição mista se justificou por remeter ao grupo natural da ESF que participa dos encontros matriciais e, principalmente, por apostarmos, em concordância com Flick (2004), que as formações distintas poderiam levar a dinâmicas intensificadas na discussão, revelando, assim, mais aspectos e perspectivas do fenômeno em estudo – os quais poderiam ser mais bem explorados nos grupos focais subsequentes. Entretanto, o resultado da análise preliminar mostrou que havia dificuldades de expressão no grupo misto, e não nos pareceu justificar sua utilização para esse efeito esperado. Ao contrário, os participantes dos grupos homogêneos se sentiram mais à vontade para expressar suas ansiedades e críticas em relação ao objeto. Assuntos tratados no grupo focal misto apareceram nos grupos específicos por categoria profissional, os quais os trataram de forma mais ampla e também ampliaram a variedade de temas. No caso dos apoiadores, a divisão por categoria profissional para a constituição dos

43 A autoridade cultural pode ser entendida como a maior probabilidade de que as definições particulares de

realidade e julgamentos de significado e valor prevaleçam como válidos e verdadeiros. A este respeito conferir, também, Penido (2002; 2005).

44 Utilizamos a expressão “segmento institucional” para designar cada um dos três grupos de atores participantes

desta pesquisa: trabalhadores das ESFs, apoiadores e gestores. Longe de retratar uma realidade fragmentada, tomamos cada um dos segmentos como polos que compõem o campo de forças no qual as implicações se construirão, também, na relação entre eles e de cada um deles com a estratégia matricial.

grupos focais não foi possível, visto serem poucos os profissionais de cada uma delas (máximo três).

A técnica de entrevista semi-estruturada e em profundidade, individual, foi utilizada para o grupo de gestores, por considerarmos que a hierarquia refletida pelo organograma institucional poderia inibir a participação dos subordinados, no caso de um grupo focal. Além disso, um grupo focal para os gestores contaria com a própria gestora do AMSM como participante, o que poderia provocar constrangimentos. Tentamos facilitar, com esse cuidado, maior condição de expressão dos gestores envolvidos, assegurando espaço para a veiculação de ideias eventualmente dissonantes em relação ao objeto em avaliação. Ressalte-se que a entrevista da pesquisadora, como gestora, foi realizada por um membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde Coletiva (NUPESC) da UFMG, do qual ela faz parte. A análise da entrevista da pesquisadora-gestora foi realizada, primeiramente, por outro pesquisador do grupo e pela orientadora, que triangularam os dados posteriormente. Para as demais entrevistas e grupos focais, tal arranjo no modo de realizar a análise foi feito pela distribuição aos demais participantes do grupo de pesquisa e, em seguida, pela pesquisadora e orientadora.