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A Mídia como Campo de Construção do Poder Simbólico na Luta Política: a

1 A MÍDIA E A RELAÇÃO COM A POLÍTICA

1.5 A Mídia como Campo de Construção do Poder Simbólico na Luta Política: a

seus valores sobre os diferentes campos

No mundo moderno e globalizado os meios de comunicação social (re)ordenam as relações de espaço e tempo entre os indivíduos estabelecendo

novos padrões para a experiência de trocas simbólicas. As relações sociais entre os indivíduos se dão através de uma interação muito mais ampla que apenas o seu grupo social ou o seu campo de atuação. Os indivíduos interagem dentro de contextos sociais estruturados (os campos) movidos por interesses e objetivos específicos que estabelecem relações de poder entre si.

John Thompson define o poder como “a capacidade de agir para alcançar os próprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas conseqüências” (THOMPSON, 2002a, p. 21).

Com o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação um novo contexto de ação dentro do campo político emergiu: “os governantes políticos tiveram que se preocupar cada vez mais com sua apresentação diante das audiências que não estavam fisicamente presentes” (THOMPSON, 2002a, p. 123). Se por um lado essa nova postura trouxe maior transparência ao exercício do poder político, por outro, exigiu uma nova forma de agir, incorporando ao mundo político aspectos simbólicos da visibilidade (a imagem, a linguagem, as decisões e sua repercussão na sociedade).

Já em seu estudo sobre o escândalo político midiático, Thompson explica que em uma democracia liberal, com eleições regulares, há a exigência dos representantes políticos de uma interação mais ampla com a sociedade para além da estabelecida somente dentro das regras do campo político:

Desse modo, o campo político na democracia liberal é caracterizado por uma lógica dupla e distinta, uma interna ao subcampo dos políticos profissionais ou semiprofissionais e outra ligando este subcampo a um campo mais amplo de cidadãos ou não- profissionais”.

(THOMPSON, 2002a, p. 133). A reflexão sobre a relação entre a mídia e política deve ser considerada dentro desse aspecto, pois esta interação está vinculada ao uso do poder simbólico para persuadir, confrontar e influenciar ações e crenças.

O espaço do campo jornalístico torna-se “a arena decisiva em que as relações entre políticos e não-profissionais do campo político mais amplo são

criadas, sustentadas e, ocasionalmente, destruídas” (THOMPSON, 2002a, p. 134). Porém, esse campo de interação simbólica da mídia também possui seus próprios conjuntos de interesses, posições, disputas e trajetórias profissionais. O jogo interno ao campo jornalístico também faz de seus agentes “atores” com capacidade de agir intencionalmente, ou seja, em busca do poder.

A relação entre os campos jornalístico e político não deve ser vista como algo estático. Ao contrário, seu produto é fruto de conflitos e consensos existentes dentro de cada campo e da interação desses com as tensões provenientes do campo social oposto. O objetivo é fazer prevalecer uma visão de mundo sobre outra através da luta política. Bourdieu define a “luta política” como:

(...) uma luta cognitiva (prática e teórica) pelo poder de impor a visão legítima do mundo social, ou melhor, pelo reconhecimento, acumulado sob a forma de um capital simbólico de notoriedade e respeitabilidade, que confere autoridade para impor o conhecimento legitimo do sentido do mundo social, de sua significação atual e da direção na qual ele vai e deve ir.

(BOURDIEU, 2001, p. 226).

Ao se considerar esse conceito na observação empírica sobre a cobertura jornalística de temas que interferem no campo político (como o processo eleitoral, por exemplo) é possível perceber os mecanismos utilizados dentro da luta simbólica para garantir o predomínio de um ponto de vista sobre outro. Bourdieu procura analisar a influência exercida pelos mecanismos do campo jornalístico tanto sobre os jornalistas como sobre os diferentes agentes dos campos da produção cultural (BOURDIEU, 1997, p. 101). Ou seja, apesar dos limites estruturais do campo jornalístico é possível modificar em maior ou menor grau as relações de força no interior dos diferentes campos afetando o que é produzido nesses universos específicos:

O campo jornalístico impõe sobre os diferentes campos de produção cultural um conjunto de efeitos que estão ligados em sua forma e sua eficácia, à sua estrutura própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas segundo sua autonomia com relação

às forças externas, as do mercado de leitores e as do mercado de anunciantes.

(BOURDIEU, 1997, p. 108).

No aspecto político, embora exista toda a dinâmica específica ao seu campo, a relação de forças vem se alterando. A “arbitragem” da mídia é cada vez mais relevante, na medida em que ela estabelece a construção de uma realidade social constituindo símbolos, “instrumentos por excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social” (BOURDIEU, 2007, p. 10). É dessa forma que os sistemas simbólicos, elementos centrais da estrutura de luta política no campo jornalístico e político, se constituem em instrumentos de “imposição ou legitimação” de uma definição de mundo social “conforme os interesses de diferentes classes ou frações de classe” (BOURDIEU, 2007, p. 10).

Por tal razão, Bourdieu considera que a produção das idéias sobre o mundo social está subordinada à lógica da conquista do poder (BOURDIEU, 2007, p. 175). Caracterizar ou enquadrar determinados temas à conquista do poder tende a ser objeto de disputa e da luta simbólica entre os campos jornalístico e político.

2 - O CONCEITO DE AGENDA-SETTING NOS MEIOS DE

COMUNICAÇAO

Tema bastante recorrente nas análises sobre a cobertura da mídia dos fatos cotidianos é a capacidade de influência desse campo naquilo que o público em geral considera como acontecimento relevante e capaz de constituir importância para sua realidade social. O público é diariamente colocado diante de um conjunto de mensagens, selecionadas pela mídia dentre um grande número de informações que detém, que estruturam e dão significado e sentido para o cotidiano.

O papel dos meios da comunicação de massa assume relevância por se constituir no espaço simbólico onde não apenas os acontecimentos ganham amplitude, como se tornam de conhecimento público. Isto dá à mídia uma centralidade na vida social e política moderna. Thompson refuta a idéia de que os meios de comunicação de massa possam ser definidos simplesmente por “sua capacidade de garantir a coesão e reprodução da ideologia dominante”, como uma estrutura periférica, dentre um conjunto de “aparelhos ideológicos”:

Hoje, as atividades dos estados e governos, de suas organizações e funcionários, têm lugar dentro de uma arena que é, até certo ponto, constituída pelas instituições e mecanismos de comunicação de massa. Os meios de comunicação de massa não são simplesmente um entre muitos mecanismos para a inculcação da ideologia dominante; ao contrário, estes meios são parcialmente constitutivos do próprio fórum em que as atividades políticas acontecem nas sociedades modernas, o fórum dentro do qual e, até certo ponto, com respeito ao qual os indivíduos agem e reagem ao exercer o poder e ao responder ao exercício de poder de outros”8.

(THOMPSON, 2002c, p. 128). Por isso, os estudos voltados para a observação da interação entre mídia e política são importantes. Não apenas pelo seu caráter instrumental, mas, sobretudo pela capacidade da mídia de “agendar”, ou seja, de definir quais são os temas socialmente relevantes que os cidadãos devem pensar. É em relação a esse

8THOMPSON, John B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002c, p. 128.

fenômeno que se constituiu o conceito de agenda-setting. Compreender os efeitos de enquadramento da mídia, ao mesmo tempo em que seja possível entender como os processos de construção de uma realidade social se expressam através do noticiário, é um dos objetivos do estudo de caso deste trabalho sobre a cobertura do Programa Bolsa Família nas eleições presidenciais de 2006.