Módulo 4: família, lugar de segurança ou abandono?

O módulo quatro foi planejado para tratar de situações relacionadas à família, a partir da leitura e interpretação do conto de fadas “João e Maria”, na versão dos irmãos Grimm. O conto trouxe a representação do abandono do pai/mãe e dos conflitos vivenciados com a madrasta/padrasto. Para tratar da questão autoral levei para sala o livro de imagem “João e Maria”, de Taisa Borges (2006), inspirado na versão dos Grimm. Para Bettelheim (1980), a agressividade e o descontentamento com os irmãos, mães e pais são vivenciados na fantasia dos contos: o medo da rejeição é trabalhado em “João e Maria”.

Sobre o conto de fadas em questão, e possíveis significados dos elementos apresentados, Parreiras (2009, p.75) acrescenta

Por exemplo, a casa de doces da bruxa da história de João e Maria, dos irmãos Grimm, pode representar o mundo novo, a voracidade, a fome, a saciação da fome. Pode ser ainda o encantamento, a falsidade, a beleza, a sedução, a aparência, a oralidade da criança, a ganância, o excesso.

No dia 26/09/17, após o sucesso da reescrita do conto Branca de Neve, levei para sala o livro de imagem João e Maria, Borges (2006). Apresentei a turma, e solicitei que de forma coletiva fizéssemos a leitura da história, sem fazer a leitura da versão dos irmãos Grimm. Neste momento queria avaliar a leitura que fariam das imagens.

Foi um momento de grande interação, visto que cada um ficou responsável por uma página do livro. Alguns não conseguiam fazer a leitura das imagens, porém os colegas ajudavam de forma organizada. Ao terminarem a leitura, todos compreenderam a história. Portanto, exercitava-se, mais uma vez, a comunidade escolar, a qual hooks se refere (2013), uma vez que todos influenciaram na dinâmica da sala de aula.

A ideia inicial era trabalhar com o filme ‘João e Maria, caçadores de bruxas’ de Tommy Wirkola, escritor e diretor do filme, fazendo uma ligação com o conto dos irmãos Grimm, que foi lido e discutido na sala. O filme traz os irmãos já adultos, vivendo grandes aventuras para exterminarem as criaturas do mal. Após o desaparecimento de cinco crianças, eles são contratados para desvendar o mistério e enfrentarão a terrível Bruxa Negra. A ideia de trazer o filme era apresentar aos

estudantes uma recriação que partiu da história original para criar outra com os personagens adultos. A história do filme ainda mostra a superação do medo infantil, encarando-o de frente.

No entanto, não tive condições de passá-lo para a turma, estava tendo muitas dificuldades para ter acesso à única TV disponível na escola. Então decidi apenas trazer alguns detalhes da recriação fílmica e contei com a ajuda de alguns alunos que tinham assistido ao filme.

Eles(as) comentaram sobre a reviravolta na vida dos protagonistas que deixaram o medo das bruxas de lado e passaram a exterminá-las. Da atitude do pai de João e Maria em abandoná-los na floresta e do desejo deles de voltarem para casa, perdoando seu pai. Em relação à morte da madrasta, ficou evidente que foi um detalhe que apreciaram na história, como se ela tivesse pago com a morte a maldade de incentivar o pai a abandoná-los. Chamei a atenção deles para o fato do pai ter concordado. Neste momento, notei que alguns tinham conflitos familiares por causa da presença da madrasta ou padrasto em casa, culpando-os de certa forma pelos conflitos que vivenciam. Embora a intervenção não dê conta, nem tenha a intenção de resolver os problemas familiares dos alunos, acredito que coloca-los para refletir sobre questões que alcançam muitos deles pode ser um caminho para o amadurecimento e, quem sabe, o enfrentamento de problemas enfrentado por esses jovens adiante.

Após o debate, os estudantes iniciaram a recriação do conto João e Maria. Avisei que os textos escritos dentro da proposta da recriação, com coesão e coerência, estariam liberados da reescrita. Acredito que essa informação forneceu um ânimo para que escrevessem com dedicação suas recriações. Fiquei impressionada ao receber os textos, pois, pela primeira vez, não reclamaram e entregaram, em alguns casos, histórias com até duas folhas escritas.

Na aula seguinte, 29/09/17, entreguei as recriações de João e Maria, comentei com meus alunos e alunas o quanto eles tinham melhorado na construção de seus textos. Foram histórias escritas com riqueza de detalhes, trazendo elementos da atualidade, como histórias que se passavam na favela, com referências ao Conselho Tutelar. Retomo a afirmação de Simões (2012) quando escreve que a autenticidade é a marca por excelência de um sujeito que escreve com propósitos próprios e para interlocutores definidos, sendo o principal foco do reconhecimento de um aluno-autor. Meus alunos e alunas estavam conseguindo

recriar seus textos com autoria e autonomia, imprimindo em seus escritos elementos de sua comunidade.

De acordo com a sequência didática proposta por Dolz e Schneuwly (2004), após os módulos existe a produção final, momento no qual o aluno poderá ou não encontrar no seu próprio texto, uma vez que ele será seu próprio leitor, os elementos trabalhados em aula, os quais serviram como critérios para a sua produção. Em cada módulo da intervenção aconteceu a produção final, com a revisão e a reescrita dos textos. Sendo assim, todas as etapas previstas para a sequência didática aconteceram.

Os alunos e alunas ficaram felizes com o resultado da recriação de “João e Maria”. Avisei que levaria todas as últimas versões de suas recriações digitadas, para que escolhessem que história seria publicada no livro, além de escolherem a capa. Então pedi que dessem sugestões para o nome do livro. Alguns alunos sugeriram nomes que não estavam de acordo com a proposta, até mesmo com sugestões pejorativas. Os melhores foram colocados em votação: A história das histórias e Quem recria um conto... Transforma uns pontos, o segundo nome foi escolhido.

4.2.10 Nosso sonho realizado: o lançamento do livro “Quem recria um conto...