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2 2 2 Música e cerimónias oficiais no feminino

No documento As mulheres da família real MO (páginas 90-93)

Tanto o contexto político imediato ao episódio da Restauração, de necessidade de afirmação da autoridade da família real, como o caminho que se seguiu para uma monarquia absolutista, caracterizada por uma representação faustosa do poder pelos reis, nomeadamente através do uso da música, proporcionaram cerimónias oficiais de grande interesse para a Musicologia Histórica, sendo inúmeros os relatos escritos sobre essas ocasiões em que encontramos referências à parte musical. Não nos podemos esquecer que ocasiões como o nascimento, o baptismo, o casamento e a morte de

217 CASIMIRO,1953:235. 218 Ver Anexo IV. 219 SILVA, 2009: 122.

220 SOUSA [1735-49] 1949-51: vol. VIII- Cap.VI-40-41. 221 NERY & CASTRO, 1981: 91-92.

qualquer um dos membros da família real constituíam ritos de iniciação, que eram partilhados in loco, no acto ou na cerimónia, pelos membros da Casa Real e pelo reino em festa ou em luto, por registo escrito ou pela celebração oral da perpetuação da linhagem brigantina.

No que diz respeito aos baptismos das infantas não foram lidas ainda as relações, de modo que no presente trabalho não poderemos abordar ainda esta tématica. No caso dos casamentos régios não encontrámos até ao momento nada a acrescentar às pesquisas já publicadas sobre o assunto222. O mundo sonoro em torno deste evento, já anteriormente descrito em outras publicações, é composto sempre de artilharia e toques de sinos no que diz respeito a chegada da nova rainha, enquanto na parte religiosa é sempre executado um Te Deum e nos percursos reais há sempre danças e chacotas223. O casamento é por excelência o momento privilegiado da monarquia brigantina para demonstrar o poder da sua coroa. E, ao contrário do que se poderia pensar, a demonstração de grandiosidade não ocorre só no tempo de D. João V; já na ocasião dos casamentos de D. Catarina de Bragança e de D. Maria Sofia de Neuburgo nos é relatada a magnificência das festas224. As mulheres da família real assistem às cerimónias religiosas (como as missas) a partir da Tribuna da rainha, e às cerimónias políticas ou profanas (coroações, touradas, etc.) a partir das janelas do Paço.

A partir do reinado de D. João V, havia também festas grandiosas não só na ocasião do aniversário e do dia onomástico do rei, mas também no dia de aniversário da rainha. Nesta ocasião, a música alternava com o baile e com o teatro, como sucedeu em 1720 com a serenata «da cantarsi» intitulada Contesa delles staggioni da autoria de Domenico Scarlatti225. A rainha organizou festas para três aniversários do rei com encomenda de música, nos anos de 1711, 1712 e 1713, nas quais foi respectivamente ouvido:

1.º - « F[á]bula de Acis y Galatea, fest[a] [h]armonica com Violines, Violones, Flautas, e [O]b[o]es, à la celebridad de los feli[c]es anos del August[í]ssimo Se[nh]or D. J[oão] V. Re[i] de Portugal, Que e[m] su

222 LATINO, 2001: Cap. VII 49-56.

223 Por falta de tempo, não foi possível consultar o fundo do Município de Lisboa – representante do papel

das instituições civis locais na organização da vida musical – no qual esperemos, brevemente, encontrar mais dados.

224 BORGES, 1942.

aplauso le dedica la R[ai]n[h]a n[oss]a Se[nh]ora D. Mariana de [Á]ustria, E[m] 22 de Octubre de 1711».

2.º - « F[á]bula de Alfeo y Aretusa. fest[a] [h]armonica com toda la variedade de instrumentos musicos com que la R[ai]n[h]a, N[oss]a Se[nh]ora D. Marianna de [Á]ustria celebr[ou] el Real Nome Del Re[i], N[osso] Se[nh]or D. J[oão] V. a 24 de Junho deste ano de 1712. Por Luís Calisto de Acosta y Faria.»

3.º - «La comedia El poder de la [h]armonia, festa de zarzuela, que a los felices anos del rei. Don J[oão] V. se represento[u] e[m] s[e]u Real Palácio [no] dia 22 de O[u]tubr[o] de 1713. De Luiz Calisto de Acosta y Faria. Comp[ûs] la m[ú]sica Don Jayme de La Te, e Sagau226». Representada pela Infanta D. Francisca de Bragança e seis das suas damas de honor227.

Estas festas frequentadas pelos membros da corte da rainha deram o mote para a encenação dos primeiros passos de uma sociabilidade heterossexual praticamente desconhecida na Casa Real portuguesa, a qual fazia relembrar os tempos áureos da corte manuelina. Sem dúvida, o séquito alemão da rainha contribui também para animar, com a sua presença e cultura, o quotidiano monótono e cinzento do Paço da Ribeira.

Se as testemunhas portuguesas da época, por um lado, exaltam as festividades e divertimentos da corte de D. João V, por outro, as cartas de Mariana Vitória para a sua família em Espanha são depreciativas e dão conta de uma crescente monotonia da vida da corte e do agravamento das interdições às relações sociais, bem como da falta de liberdade sentida após 1736:

«[…] on a comance a faire iere le teatre por les operas du Carnaval de que je suis três aise parse que cet notre unique divertissements.228» (3/1/1736)

«je fais tout mon posible por divertir ma mélancolie […] encore quil soit tres dificile dans un pais ou il nia auquen divertissement»

(28/7/1737229)

226 VIEIRA, 1900: 536.

227 NERY & CASTRO, Idem: 84. 228 CAETANO, 1936: 137. 229 Idem: 156.

«la faute de liberte se me fait tout les jours plus sensible et je ne sait pas come je pourois vivre si je na vois tant de plaisir por la musique» (13/5/1738230)

«mardi gras je dancé avec les petites et trois ou quatre autres persones fammes car les hommes ici ne sont pas permis.»

(21/2/1744231)

Seria necessário um estudo mais aprofundado de outras fontes escritas por outros estrangeiros, de modo a termos uma visão mais clara sobre este último testemunho. No entanto achamo-lo revelador das práticas da corte portuguesa após os primeiros anos do reinado de D. Maria Ana de Áustria. A doença do rei e sua viragem para uma vida mais calma e piedosa, o surgimento de novas dificuldades económicas e as reacções negativas a nível social e religioso em relação às novas tentativas comportamentais inter-género da nobreza podem explicar a progressiva acalmia dos divertimentos no Palácio.

No documento As mulheres da família real MO (páginas 90-93)