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2 A FORMAÇÃO DA MÚSICA OCIDENTAL: UMA ABORDAGEM GERAL

2.2 ESTILOS MUSICAIS

2.2.1 Música na Antiguidade Clássica

A música que denominamos de ocidental tem seu valor ancorado na Grécia, e sua referência é de extrema importância, visto que somos “herdeiros diretos [...] dessa civilização”. Principalmente no que diz respeito à fantasia e aos mitos gregos, que continuam a exercer sobre nós uma grande relevância (FONTERRADA, 2008, p.25).

Esta influência abrange diversas áreas artísticas e culturais e não poderia ser diferente com a música, pois desde os primórdios da organização política e social grega, a música era tida como um agente que “influía no humor e no espírito dos cidadãos e, por isso, não podia ser deixada exclusivamente por conta dos artistas executantes.” Assim, esta foi objeto de preocupação tanto para os governantes das pólis, como para os cidadãos, que entendiam ser necessário estar à frente de sua organização, sobretudo pelos legisladores que, muitas vezes, a incluíam até no sistema educacional (IBDEM, 2008, p.26)16.

O grande enlevo que era dado à música neste contexto, principalmente em Esparta, se dava pelo fato de se acreditar que ela colaborava na formação do caráter e da cidadania e que:

15 Nas obras consultadas, no que se refere à História da Música, esta é apresentada a partir da Música Medieval, excluindo a Música na Antiguidade, período esse que incluímos nesta caracterização dos estilos musicais, pois acreditamos ser importante para a compreensão de aspectos relevantes nesta pesquisa.

16 Licurgo (legislador da pólis Espartana), “exigia que a música fizesse parte da educação da infância e da

juventude, e que fosse supervisionada pelo Estado”. Isto fazia parte do “sistema de educação para os jovens e para o povo” (Op.cit, p.26).

As canções não podiam ofender o espírito da comunidade, mas deviam exaltar a terra natal. Os cantos conferiam aos jovens um senso de ordem, dignidade e obediência às leis, além da capacidade para tomar decisões. Por esse motivo, o modo preferido em Esparta era o dórico17, que evocava equilíbrio, simplicidade e temperança (FONTERRADA, 2008, p.26).

Já em Atenas, na legislação de Sólon, embora a música recebesse destaque como em Esparta, esta possuía um caráter “extramusical”, pois, seu estudo e prática “contribuía para o desenvolvimento ético e a integração do jovem na sociedade. [...] A intenção nesse tipo de ação, era desenvolver a mente, o corpo e a alma: a mente pela retórica, o corpo pela ginástica e a alma pelas artes”, mas vale ressaltar que este acesso à educação musical era apenas dos cidadãos livres, ficando excluídos desse processo os escravos (Op. Cit., p.27).

A música era encarada de maneira muito respeitosa e possuía um valor central na educação dos cidadãos. E isto se deve ao fato de que, conforme Fonterrada (2008), para “todos os gregos, a literatura, a música e a arte têm grande influência no caráter, e seu objetivo é imprimir ritmo, harmonia e temperança à alma”, tarefa esta que tem que ser responsabilidade do Estado. Assim, a música na Grécia possuía, sobretudo, uma função pedagógica, uma vez que:

Sendo responsável pela ética e pela estética, está implicada na construção da moral e do caráter da nação, o que a transforma em evento público e não privado. [...] Segundo a concepção helênica, a boa música promove o bem-estar e determina as normas de conduta moral, enquanto a música de baixa qualidade a destrói. Desse modo, na Grécia, a música boa é estreitamente relacionada e determinada pelas normas da conduta moral, o que se mostra no uso da mesma palavra- nomos- para designar a correta harmonia e lógica musicais e as leis morais, sociais e políticas do Estado. (FONTERRADA, 2008, p.27).

Além do caráter formador da música, outro aspecto de extrema importância para os gregos era a relação desta com a magia, ou seja, a “estreita correspondência entre sons e fenômenos cósmicos: estações do ano, ciclos do dia, do Sol e da Lua,

17O Sistema Dórico “propicia equilíbrio e força moral, importantes para a formação do cidadão e o fortalecimento da pólis. A doutrina deriva-se do pensamento de Pitágoras, que concebe a música como um sistema de sons e ritmos regido pelas mesmas leis matemáticas que operam na criação”(Op. Cit, p.28).

homem/mulher, morte/ renascimento” (FONTERRADA, 2008, p.28) 18

. Esta magicidade da música tem suas raízes no Oriente e, posteriormente, migrou para a Europa, culminando na “doutrina grega do éthos”, que justifica a centralidade que a mesma possui no sistema político e educacional da Grécia Clássica, papel esse dificilmente encontrado em outra época19.

Sobre a importância da música na educação e na formação do caráter do cidadão, sobretudo o que se referia à educação dos jovens cidadãos, Aristóteles (384 a.C - 322 a.C) em A Política, apresenta a música como uma das matérias que se destinava a esta formação, contanto que não tivesse o caráter “profissionalizante”, acompanhada também da Gramática, Ginástica e, às vezes, do desenho (ARISTÓTELES, s/d, livro V, capítulo I, p.201). Aristóteles questiona a utilidade da música, e se esta deve realmente fazer parte da educação do jovem. Conclui que esta deve ser considerada, sobretudo se estiver voltada para os cantos morais:

§4. De resto, aceitando a divisão dos cantos adotada por alguns filósofos, em cantos morais, práticos, próprios a despertarem o entusiasmo, e admitindo ainda uma harmonia especial a cada um deles, de modo que cada parte admita naturalmente um gênero próprio de harmonia, diremos que o uso da música não se limita a um só gênero de utilidade, e que, antes, ela deve ter vários. Com efeito, ela pode servir à instrução, à purificação (em nossos tratados sobre a Poética explicaremos o que entendemos por esse termo que aqui empregamos de um modo geral); finalmente, ao prazer, como meio de distração e repouso após uma atenção prolongada. Disso resulta claramente que se deve fazer uso de todas as espécies de harmonia, mas não de um só modo em todos os casos. Ao contrario, é preciso fazer servir os cantos morais à instrução, mas limitar-se àqueles que se chamam práticos, e os que são próprios a despertar o entusiasmo, quando executados nos instrumentos por outras pessoas. (ARISTÓTELES, s/d, Livro V- capítulo VII, p.218).

É importante destacar que estamos falando de uma sociedade antiga e de classes sociais hieráticas. Desta forma, havia uma formação musical para o cidadão, e outra para o profissional artista, onde a música muitas vezes era vista como “uma ocupação baixa e servil”, e o Filósofo discutia até qual limite deveria estudar “os homens cuja ocupação tem por fim a virtude política, quais os acordes e ritmos que devem estudar, e

18 Devemos lembrar, outrossim, a proximidade de todas as modalidades da arte grega com o mito e a religião, uma vez que era por meio da expressão artística que os mortais se aproximavam dos Deuses do Olimpo. Os homens criavam os deuses à sua imagem e semelhança, ao mesmo tempo em que lhes davam emoções, o que os aproximavam dos humanos.

19Doutrina do éthos – “explica a influência da música na formação do caráter humano”, que ocupou “um lugar tão preponderante na vida mental e espiritual de uma nação” (Op.cit, 2008, p.28).

que instrumentos lhes convém aprender a tocar”. (ARISTÓTELES, Livro V- capítulo VII, p.218). Sendo assim, embora reconhecesse a sua importância, o autor exclui, da aprendizagem do jovem cidadão, instrumentos como a flauta, pois esta não era considerada adequada para:

[...] operar sobre as afeições morais. Só deve ser empregada quando os espetáculos têm mais por objetivo corrigir que instruir. Acrescentemos que o emprego da flauta tem algo de contrario à necessidade de instrução e impossibilita o uso da palavra. É por isso que os nossos antepassados proibiram o seu uso aos jovens e aos homens livres, embora de começo o tivessem admitido. (Livro V- capítulo VI, p.215-216).

Dito isto, vemos, de um lado, a relevância de um caráter instrucional, elemento de primordial importância para a formação do cidadão livre ─ características presentes na Música na Antiguidade Clássica, principalmente na Grécia. Em contrapartida a esta função pedagógica, a música romana, conforme Fonterrada (2008), gradativamente vai ganhando “inclinação pelo grandioso e pelo virtuosismo”, proporcionando assim uma intensa admiração e aumentando cada vez mais o número de diletantes (2008, p. 29-30). Muitos resquícios dessa relação dos gregos com a música, nós herdamos através dos séculos.

Embora a música romana tenha suas bases na cultura grega, igualmente a outras modalidades artísticas, esta possui especificidades que a música grega não possuiu devido às interações culturais advindas do Império Romano e até mesmo a um conhecimento científico agregado a este período. Ao lado disso, enquanto o aspecto pedagógico sobressaia na música grega, em Roma a música “adquiriu feição própria quase „sinfônica‟, afastando-se da prática musical grega e transformando completamente os princípios que a regiam”. (FONTERRADA, 2008, p.29-30).

Nesse período, ainda conforme a autora (2008) havia grupos instrumentais e de cantores que valorizavam e se utilizavam das “técnicas virtuosísticas”, que deram origem àquelas utilizadas, depois, pelos artistas entre os séculos XVIII ao XX20. A música de Roma vai se destacar pela sua vivacidade e pelo número crescente de admiradores, originando muitas escolas de música e dança que eram frequentadas pelos filhos dos cidadãos. Para a autora:

20

Ao se referir à música em Roma, Fonterrada se baseia nos estudos de Lang (LANG apud FONTERRADA, 2008, p.30).

A antiga estética musical se impôs, aos poucos, tentando continuar as especulações acústico-matemáticas dos predecessores gregos, o estudo das relações misteriosas entre números e sons, a que não correspondia, no entanto, a prática artística, permanecendo no terreno teórico e especulativo. As ideias de Platão continuavam a exercer influência, relacionando música e magia. (LANG apud FONTERRADA, 2008, p.30).