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3. CONTEXTO ARTÍSTICO E MUSICAL

3.3. Música Viva

As actividades concretas do movimento Música Viva iniciaram-se a 11 de Junho de 1939 com a primeira «Audição Música Viva», prolongando-se por mais de uma década.

Em Maio de 1940 foi lançado o primeiro exemplar do boletim Música Viva, transformando-se o grupo em sociedade, tendo Koellreutter como vice-presidente e tesoureiro

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Koellreutter refere que «o presidente de honra era o Villa-Lobos» (in Tourinho 1999: 220).

48

Com base no estilo de redacção, Egg (2005: 61) atribui a autoria deste texto a Koellreutter, embora admita que provavelmente o seu conteúdo teria a concordância dos restantes elementos do grupo.

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Segundo Kater (s.d.[a]), terá havido um outro manifesto em 1945, desconhecido e inédito.

(Kater s.d.[a]) e Alfredo Lage como presidente (Egg 2005: 60)47

. Integrando numa primeira fase «algumas das personalidades mais atuantes e conhecidas no ambiente musical carioca» (Kater s.d.[b]: 89), como o musicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, o pianista e compositor Egydio de Castro e Silva, o professor e compositor Brasílio Itiberê, os críticos musicais Octávio Bevilácquia e Andrade Muricy,nos anos seguintes o grupo recebeu vários jovens compositores, alunos de Koellreutter, dentre eles Cláudio Santoro.

Kater observa que o «Música Viva foi um movimento musical concebido sob o tríplice enfoque: Educação (formação) – Criação (composição) – Divulgação (interpretação, apresentações públicas, edições, transmissões radiofônicas)» (s.d.[b]: 89). O programa radiofónico semanal Música Viva estreou-se a 13 de Maio de 1944, sendo de 1952 a «última informação localizada» por Kater (s.d.[a]) sobre a sua existência. Neste programa foram realizadas «várias primeiras audições brasileiras, tanto de música antiga quanto de música contemporânea» (ibid.). Em Setembro de 1946 deu-se paralelamente início a um segundo programa radiofónico intitulado E a música esteve sempre presente (ibid.; Egg 2005: 63).

Quanto ao boletim Música Viva, o seu primeiro número inclui um texto intitulado «O Nosso Programa»48

, onde é referida a intenção de divulgação da música contemporânea (em particular a brasileira), bem como a música do passado ainda pouco conhecida (Egg 2005: 61). Segundo Koellreutter:

«Existem pequenos mal-entendidos. Pensavam que eram um conjunto de pessoas que se dedicava àquilo que em 1937 era contemporâneo. Não é verdade! O grupo foi fundado para divulgar e difundir música de todas as épocas, música desconhecida... naturalmente aquela também...» (in Tourinho 1999: 219)

O grupo produziu ainda dois manifestos; o primeiro datado de 1 de Maio de 1944, o segundo de 1 de Novembro de 194649

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Para os textos integrais ver Kater (s.d.[b]: 90) e Silva (2001: 129-130).

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Contier, Arnaldo Daraya. «Memória, História e Poder: A sacralização do nacional e do popular na música (1920-50)». Revista Música, Maio 1991. In Mendes (1999: 8).

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Como observa Mendes, «em torno do grupo Música Viva, era evidente a simpatia que nutriam pelo Partido Comunista» (1999: 10).

nº 1250

. Para além dos fundadores Koellreutter e Egydio Silva, apenas dois outros nomes subscrevem ambos os manifestos: Guerra Peixe e Cláudio Santoro (Kater s.d.[b]: 90, 92; Silva 2001: 129-130).

Em comparação com o de 1946, o manifesto de 1944 é relativamente breve. A sua proposta mais concreta pode ser vista como uma reafirmação do ênfase na obra, por oposição ao realce dado ao virtuose e ao concerto pelas sociedades musicais existentes aquando da criação do grupo (Kater s.d.[b]: 89). Assim, no segundo parágrafo, declarava-se:

«A obra musical, como a mais elevada organização do pensamento e sentimentos humanos, como a mais grandiosa encarnação da vida, está em primeiro plano no trabalho artístico do Grupo Música Viva» (in Kater s.d.[b]: 90).

Kater considera o manifesto de 1944 como «[...] o reflexo inaugural do que hoje chamamos ‘música moderna brasileira’. Isto porque ao mesmo tempo em que através dele se busca a afirmação e a representatividade do movimento como um todo, coloca-se em primeiro lugar uma criação musical de viva atualidade (original mas também em sintonia com correntes da vanguarda internacional) [...]» (s.d.[b]: 90).

Enquanto nos primeiros anos do Grupo Música Viva se procurava «enfatizar as discussões sobre estética e técnicas de composição, silenciando temas políticos num momento histórico dominado pelo autoritarismo do governo Getúlio Vargas»51

, em meados da década de 1940 era cada vez mais frequente entre os seus membros «a tomada de posição em função das discussões de ordem político-social» (Mendes 1999: 8)52

. A este respeito, Paraskevaídis (1999: 41) observa que o manifesto de 1946, por oposição ao de 1944, aprofunda mais aspectos como a função social da arte e da música ou o compromisso revolucionário e a responsabilidade do artista.

Note-se que em 1945, precisamente entre os dois manifestos, ocorreram o fim da II Guerra Mundial e o fim do Estado Novo, tornado insustentável com a derrota na Europa dos regimes fascistas, contra os quais o Brasil lutara ao lado dos Aliados (Linhares 2000: 341-

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As citações aqui apresentadas baseiam-se nas transcrições de Silva (2001: 129-130), Mariz (2000: 298-299) e Kater (s.d.[b]: 92).

342). Apesar de um certo «continuísmo» (Linhares 2000: 342) e de várias medidas do novo governo contra o Partido Comunista Brasileiro (Linhares 2000: 349), verificou-se entre 1945 e 1951 uma «euforia ‘democratizante’ que se opunha a todos os tipos de autoritarismo» (Linhares 2000: 332).

As propostas específicas do manifesto de 1946 vão no sentido de promover, apoiar ou acreditar:

– uma música que «revela o eternamente novo [sendo] a expressão real da época e da sociedade», por oposição à «arte acadêmica»;

– «novas formas musicais que correspondam às idéias novas, expressas numa linguagem musical contrapontístico-harmônica e baseadas num cromatismo diatônico» por oposição ao «formalismo, [...] pois a forma da obra de arte autêntica corresponde ao conteúdo nela representado»;

– «uma educação não somente artística como também ideológica»;

– «um ensino científico baseado em estudos e pesquisas das leis acústicas» em substituição «do ensino teórico-musical baseado em preconceitos estéticos tidos como dogmas»;

– «as iniciativas que favoreçam a utilização artística dos instrumentos radioelétricos»; – «uma concepção utilitária da arte», que adopta «os princípios da arte-ação», por

oposição à «arte pela arte» e à «preocupação exclusiva da beleza»;

– na «música como linguagem universalmente inteligível», embora admitindo «o nacionalismo substancial como estágio na evolução artística de um povo», mas combatendo «o falso nacionalismo em música, isto é: aquele que exalta sentimentos de superioridade nacionalista na sua essência e estimula as tendências egocêntricas e individualistas que separam os homens [...]» – «a colaboração artístico-profissional e [...] o desenvolvimento do nível artístico

coletivo»

– «a criação e divulgação da boa música popular» por oposição a «obras prejudiciais à educação artístico-social do povo»53

.

Existe um esboço redigido por Koellreutter e enviado por carta a Santoro onde são apresentados catorze tópicos. Cada tópico corresponde a um dos parágrafos do manifesto de 1946 que veiculam propostas concretas. No ponto 6 há uma insistência no conceito de «cromatismo diatônico»:

«[...] a estas formas novas pertencem [sic] o ‘cromatismo diatônico’, a característica mais forte – sob o ponto de vista técnico – das realizações musicais de nossa época.

«O ‘cromatismo diatônico’ representa o ‘novo’ na produção musical hodierna, independente de tendências ou correntes estéticas.

«O ‘cromatismo diatônico’ caracteriza as obras de um Hindemith, Strawinsky, Béla Bartok assim como de um Schoenberg, Prokofieff, Shostakovish, Villa-Lobos ou Camargo Guarnieri. Esse princípio harmônico é a lógica conseqüencia da evolução da expressão musical. E não há obra musical contemporânea de valor estético e artístico cuja estrutura não fosse baseada no ‘cromatismo diatônico’» (In Mendes 1999: 9).

Com base na «ausência de qualquer referência a este termo [«cromatismo diatônico»] na literatura especializada», Mendes levanta a hipótese de ter sido «cunhado pelo próprio Koellreutter durante este período, e em seguida abandonado», com a intenção de «unificar em um único termo as mais diversas formas de linguagem musical surgidas neste século, fossem elas neo-tonais (Shostakovich e Hindemith), atonais (Schoenberg) e até folclórico-nacionalista [sic] (Villa-Lobos e Bartok)» (1999: 10).

O Música Viva «combatia o nacionalismo enraizado no folclore que motivou a produção musical brasileira por quase meio século», proclamando «que o folclore deveria ser estudado em sua origem técnica e desenvolvido pelo estudo, e não como vinha sendo feito, aproveitado pela temática» (Marcondes 1977: I, 510). Porém, na altura da chegada de Koellreutter ao Brasil «a música contemporânea [brasileira] de então era justamente a música nacionalista. [...] O único grupo no qual [ele] poderia encontrar apoio ou ressonância para idéias de renovação era o dos próprios nacionalistas que representavam então o modernismo brasileiro» (Egg 2005: 61). À medida que foi reunindo «em torno de si um grupo de jovens alunos» (Egg 2005: 63), Koellreutter passou a dispor de uma nova base de apoio. O novo perfil do grupo propiciou a agudização do conflito latente entre Koellreutter e os nacionalistas, dando-se a ruptura em 1944 com a saída de Koellreutter do Conservatório Brasileiro de Música após entrar em desacordo com o director da instituição, Lorenzo Fernandez (ibid.).

Note-se porém que a atitude dos jovens alunos de Koellreutter – expressa em textos de Cláudio Santoro e de Guerra-Peixe publicados no boletim do grupo – «não era um conflito contra o nacionalismo musical, mas um conflito dentro do nacionalismo musical. [...] Assim, o grupo Música Viva não se tornou a vanguarda anti-nacionalista, como costuma ser visto,

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Segundo Mariz (1994: 24), Santoro foi «um dos delegados do Brasil».

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A Fundamentos – Revista de Cultura Moderna foi lançada em Julho de 1948 pelos «comunistas paulistas» (Buonicore 2004), dando «grande atenção às questões intelectuais, culturais, artísticas e científicas – sem esquecer as propriamente políticas» (Silva 2001: 138). mas defendeu um novo nacionalismo – um nacionalismo de vanguarda» (Egg, 2005: 69). No final da década de 1940, divergências internas e factores externos (o Manifesto de Praga em 1948 e a Carta Aberta de Camargo Guarnieri em 1950), «enfraqueceram o movimento, que acabou dissolvendo-se em 1950» (Marcondes 1977: I, 510).

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