• Nenhum resultado encontrado

6. OPÇÕES INTERPRETATIVAS

6.6. Treze Canções de Amor

No ciclo de Guarnieri foi encontrada uma preponderância, nos aspectos analisados, de elementos que lhe conferem unidade: o estilo da escrita pianística (que geralmente apresenta a mesma textura «com» e «sem voz»), o uso de ritmos sincopados, os âmbitos vocais com variações pouco acentuadas de canção para canção. Para realçar a estrutura formal encontrada, importa assim destacar as nuances encontradas ao longo das canções.

O uso de ritmos sincopados numa textura polifónica cerrada implica uma divisão rítmica rigorosa na junção das partes. O portamento aparece escrito em 9 canções. Sendo um recurso expressivo que no repertório vocal é usualmente introduzido pelo intérprete mas que Guarnieri prescreve explicitamente, optou-se por o realizar exclusivamente quando prescrito. Neste ciclo, o critério que se considerou mais eficaz para a execução do portamento consiste em realizá-lo na 2ª nota quando é ascendente e na 1ª nota quando é descendente.

Considerando as Treze Canções uma estrutura A – B – A, pretende-se caracterizar o 1º e o 3º grupos (A) pela «instabilidade» e o 2º grupo (B) pela «estabilidade».

6.6.1. 1º Grupo

A «instabilidade» do 1º grupo é obtida através da variação dos âmbitos da voz e do piano, do uso dos registos da voz, de um destaque para o uso da região aguda e para uma exploração diversificada das dinâmicas, começando o piano em cada canção com um nível dinâmico diferente da anterior.

Em G3 («Milagre»), canção central do grupo, pretende-se realçar o carácter «leve», o que no piano (introdução / coda) resulta naturalmente do andamento e da figuração rápida em

staccato na região aguda. A primeira frase da voz, ao começar no registo grave, estabelece

contraste com a exploração do agudo em G2, mas existe o cuidado de realizar as notas iniciais graves desta e de outras frases com uma qualidade vocal adequada à leveza da canção.

G2 («Si Você Compreendesse...»), «clímax» do grupo, começa com f no piano, tem o âmbito mais largo e atinge a nota mais aguda do ciclo. Também na voz, o Sol4 desta canção

é a nota mais aguda de todo o ciclo, e o uso do registo agudo em «[afli]ção» e «certamente» durante praticamente dois compassos, é explorado pelo seu potencial dramático: embora na parte vocal não esteja indicado um nível dinâmico para esta passagem, o ff do piano serve de referência, sendo os dois crescendos dos compassos 10 e 11 usados como preparação para atingir, no compasso 12, este nível, que é mantido até à respiração antes de «certamente». Esta respiração é realizada num último momento, enfatizando o dramatismo da passagem que se segue, onde o Sol4, preparado por mais um crescendo, atinge um nível dinâmico que se

pretende único em todo o ciclo. Esta passagem é concebida numa perspectiva «operática», encarando-se a tercina do compasso 13 como uma forma de criar «por escrito» flexibilidade na divisão, razão pela qual se executa esta passagem com alguma liberdade, em tenuto. Globalmente, a diversidade de recursos desta canção (dinâmica, regiões do piano, registos da voz, mudanças de andamento e de compasso), é explorada para obter não apenas nuances mas mesmo contrastes, destacando esta das restantes canções deste ciclo.

G1 («Canção do Passado»), é encarada como uma preparação, como uma referência «média» que permite o realce dos extremos explorados em G2. Tendo em conta esta função, as indicações de crescendo, tanto na voz quanto no piano, são interpretadas de modo a que o

nível nunca ultrapasse o mf, com excepção do compasso 18, onde o crescendo do piano conduz ao acorde arpejado do compasso 19, escrito em f tendo a voz uma indicação de p com um

crescendo a seguir. Este compasso é realizado conforme a indicação da partitura, sem

preocupação com o risco de o piano se sobrepor à voz: realizando o crescendo no canto à medida que o som do acorde se desvanece, usando a indicação «com liberdade» para alargar momentaneamente o tempo, de forma que baste à voz atingir o mf para equilibrar com o piano no final do crescendo. Esta dinâmica será coerente com o carácter moderado que se pretende conferir à canção.

As características que levam G4 («Você...») e G5 («Acalanto do Amor Feliz») a diferenciarem-se das anteriores e contribuirem para a «instabilidade» neste grupo prendem-se mais com a ausência (por contraste com G2 e G3) do que com a presença de determinadas características: o facto de o piano não ultrapassar a nota mais aguda do âmbito vocal em G4, a não exploração do grave na voz e no piano em G5. Um aspecto considerado é o doseamento dos níveis dinâmicos iniciais da parte do piano nestas canções (p e pp, respectivamente): recorde-se que a variação destes níveis é uma das características do 1º grupo.

6.6.2. 2º Grupo

Para separar o 1º do 2º grupo, é realizada uma pausa entre canções um pouco mais demorada que nos casos anteriores. Ao dosear esta pausa, o pianista tem em conta a memória das notas da mão esquerda do acorde final de G5, idênticas às da mão direita do acorde inicial de G6: a espera é longa, mas não tanto que o público corra o risco de perder esta conexão entre os dois grupos – conexão que é favorecida pela ausência, por parte dos intérpretes, de qualquer movimento fora do estritamente necessário para o prosseguimento do recital.

Caracterizando-se as canções do grupo central – G6 («Em Louvor do Silêncio»), G7 («Ninguém Mais...») e G8 («Por que?») – pela sua continuidade, é dada atenção à igualização dos níveis iniciais de dinâmica no piano e na voz. O início da parte vocal de G7, não apresentando indicação de nível, é realizado em p, à semelhança da parte do piano. Nesta canção é tomada atenção ao andamento (com a indicação «alegre»), mais rápido que em G6 e G8, pensado como «leve» – diferenciando-se assim esta canção dentro do 2º grupo em

analogia com a canção central do 1º grupo (G3), única outra ocorrência da expressão «alegre» nas Treze Canções de Amor.

6.6.3. 3º Grupo

Tal como entre o 1º e o 2º grupos, também entre o 2º e o 3º se espera um pouco mais de tempo, embora neste caso não se encontre um elemento de ligação. À semelhança do 1º grupo, também este se caracteriza por «instabilidade», neste caso obtido pelo uso de âmbitos vocais alternadamente mais graves / mais agudo e pela variação dos registos vocais explorados, com maior peso para a região grave. Como no 1º grupo e ao contrário do 2º, é aqui explorada a diversidade de níveis dinâmicos.

A canção central deste grupo, G11 («Segue-me»), destaca-se pelo carácter «leve» associado à sua base pentatónica, que é realçado pela moderação no uso do vibrato e na amplitude dos crescendos, que não devem atingir o mf. Note-se que toda a canção é em p, com excepção da frase final, que é a repetição em pp da frase inicial da voz e que é assim concebida como um eco.

G12 («Canção Tímida») é concebida como «clímax» do 3º grupo, devido ao dramatismo que resulta da sua indefinição tonal, a mais acentuada do ciclo, e ao uso de dissonâncias, à dinâmica mais alargada na voz com indicações de ppp, p e f, sendo dentro do grupo, a que tem um âmbito mais agudo do piano. Ao nível interpretativo, sendo a identidade desta canção associada às passagens hexáfonas (compassos 5-7 e 16-18), estas são realizadas com uma utilização moderada do vibrato, realçando a altura exacta das notas e, consequentemente, a escala característica desta canção. Note-se que em G11 e G12 não é prescrito qualquer portamento, o que também contribui para a clareza na percepção da altura das notas, acentuando o contraste entre estas canções – que, recorde-se, depende da natureza das escalas utilizadas.

Depois desta tensão, G13 («Você Nasceu...») funciona como um momento de descompressão para terminar o ciclo. Nesta perspectiva, evita-se que o Ré3 da voz no

compasso 11 seja realizado de forma «pesada». Para a parte vocal, que não tem indicação inicial de nível dinâmico, adopta-se como ponto de partida o p, em coerência com a dinâmica

do piano. Desta forma, à semelhança de G11, também esta canção é realizada sem atingir o

mf e no final chega ao pp.

A canção inicial do 3º grupo, G9 («Cantiga da Tua Lembrança»), aborda pela primeira vez no ciclo a nota mais grave da voz (Dó#3). Isto acontece na frase final, que é realizada

utilizando uma cor mais escura na voz a partir do Mi3. É assim também enfatizado o potencial

expressivo do arpejo de 7ª dim descendente em que se baseia esta passagem. O dramatismo final é preparado a partir do compasso 20, com um crescendo que culmina numa respiração num último momento, com efeito expressivo, antes de «mas». O crescendo da frase seguinte (compasso 21) conduz a um f sobre Mi4 (nota mais aguda desta canção), atacado com bastante

energia, para evidenciar a mudança de côr vocal que resulta da rápida descida que se lhe segue, para a nota mais grave da canção.

A canção G10 («Talvez...») compartilha deste carácter dramático, terminando com um salto descendente de 7ª dim no antepenúltimo compasso. À semelhança de G9, é utilizada uma cor vocal mais escura nas notas graves da frase final (Re#3, Mi3). Outros momentos

expressivos nesta canção têm a ver com os intervalos de 3ª dim postos em evidência neste antepenúltimo compasso e no compasso 14, bem como no compasso 18 (uma oitava acima). O crescendo do compasso 22, conduzindo ao primeiro Fá#4 (nota mais aguda da voz no 3º

grupo), é realizado com mais amplitude que o crescendo anterior (compasso 21). O crescendo que antecede o segundo Fá#4 (compassos 32 e 33) é realizado de forma ainda mais acentuada,

transformando a passagem Fá#4 – Mi4 no ponto culminante da canção, a que se segue (tal como

em G9) uma descida para o registo grave. O dramatismo que daqui resulta coloca em evidência a simplicidade da canção central (G11).

Documentos relacionados