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CAPÍTULO I: SOBRE A THELEMA

1.2 Conceitos e Matrizes Teóricas/Doutrinárias

1.2.4 MAGIA (K)

Na língua inglesa, ao contrário do português, não há diferença entre “Magia” e “Mágica”. Ambas palavras são “magic”, o que causava desconforto conceitual à Crowley, já que o primeiro termo faz referência a mudanças de origem metafísica no ambiente físico, e o outro é mais próprio de truques de ilusionismo.

Para sanar este problema, Crowley cunhou um termo próprio, “Magick”. Dessa forma, foi possível deixar claro que seu trabalho, sua Magia, se referia a exercícios de evolução espiritual. Symonds comenta a importância do k no conceito crowleyano:

O k saxão, adicionado ao c em Magick, foi aqui usado por ele [no livro Magick:Book

Four] pela primeira vez, para ligar sua linha com a Ciência da Magia, opostamente a

meros truques de conjuração. Ele tem também um significado secreto, pois k representa kteis, grego para as genitálias femininas, as quais estavam agora representando uma grande parte das operações mágicas de Crowley.102

101 CROWLEY 1996a, 75.

102 (Tradução nossa) “The Saxon k, added to the c in magick, was here used by him for the first time, to link

his brand with the Science of the Magi, as opposed to mere conjuring tricks. It has also a secret meaning, for the k stands for kteis, Greek for the female genitals which were now playing a large part in Crowley’s magical operations”. (SYMONDS 1973, 173).

Na definição de Crowley, Magia (k) é “a Ciência e Arte de causar Mudança em conformidade com a Vontade”103. É um trabalho de natureza espiritual sim, mas que envolve também os atos mundanos, menores. Na filosofia thelêmica, todo ato deve estar em sintonia com a Vontade – sendo assim, todo ato torna-se um ato mágicko. Crowley ilustra essa definição da seguinte forma:

(Ilustração: É minha Vontade informar ao Mundo sobre certos fatos dentro de meu conhecimento. A partir daí eu pego “armas mágicas”, caneta, tinta, e papel; eu escrevo “encantamentos” – estas frases – em uma “linguagem mágica”, isto é, aquela que é compreendida pelas pessoas que eu desejo instruir; eu convoco “espíritos”, tais como impressores, editores, vendedores de livros, e assim por diante, e os restrinjo a transmitir minha mensagem para aquelas pessoas. A composição e distribuição deste livro é então um ato de Magia (k) pela qual eu causo Mudanças a ocorrerem em conformidade com minha Vontade).104

Por uma perspectiva thelêmica, podemos definir que não existe um ato “bom” ou “ruim” em si – todo ato terá sua avaliação qualitativa apenas quando analisado em relação com a Vontade do operador. Para exemplificar melhor, podemos pensar no caso do uso de drogas ilícitas, considerado um ato socialmente imoral. Apesar desse julgamento social, caso a Vontade de um indivíduo exija que ele passe por determinada experiência, ele não será um ato ruim, mas sim necessário.

Utilizando ainda do exemplo sobre drogas ilícitas: caso a Vontade do adepto exija tal experiência e ele não a cumpra, tal restrição será considerada como Magia Negra. Afinal, indo contra a natureza mais profunda do Ser, é um ato maligno. “Portanto querer qualquer coisa senão a coisa suprema é desviar-se ainda mais desta – qualquer Vontade

senão aquela de entregar o eu ao Bem-Amado é Magia Negra [...]”105.

Esta breve ilustração deve servir para deixar claro que, apesar de se manifestar no plano físico, a Vontade, segundo Crowley, seria completamente independente de julgamentos mundanos, restrições sociais e limitações afins, do mesmo modo que os atos

103 (Tradução nossa) “Magick is the Science and Art of causing Change to occur in conformity with Will”.

(CROWLEY 1997b, 126).

104 (Tradução nossa) “(Illustration: It is my Will to inform the World of certain facts within my knowledge. I

therefore take ‘magical weapons,’ pen, ink, and paper; I write ‘incantations’ – these sentences – in the ‘magical language,’ i.e., that which is understood by the people I wish to instruct; I call forth ‘spirits’, such as printers, publishers, booksellers, and so forth, and constrain them to convey my message to those people. The composition and distribution of this book is thus an act of Magick by which I cause Changes to take place in conformity with my Will.) (CROWLEY 1997b, 126).

105 (Tradução nossa) “Hence to Will anything but the supreme thing, is to wander still further from it – any

Will but that to give up the self to the Beloved is Black Magic [...]”.(CROWLEY 1997b, 62. Grifos do

necessários para sua consecução seriam de natureza mágicka, também alheios a qualquer tipo de crítica profana.

Sobre os rituais mágickos em si, Crowley é mundialmente conhecido especialmente por seus trabalhos em magia sexual, nos quais ele misturava Ioga, Tantra e esoterismo ocidental. Como tais assuntos eram tabus em sua época, Crowley, como um bom ocultista, utilizava de seus conhecimentos literários para escrever em código. Duquette comenta sobre esse curioso fato:

Antes de qualquer coisa, Crowley se sentia obrigado por vários juramentos a não revelar abertamente certos segredos de Magia Sexual. Depois, na época em que redigia sobre esses temas, alguém que escrevesse explicitamente a respeito de assuntos sexuais realmente podia ser preso.

Lamentavelmente, na Parte 3, Capítulo 12 de Magick:Book Four, Líber ABA [Magia: Livro Quatro, Líber ABA], na qual Crowley discute teorias e técnicas de magia sexual, parece que ele não se satisfez em ser meramente sutil, pois deixou o seu estilo para ser mal interpretado escandalosamente. Quem sabe, naquele tempo, para apenas alguns iniciados sobre a face da Terra, o capítulo 12 se mostrasse um ensaio informativo (e hilário em algumas passagens) sobre a teoria e a prática da magia sexual. Entre outras tolas armadilhas, as palavras “sangue”, “morte” e “matar” são usadas no lugar de “sêmen”, “êxtase” e “ejaculação”. Ao indigno, o capítulo inteiro se parece com um grande manual de instruções sobre sacrifício humano ou animal. Grande piada!

Ninguém riu.106