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CAPÍTULO II – ATORES E TERRITORIALIDADES

3. Atores e temporalidades no processo de criação e abertura da Licenciatura

3.3. Mais que uma nota de rodapé: A Escola de Dança da UFBA

A Escola de Dança da UFBA tem ocupado desde seus inícios um lugar preponderante dentro dos processos de institucionalização da dança na Universidade brasileira. Sendo a primeira Faculdade de Dança do Brasil e da América Latina, a mesma foi fundada em 1956 durante a gestão de Edgar Santos, primeiro reitor da UFBA, sendo oficialmente reconhecida pelo Ministério de Educação em 1962 (MOLINA, 2013) e permanecendo até a década de 1980 como a única instituição de ensino superior de dança no país.

No início, a Escola se destacaria por encarar uma proposta de formação de alto nível técnico e artístico em dança, tendo como diretores aos coreógrafos estrangeiros Yanka Rudzka e, posteriormente, Rolf Gelewski (BRASIL, 2016), mestres cuja marca estética estava inscrita dentro dos parâmetros da dança moderna de vanguarda, rompendo assim com as marcas do Ballet Clássico de repertório romântico.

Ao mesmo tempo, durante a década de 1950, a UFBA (naquela época chamada Universidade da Bahia) também levaria para frente os projetos de abertura de outras escolas de artes, como foi o caso da Escola de Música e a Escola de Teatro, iniciativas que marcariam um antecedente importante em relação à entrada das artes na academia brasileira, concedendo protagonismo nacional às experiências da Universidade Federal nordestina.

É importante notar que durante pouco mais de duas décadas, a Escola de Dança da UFBA não teve com quem trocar informações sobre os modos de ensinar a dançar, por ser a única instituição superior na área (SETENTA, 2007). É a partir da década de 1980 que outros processos de institucionalização da dança em instâncias universitárias no Brasil foram concretizados. No caso, vale citar a abertura do Programa de Licenciatura em Dança na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1985, o curso de dança na Faculdade de Artes do Paraná (1984) na cidade de Curitiba, a Licenciatura em Dança no Centro Universitário da Cidade (UniverCidade) instalado no Estado do Rio de Janeiro em 1985.

A década de 1980 seria marcada pelo acionar destas quatro instituições de ensino superior, sendo responsáveis por uma mudança significativa da dança produzida no Brasil. Já na década seguinte, várias instituições federais e estaduais, públicas e privadas abriram programas de graduação em dança (MOLINA 2013).

Atualmente, a Escola de Dança da UFBA disponibiliza os cursos de Licenciatura e Bacharelado em Dança no turno diurno e Licenciatura em Dança no noturno. Também possui um curso de Especialização lato sensu em Estudos Contemporâneos em Dança e é responsável pelo primeiro Programa de Mestrado strito sensu em dança no Brasil, que está em vigor desde o ano 2006. Sobre o ponto, Aquino (2007) assinala que até a conformação do Mestrado em Dança na UFBA, as produções em pesquisa acadêmica de pós-graduação strito sensu em dança não apresentavam no Brasil um ambiente específico a partir do qual se desenvolver, sendo assim vinculadas a outras áreas do conhecimento, como educação física, artes visuais, comunicação, teatro, educação, entre outros.

E, embora tenha sido possível estabelecer pontes dialógicas entre a dança e outras áreas de conhecimento antes da aparição do Mestrado acadêmico em dança na UFBA, o fato de que a produção de conhecimento sobre/com/a partir da dança na pós-graduação fosse gerada de forma dispersa em vários núcleos acadêmicos, dificultava a sistematização desses conteúdos. Os pesquisadores em dança interessados em continuar seus estudos desenvolviam trabalhos em programas acadêmicos de natureza muito distinta, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos daquelas áreas que aceitavam seus projetos de pesquisa.

Setenta (2007) afirma que a Escola de Dança da UFBA teve no seu caminho acadêmico de mais de 60 anos, três reformas curriculares na graduação. A última delas começou como projeto piloto em 2001, e oficializou-se em 2005, sendo atualmente, o

plano curricular destinado à Licenciatura. O novo programa caracteriza-se pela adoção de um currículo modular, tomando distância do modelo de currículo por disciplinas41.

Sobre o ponto, Macedo (2007, p. 105) ressalta que os currículos modulares nasceram como uma alternativa aos modelos curriculares lineares, com o objetivo de superar itinerários rígidos nos processos de treinamento. Também nos diz que, ao praticar um currículo flexível, cujos conteúdos podem ser organizados em pequenos blocos de aprendizagem que sejam combinados uns com outros e de maneiras diversas, se favorece vivências de aprendizado relacional e a aparição de temas transversais que dinamizam proposições, temáticas, problemas, hipóteses.

Igualmente, Macedo fala dos sistemas de avaliação que fazem o currículo por módulos, apontando que ao final de cada experiência modular, é possível dar uma maior importância ao desempenho processual do aluno, antes que à simples avaliação de conteúdos “efetivados” dentro de cada disciplina. Por sua vez, a perspectiva curricular escolhida para o atual curso de Licenciatura em dança da UFBA é caracterizada pelo questionamento do modelo disciplinar, apostando por uma perspectiva que coloca o interesse numa perspectiva centrada no aluno, situação descrita dentro do seu Projeto Político Pedagógico (2004).

Uma perspectiva centrada no aluno apresenta múltiplos desafios no conjunto dos professores. É justo advertir que a modulação curricular por si só não é capaz de assegurar um bom desempenho de um programa de estudos, pois, ao construir uma pedagogia centrada no aluno novos papéis são necessários para os professores.

Para os impulsores do novo projeto, o importante é mudar uma pedagogia em dança baseada na lógica disciplinar por outras práticas pedagógicas, capaz de dar maior importância ao contexto dos estudantes que entraram na Universidade, ao invés de priorizar a aprendizagem acrítica de conteúdos. Ou seja, a realidade existencial e cultural do aluno não devia acabar sendo um epifenômeno dentro dos processos formativos.

Entre as reformas curriculares descritas por Setenta, tanto o Projeto de Reconstrução Curricular (2004) como o de ajustes do Projeto Político Pedagógico (2009) da Graduação na UFBA, permitiram a reorganização de um antigo quadro disciplinar existente nos currículos anteriores, em favor de uma perspectiva metodológica de caráter transdisciplinar e modular. Como a autora descreve, tratou-se de um processo complexo

41 Atualmente há uma reforma curricular em curso para os programas de Licenciatura em Dança da UFBA

que demandou discussões e consensos entre integrantes do colegiado da escola.

Os conhecimentos que acabaram integrando o atual programa foram compilados em três módulos. Cada módulo é trabalhado de forma simultânea por um mínimo de dois professores do programa. Os módulos são: Módulo de Estudos do Corpo na Dança; Módulo de Estudo dos Processos Criativos em Dança e Módulos dos Estudos Crítico- Analíticos em Dança. Ao mesmo tempo, os módulos são acrescentados com os trabalhos desenvolvidos nos chamados “Componentes Práticos” (onde cabem os Laboratórios do Corpo e os Laboratórios de Criação Coreográfica); os componentes pedagógicos e os componentes de Estágio Docente.

Todos estes componentes práticos correspondem a trabalhos específicos que visam desenvolver de forma mais intensiva o conhecimento adquirido nos três componentes modulares citados.

Por sua vez, os professores envolvidos no processo de composição do Projeto Político Pedagógico final descrito por Setenta, estabeleceram três tópicos como eixos centrais do currículo a ser implementado, exercendo-se a distribuição de um eixo por ano, a partir do qual realizar discussões. Desta forma, durante o primeiro ano do curso da Licenciatura, os conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula tomariam como prioridade as discussões sobre o assunto/questão da contemporaneidade na dança; no segundo ano (isto é, 3º e 4º semestres), o eixo das principais discussões seria o da identidade/diversidade e, a partir do terceiro ano, o tema escolhido seria a relação artista-cidadão como profissional das artes.

Sendo estes eixos transversais e desenvolvidos em todos os módulos e componentes práticos assinalados, os mesmos atuariam como disparadores de diálogo, informação, experiências criativas e reflexões críticas, para alcançar a inclusão de novas práticas pedagógicas (Projeto de Reconstrução Curricular, 2004).

Capítulo III: Do currículo instituído ao currículo encarnado