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Somente na amostra de 1988 de O Globo foram identificados quatro editoriais na primeira página, um deles assinado por Roberto Marinho, em defesa do presidente Sarney e contra “excessos” e “exibicionismos” da CPI da Corrupção e da Constituinte (Figura 16). Esta posição se refletia no noticiário do jornal, que publicou na amostra de 1988 o menor volume de denúncias, em relação aos outros dois jornais, e nenhuma manchete principal relativa a corrupção.

No governo Collor, o jornal do Rio manteve-se afinado com o poder. Na amostra de 1990, o ano de menor índice de notícias sobre corrupção, era mais evidente em O Globo a pouca disposição para expor nas capas matérias negativas sobre o novo governo. Publicou apenas três notícias, contra 15 da Folha e nove de O Estado. A torcida do jornal pelo governo Collor foi estampada em editoriais de capa. E esse apoio se estendeu por mais dois anos, pelo menos. Em junho de 1992, quando as denúncias já atingiam o presidente e vários integrantes do governo, um editorial de capa de O Globo elogiava a condução de Collor na Rio-92 (Figura 16), o encontro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.

O jornal O Estado de S. Paulo não mitigou sua simpatia e torcida pelo presidente Collor no início do governo, mas não deixou de expor suas mazelas já no primeiro ano de gestão. A Folha, por outro lado, marcou no noticiário uma posição crítica em relação ao governo Collor desde o início. A despeito da postura agressiva da Folha, foi O Estado que publicou o maior número de denúncias no período Collor, e O Globo, o menor.

Durante o governo Itamar, O Globo foi mais presente na publicação de denúncias, principalmente no ano de funcionamento da CPI do Orçamento, superando, em número, os outros dois jornais. Era também um dos jornais mais críticos ao controverso temperamento do presidente. Em 1994 sinalizou, em novos editoriais na capa, suas posições políticas no momento: na amostra foram capturados três editoriais em defesa do Plano Real; um em defesa da punição dos acusados na CPI do Orçamento; e outro com críticas à política de Leonel Brizola no Rio.

A tradicional trégua da imprensa aos mandatários no início de suas gestões foi claramente verificada nas capas dos jornais em 1995, principalmente em O Globo e em O Estado. A Folha de S. Paulo, ainda em janeiro, destacou em matéria com tom de cobrança a decisão do presidente Fernando Henrique Cardoso de anistiar o senador Humberto

Lucena (PMDB-PB), acusado de usar recursos públicos na sua campanha eleitoral – por esse crime, ele teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral, mas foi anistiado pelos colegas, e depois pela sanção presidencial.

A despeito do entusiasmo com o novo governo do PSDB, já era evidente que, depois da extensa cobertura de dois grandes escândalos durante os governos Collor e Itamar, os jornais pareciam mais atentos aos potenciais casos de corrupção, e mais vigilantes sobre a ética dos governantes. Não era ainda, porém, uma prática rotineira.

As primeiras suspeitas de irregularidades sobre o caso Sivam, por exemplo, foi manchete na Folha de S. Paulo, mas figurou em pequenas chamadas em O Estado e em O Globo. Ainda em 1995, a revelação de um caso que se tornaria rumoroso e de repercussão nacional ficou de fora da capa da Folha e mereceu discretas chamadas em O Globo e em O Estado: as denúncias sobre todo tipo de desmandos praticados pelo então governador do Acre, Orleir Cameli.

É claro, muitas vezes, o tratamento diferenciado dado pelos jornais em alguns casos de corrupção. Em novembro de 1998, por exemplo, as denúncias sobre os grampos do BNDES e o falso dossiê Cayman tiveram sete chamadas de capa capturadas na amostra da Folha de S. Paulo. Enquanto O Globo publicou três, e O Estado, duas. Um exemplo do tratamento diferenciado que o caso do BNDES mereceu nos três jornais, já comentado neste estudo, está ilustrado na Figura 6.

No período relativo ao segundo mandato de Fernando Henrique, a presença e a relevância das denúncias nas capas foram incrementadas por iniciativas próprias dos jornais, que começaram a ser mais valorizadas. Na eleição municipal de 2000, por exemplo, O Estado fez ampla reportagem sobre o perfil dos candidatos à Câmara de Vereadores paulistana, com a seguinte manchete: “20% dos candidatos têm registro criminal”. No ano seguinte, a Folha investiu em grandes reportagens de domingo sobre esquemas de corrupção que perduravam por anos.

Nos escândalos de corrupção do governo Lula, a Folha de S. Paulo começou como protagonista, por causa da bombástica entrevista de Roberto Jefferson sobre o mensalão, mas depois disso a cobertura seguiu quase que um modelo único, padronizado, já que o noticiário de denúncias era alimentado praticamente pelas mesmas fontes. Foi o período

em que os jornais adotaram como prática dividir em várias chamadas de capa notícias correlatas ao mesmo caso (Figura 17), uma clara iniciativa no sentido de dar mais visibilidade e relevância aos assuntos relacionados à corrupção. O Globo adotou esse modelo praticamente como regra, distribuindo em até seis ou sete chamadas assuntos que os outros dois jornais condensavam na manchete e em mais duas ou três chamadas, no máximo.

O que já vinha aparecendo desde 2005 como uma nova tendência do noticiário de denúncia, mais presente e constante nas capas, se consolidou no período do governo Dilma Rousseff com o aumento substancial da relevância (manchete) dada às notícias sobre corrupção nos três jornais. A Folha e O Globo mantiveram as denúncias presentes nas capas desde o início do governo Dilma, mas o jornal que ampliou de forma mais significativa esse noticiário, em relação ao governo anterior, foi O Estado de S. Paulo, com crescimento de mais de 40% ao final do período.

Da análise sobre a evolução dos dados dos jornais e sobre o conteúdo publicado, é possível depreender que as instituições legais de investigação e as disputas políticas de poder, entre outros fatores menores, foram mais responsáveis do que os próprios jornais pelo incremento e valorização do noticiário de corrupção. Os últimos anos indicam, contudo, que ao dispensar tratamento e espaço nobres ao noticiário sobre corrupção no poder público, os jornais estão tentando fortalecer o papel da imprensa como protagonista desses eventos, ainda que esse protagonismo ocorra de forma questionável e polêmica muitas vezes.