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A melancolia chega ao seu fim, o qual muitas vezes é seguido da mania. Vejamos, agora, as considerações tecidas por Freud sobre a mania, ainda neste artigo:

[...] o conteúdo da mania em nada difere do da melancolia, que em ambas as desordens lutam contra o mesmo “complexo”, mas que provavelmente, na melancolia, o ego sucumbe ao complexo, ao passo que, na mania, domina-o ou o põe de lado(FREUD, 1917 [1915], p. 259).

A mania é caracterizada por estados de triunfo, exaltação e alegria. A tese de Freud é de que ela ocorre em função de uma grande quantidade de energia que há muito estava sendo consumida no processo melancólico e que, no estado maníaco, encontra-se totalmente liberada. Assim, a intensa euforia nada mais seria do que uma intensa descarga de energia que há muito se via consumida no trabalho melancólico.

Da mesma forma que a melancolia, a mania é um processo inconsciente, “pois aquilo

que o ego dominou e aquilo sobre o qual está triunfando permanecem ocultos dele”

(FREUD, 1917 [1915], p.259). O homem maníaco parece liberado do objeto perdido e procura vorazmente novas catexias objetais. Mas esta hipótese – sobre a origem de mania ,

afirma Freud, gera um problema: se no trabalho de luto também há um grande dispêndio de energia, por que, ao seu fim, ele não resulta em mania?

Segundo ele, é impossível responder a este impasse diretamente; no entanto, oferece uma conjetura. Diz ele que, no luto, o trabalho de desinvestimento das catexias objetais colocadas no objeto perdido é feito de forma tão gradual e lenta que, ao seu término, a energia necessária a este trabalho de luto tenha também se dissipado. Freud afirma que tanto a melancolia como o luto partilham da característica de separar aos poucos a libido de suas catexias de objeto. Já a melancolia seria um buraco que, exercendo uma pressão sobre a energia psíquica, consumi-la-ia. Assim, ao se encontrar livre da pressão ao fim do acesso melancólico, ocorreria uma grande descarga de energia. A energia consumida na melancolia, que, ao seu término, estaria livre, tornando possível a mania, estaria ligada à regressão da libido ao narcisismo e conseqüentemente à regressão desta libido ao ego. Esta regressão, que instala a luta pelo objeto dentro do ego, exigiria uma quantidade de catexia muito elevada, podendo posteriormente, ao fim desta luta, resultar em mania. Freud detém suas conjecturas neste ponto, apontando ser necessário, antes de compreender a mania, ter maior compreensão da economia da dor física e da dor mental.

Encontramos ainda importantes contribuições sobre a melancolia em alguns trabalhos posteriores de Freud, que não têm como tema principal a melancolia, mas que são permeados pela reflexão deste estados e das contribuições oferecidas por ele para a compreensão da mente normal. Os trabalhos são Psicologia das massas e análise do ego, de 1921, e O ego e o

id, de 1923. Juntamente com o artigo Sobre o narcisismo: uma introdução, de 1914, eles formam o grupo de trabalhos essenciais para a compreensão das idéias propostas em Luto e

Capitulo 3

Metapsicologia II – Os elementos psíquicos envolvidos na dinâmica da melancolia

Após o exame do artigo Luto e melancolia (1917 [1915]), realizado no capítulo anterior, passaremos agora ao estudo complementar dos elementos psíquicos presentes na dinâmica da melancolia, visando aprofundar a concepção freudiana. Vimos que, em seu texto, Freud destaca três pré-condições para o estabelecimento de um conflito melancólico: escolha narcísica, ambivalência e regressão da libido para o ego – além de um fator desencadeante, a vivência de uma perda (FREUD, 1917 [1915], p.262). A proposição se articula da seguinte maneira: o vínculo estabelecido entre o sujeito e o objeto se baseava no modelo narcísico de investimento libidinal, sendo que atuam nesta relação intensos sentimentos ambivalentes que, em função do tipo de vínculo, não podiam ser vivenciados, mantendo-se o ódio oculto. Entra em cena, então, um fator desencadeante, uma situação de perda em função da qual a libido recorre à identificação narcísica, retraindo-se para o ego e nele se instalando. A ambivalência, que já se fazia presente na relação com o objeto de forma latente, emerge sob o predomínio de toda a carga de ódio. Finalmente, o ódio é desviado do objeto perdido para o ego do sujeito, que abriga a libido retirada do objeto. O conflito está estabelecido, e o sujeito passa a amargar intensos sentimentos de impotência, fracasso, desvalia e culpa. Na psicodinâmica da melancolia, narcisismo e ambivalência são, portanto, dois elementos psíquicos que ficam em relevo. Estão tão intimamente associados que praticamente a aparição do segundo se dá em decorrência do primeiro. Isto é, a presença do narcisismo pressupõe a ambivalência. Para compreendermos estas questões com profundidade e agudeza, pretendemos realizar uma incursão pela metapsicologia freudiana, procurando analisar e discutir os conceitos de narcisismo e de ambivalência. Buscaremos suas origens nos textos freudianos e verificaremos os rumos ali tomados. Poderemos assim apreender com maior clareza a dinâmica psíquica que caracteriza, segundo Freud, a melancolia.

Em 1923, ele (1924 [1923]) a definiu como uma neurose narcísica. Frente a tal definição, de imediato somos obrigados a reconhecer que Freud deu um destaque especial ao elemento narcísico presente na psicodinâmica da melancolia. A importância do narcisismo para a compreensão da melancolia é assim destacada por Laplanche (1987, p. 288):

Particularmente, Luto e melancolia é inseparável de um outro estudo que se situa em 1914: Pour introduire le narcissisme. E dois pontos nos interessam principalmente no “narcisismo”. Por um lado, a introdução da instância do ideal e

do superego; e, por outro, uma reflexão sobre a noção de objeto e de “escolha de

objeto” (sendo este termo nitidamente preferido por Freud a “relação de objeto”, que raramente é encontrado).

Em nota introdutória ao artigo Sobre o Narcisismo: uma introdução” (Freud, 1914), James Strachey afirma que o estudo em questão foi o ponto de partida para muitos desenvolvimentos ulteriores, muitos deles contidos em Luto e Melancolia (1917[1915]). Andrade (1999, p.638) também destaca a importância do narcisismo para a compreensão da melancolia assinalando que o artigo de 1915 é o complemento natural daquele Sobre o

narcisismo. Tais colocações, somadas às pré-condições da melancolia, nos impõem como tarefa fundamental examinar o conceito de narcisismo e suas contribuições para a compreensão da dinâmica psíquica da melancolia. Seguindo a indicação de Laplanche, precisamos dispensar atenção a três conceitos fundamentais que, em conjunto, compõem os elementos narcísicos da mente: a escolha objetal, a identificação narcísica e as instâncias ideais ideal de ego/ego ideal. O conceito de identificação narcísica tem de ser associado retroativamente ao estudo Sobre o narcisismo, pois o maior desenvolvimento deste conceito não vem deste texto, mas do próprio Luto e melancolia.

Outro ponto no estudo que merece a nossa atenção é a ambivalência, cuja expressão encontrada é a auto-agressividade encerrada no interior do aparelho psíquico do melancólico. Vimos que, em Luto e melancolia, Freud ressalta o conflito devido à ambivalência como uma das pré-condições para o estabelecimento da melancolia: “Esse conflito devido à

ambivalência, que por vezes surge mais de experiências reais, por vezes mais de fatores constitucionais, não deve ser desprezado entre as precondições da melancolia” (FREUD, 1917[1915], p.256). Desta maneira, o estudo da ambivalência – os sentimentos contrários de amor e ódio para com o objeto amado – torna-se essencial para a compreensão da melancolia. A noção de ambivalência foi amplamente discutida por Freud no artigo metapsicológico As

pulsões e seus destinos. Estamos de acordo com Mezan (1998, p.182) ao afirmar que este texto15 complementa os conceitos elaborados em Sobre o narcisismo:

A dualidade das pulsões engendra assim a oposição do amor e do ódio, que podem ser vistos como a expressão respectivamente da sexualidade e do ego; mas esta caracterização é pobre, se não se levar em conta o papel decisivo do narcisismo na estruturação dos dois sentimentos. A estreita relação entre eles é apreendida pelo conceito de “ambivalência”, que terá um papel tão importante no estudo do

15 Este texto, presente no vol. XIV da tradução brasileira da Standard Edition, tem seu título traduzido como Os

fenômeno central da relação analítica, a transferência, e no destino das fantasias edipianas (MEZAN, 1998, p.184).

Frisamos nesta breve passagem do texto de Mezan o momento em que o autor aponta a existência de uma “estreita relação” entre o narcisismo e os sentimentos de amor e ódio, relação apreendida no conceito de ambivalência. Tal afirmação justifica a importância destes sentimentos em relação ao narcisismo e, conseqüentemente, em acordo com o proposto por Freud, relacionam-se prontamente as pré-condições da melancolia, e a ela propriamente dita. A ambivalência tem papel importante para a compreensão do funcionamento psíquico envolvido na melancolia, tanto antes da instalação do conflito – no que se refere à relação com o objeto – quanto após sua instalação no interior do aparelho psíquico, sendo expressa através de auto-acusações, auto-recriminações, rebaixamento da auto-estima e sentimentos de culpa pelo doente melancólico.

Para a compreensão do conflito gerado pela ambivalência para com o objeto, temos de considerar também o conflito que se estabelece dentro do aparelho psíquico do melancólico. Os sentimentos de culpa, auto-acusações e perda de auto-estima estão intimamente relacionados à ambivalência. Em O ego e o id (1923), Freud atribui o conflito do melancólico a um conflito entre o ego e superego, e o sentimento de culpa a uma tensão entre estas duas instâncias. Na melancolia, o superego se apodera do sadismo que se volta contra o ego, local onde o objeto perdido se encontra instalado. Nesta dinâmica origina-se o conflito entre o ego e o superego, o qual se manifesta sob a forma de impulsos de auto-destruição e auto- desvalorização do melancólico. Frente a estas breves colocações, ressaltamos a importância de se considerarem os conceitos de superego, sadismo e a dualidade das pulsões – pulsão de vida e pulsão de morte – bem como a psicodinâmica dos sentimentos de culpa. Estes, em conjunto, formam os elementos ambivalentes do psiquismo.

Neste capítulo realizaremos uma incursão ao interior da metapsicologia freudiana a fim de elucidar estes dois elementos, os narcísicos e os ambivalentes. Estes, em conjunto e em inter-relação com a perda, geram conflitos, conformando o que denominamos de “elementos melancólicos da mente”, os quais encontram expressão direta através dos sentimentos de culpa, impotência e inferioridade, todos presentes na melancolia.