• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I: UM MERCADO “ELÁSTICO” DE LIVROS E HOMENS

1.5. Livreiros

1.5.1. Manoel Gomes d’Amorim

José Maria da Silva foi um dentre os vários que surgiram no século XIX, em Belém, prenunciando uma História de vendas de livros que trariam ao cenário, outros livreiros e casas comerciais que, na década de 70, começariam a modificar a ordem das estantes, separando volumes de romances dos maços de rapé ou dos litros de aguardente.

Dessa forma, a seguir, observar-se-á um breve esboço sobre a atividade comercial de Manoel Gomes d’Amorim, Godinho Tavares, Rabello Guimarães, livreiros que definiram seus empreendimentos como espaços sócio-culturais.

1.5.1. Manoel Gomes d’Amorim

Desde 1854, ao ser um dos sócios fundadores da Sociedade Portuguesa

Beneficente no Pará – associação que reuniu em seu seio a colônia portuguesa

local, o português Manoel Gomes d’Amorim vinha gerando modificações na cultura local, muito embora, logo depois, por motivos de convicção política, tenha dissidido da agremiação filantrópica.

Embora não estivesse mais ligado à sociedade portuguesa, o livreiro português cultivava correspondência com Portugal, uma vez que seu irmão o escritor Francisco Gomes d’Amorim o mantinha informado. Assim sendo, em 1859, já matriculado na Junta comercial paraense como negociante do comércio, tornou-se um dos poucos correspondentes, no Brasil, dos periódicos Illustração Luso-Brasileira e O Panorama e, em 1871, estava listado como um dos maiores doadores de livros do acervo da Biblioteca e Arquivo Público de Belém.

A partir de 1861, encontram-se indícios, nos jornais paraenses, de sua passagem e fixação no mercado livreiro local. Tanto é que, em 64, quem procurasse na Loja de Gomes d’Amorim poderia encontrar novidades editorias ou periódicos, desde manuais como Arte do alfaiate, ou tratado completo do corte de vestuario 1

vol...3$000 a novelas e romances de Camilo Castelo Branco e de Alexandre

Dumas, como Joanninha, a Feiticeira a preços módicos. Qualquer que fosse o gênero ou estilo da obra, o cliente poderia encontrá-lo à venda ou encomendá-lo na loja de Gomes d’Amorim, que recebia constantemente novos artigos “chegados no último paquete” ou do Rio de Janeiro ou de Lisboa.

Gomes d’Amorim não era nenhum Garnier e também não era de procedência francesa, no entanto, assumiu papel de destaque no mercado livreiro paraense, assim como Antonio José Rabello Guimarães e Eduardo Tavares Cardoso – portugueses estabelecidos em Belém depois de 1850, quando a imprensa local ganhou destaque com a publicação dos primeiros jornais diários e a intensificação da economia gomífera. Assim, “as livrarias se transforma[ram] em centros de convivência e de cordialidade (...) procura[ram] utilizar táticas de propaganda para atrair clientes e demonstrar as vantagens oferecidas pelo estabelecimento.”123

Isso é fato ao se analisar o estoque do livreiro, organizado e publicado como catálogo, em janeiro de 1864, no Jornal Diário do Gram-Pará. O catálogo contava com 414 livros divididos em variados gêneros, quase a mesma quantidade de volumes existentes na Biblioteca Pública, cujo acervo era de 403 volumes:

Figura 30: Anúncio publicado no jornal Diário do Gram-Pará em 1864

A existência de um catálogo tão significativo como esse, se comparado ao dos demais anunciantes de livros, cujos anúncios, quando muito, anunciavam cerca de 30 obras, induz a conclusão de que este livreiro possuísse capital e influência para anunciar tanto e tentar viver do negócio livresco.

Apesar de não se tratar de uma biblioteca ou gabinete de leitura, a livraria de Amorim possuía um catálogo ordeiro de todos os livros existentes no local, o que facilitava a encomenda de livros que porventura não constasse no mesmo.

Organizado por ordem alfabética, o catálogo continha livros que variavam de manuais; jurídicos ou comerciais; histórias, geografias e mapas; periódicos; belas-letras; religiosos; livros infantis, compêndios, pedagógicos (instrutivos); até dicionários e outros.124 Classificando-o por gêneros, percebeu-se que os títulos arrolados como Belas-letras ocupavam 44% da totalidade de obras, conforme a figura 16 a seguir:

Catálogo de Manoel Gomes d'Amorim

44% 1% 15% 4% 7% 10% 2% 13% 4% Belas-lettras Dicionários

Livros infantis, compêndios, pedagógicos (instrutivos) Religiosos

Histórias, geografias e mapas Manuais

Periódicos

Jurídicos ou comerciais Outros

Figura 31 – Gráfico composto a partir do Catálogo da livraria de Manoel Gomes de Amorim publicado no Jornal Diário do Gram-Pará em 1864.

124

A fim de melhor compreender e sistematizar os livros que circularam nessa livraria os classifiquei por uma linha temática como poderá ser visualizado no anexo IV.

O gráfico acima demonstra que a maior parte dos livros fazia parte das Belas-Letras, cujos gêneros iam desde poesia, contos, novelas, dramas, comédias a romances. Os romances, isoladamente, totalizam 103 títulos de 180 das belas-letras, isso significa que 25% dos 44% da categoria são romances, que variavam monetariamente de 320 a 7$000 réis por volume. Livros como Historia da Princeza

Magalona e Historia da Imperatriz Porcina custavam 320 réis ou Lisarda ou a dama infeliz125 a 400 ou o livro Luciola, ou um perfume de mulher, de José de Alencar

custava 2$000 e Cantos, por Gonçalves Dias, 1 vol. enc...5$000.

Entre os livros de Belas-letras e romances “Constantemente [chegados] de Lisboa e Rio de Janeiro, e manda[do] vir [por] encommenda, mediante adiantamento convencionado”126 sessenta e três eram portugueses, seguidos de trinta e três franceses e dezessete brasileiros, como se pode verificar no Anexo V.

Dentre os autores brasileiros, o mais anunciado era Joaquim Manoel de Macedo com oito ocorrências. O estoque de Gomes d’Amorim, de maneira geral, variava de preço, de 200 a 15$000 por volume.

Dentre essa quantidade significativa de títulos lusitanos, observa-se uma tendência por livros de autoria de Camilo Castelo Branco, com preços variando de 2$500 a 3$000, seguido de Almeida Garrett com média de 2$500 e Alexandre Herculano também com preços variando de 2$500 a 5$000. A predileção pela produção portuguesa demonstra uma tendência que pode ser justificada, como já mencionado, pela influência da imigração estrangeira de maioria portuguesa.

Entre os franceses, o mais requerido é Alexandre Dumas e E. Sue com sete e cinco títulos anunciados, respectivamente. Ao se avaliar o preço dos livros, verifica-se que, em média, os portugueses eram mais baratos que os franceses, embora houvesse uma moda nacional pela leitura de obras e folhetins de França. Os livros infantis, compêndios, pedagógicos (instrutivos) ocupavam o segundo lugar entre os exemplares elencados, somando um total de 15% dos títulos. Dessa porcentagem, que equivale a 63 exemplares, a maior parte é referente à instrução pública como gramáticas e métodos de ensino: Arte de cozinha, 1 vol. enc; Arte de

amar, ou preceitos regras amatorias para agradar às damas; Arte do alfaiate, ou tratado completo do corte de vestuário 1 vol.; Arte de Natação ou manual completo

125Esses romances atualmente podem ser lidos na íntegra no site

www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br, projeto financiado pela FADESP e coordenado pela Profa. Dra. Márcia Abreu.

do Nadador; Collecção de escalas, exercicios, passagens e preludios d’uma difficuldade progressiva para piano, para uzo dos discipulos que desejavam fazer progressos rapidos. Seguidos a esses, os mais anunciados são de teor religioso com

13% do total de obras: Catecismo de doutrina christã pelo cônego Fernando Pinheiro; Catecismo da diocese do Maranhão; Cartilhas de doutrina christã, de diversos autores; Cartas interessantes do papa Ganganelli, 4 vol. (3 a 6); Creação

do mundo, ou explicação da obra dos 6 dias, com est; Cartas selectas do padre Antonio Vieira, 1 vol. com retrato; Costumes dos romances, 1 vol; Deveres dos romances ou moral do christinismo, por Silvio Pelico; Fé catholica ou o símbolo dos apóstolos, pelo cônego Luiz Gonçalves dos Santos, 3 vol. enc. entre outros títulos.

Essa quantidade de obras difundidas, é estatisticamente relevante para a formação do leitor, pois se a educação pública incentivava o investimento em títulos voltados para a instrução, Gomes d’Amorim, por outro lado, parecia perceber que o público ledor paraense se interessava por obras que a igreja classificava de impuras e corruptoras do espírito, mas que para ele eram recreio e entretenimento e uma boa forma de angariar mais clientes.

No mesmo ano em que é veiculado este catálogo, a existência de outros livreiros como José Gonçalves Aranha, cuja livraria se chamava Loja do Azevedo, José Maria da Silva, com loja de livros na rua Calçada do Colégio, Levindo Antonio Ribeiro e Antonio José Rabello Guimarães faziam forte concorrência ao seu negócio, no entanto, não concorriam com o mesmo estoque de títulos divulgados por Manoel Gomes d’Amorim. Não obstante, é necessário esclarecer que sua loja aparecerá classificada como livraria somente no Almanaque administrativo do Pará para o ano de 1870.

Até o final da década de 50, na qual se firmavam outros livreiros importantes e que atuariam nesse comércio por toda a década seguinte, nenhum anunciaria, provavelmente, todo seu estoque como fez Amorim, a exemplo, da Loja do Azevedo que anunciava, mormente, livros de instrução, dicionários e manuais.

Por todas essas características, Gomes do Amorim foi um dos que mais se destacou como livreiro na Belém de 1860. Sua propaganda se firma na idéia de investimento intenso no comércio de livros, principalmente, os voltados ao entretenimento e à instrução, o que na sua concepção refletia a necessidade do público.