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Os questionamentos à autonomia do Estado são inegáveis e entendimentos acerca dos seus efeitos surgem os mais diversos. Contudo, este ator continua tendo importância vital para as Relações Internacionais. A despeito da instaurada crise do Estado Nacional e dos desafios que lhe são impostos, o sistema estatal continua sendo o ponto de partida da estrutura política mundial e a preocupação com sua importância revela a centralidade do tema.

Segundo Maria Cecília Forjaz (2000, p. 5-8), três perspectivas teóricas debatem o papel do Estado diante dos acontecimentos do mundo globalizado. Uma visão extremada sobre os efeitos da globalização enfatiza a crise do poder e da autonomia dos países, afirmando que estes perderam a importância decisória frente aos mercados globalizados. No outro polo, uma segunda posição desconsidera os impactos da globalização sobre o Estado, considerando o fenômeno um aspecto irrelevante na atuação deste ator internacional. E, em uma posição intermediária, uma visão mais moderada reconhece os efeitos da internacionalização dos mercados, da tecnologia e da política e suas implicações na restrição da governabilidade nacional em relação às forças de mercado. Ao defender a segunda perspectiva, a autora enfatiza que o Estado “ainda é um ator fundamental na economia mundo e apenas começa a sofrer limitações em sua soberania e em sua autonomia decisória” (idem, p. 8).

Na mesma linha, Peter Drucker reconhece a participação inevitável de outros atores internacionais e a perda de poder dos países, mas permanece afirmando a presença destacada destes últimos:

A Nação-Estado não irá desaparecer. Ela poderá permanecer como órgão político mais poderoso ainda por muito tempo, mas não mais será indispensável. Ela irá dividir cada vez mais seu poder com outros órgãos, outras instituições, outras entidades criadoras de políticas (DRUCKER, 2002, p. 25).

Exemplo da indispensabilidade do Estado está no controle da moeda que circula nos próprios mercados globalizados. É ele que determina o seu valor fiduciário interno, através do controle da emissão da moeda e de títulos públicos, e controle sua disponibilidade através de políticas fiscais. Dessa forma o setor privado depende do impulso governamental para movimentar-se, tendo de adquirir a moeda através das relações com o Estado. O mercado interno depende tanto da emissão da moeda quanto de títulos públicos que rendam valores (ASSIS, 2007, p. 40-45).

Na expansão desse processo à economia mundial, temos que o valor externo da moeda também passa pelo crivo do Estado. A relação de valores entre moedas distintas depende do conteúdo interno de cada uma, prevalecendo a economia mais bem estruturada e capaz de valorizar sua moeda nos termos de troca. Assim:

[...] é o valor interno da moeda, estabelecido originalmente pelo Estado, que determina, em primeira instância o seu valor externo. [...] O valor externo da moeda fiduciária nacional, ou sua conversibilidade em outras moedas de curso internacional, se apoia, teoricamente, sobretudo na força financeira e comercial do país emissor (idem, p. 49).

Contudo, não se pode ignorar o poder econômico dos agentes privados do capital e sua influência na autonomia estatal. Dessa forma seus esforços tendem a esvaziar a soberania monetária dos países que restrinjam sua atuação, a fim de conquistar mais poder econômico. Embora as restrições existam e influenciem na governabilidade mundial, o Estado permanece central na formação inicial do meio econômico:

De fato, por mais que queira dispensar o Estado, a ‘moeda (pretensamente) soberana’ depende fundamentalmente dele legitimador do seu poder liberatório de impostos, e como árbitro de seu valor ao logo do tempo, neste caso de acordo com circunstâncias políticas que não se pode controlar de forma absoluta em regimes democráticos (idem, p. 74).

Os esforços do capital buscam desmantelar certos instrumentos de poder estatal para ter mais liberdade de ação, mas esbarram na estrutura maior que configura as relações internacionais. Por isso Gilberto Dupas afirma que:

O Estado ainda é o único aparato institucional – por delegação teórica da sociedade, daí advindo sua legitimidade – que tem à sua disposição meios coercitivos político- militares e o poder de instaurar a ordem fundada no direito, bem como dar direção às políticas externa, de saúde, de educação, de segurança, etc. (DUPAS, 2005, p. 161). Esse papel de mantenedor da ordem e de impulsionador do progresso social marca a função do Estado. Na senda alegada de promover o bem comum e o desenvolvimento da sociedade, os governos sempre estiveram presentes nos direcionamentos da economia em toda a história, sobretudo na reconstrução mundial pós-2ª Guerra e no próprio modelo neoliberal.

Mesmo na financeirização da economia, fonte dos maiores ataques à autonomia nacional na esfera econômica, os governos agiram (e em alguns casos deixaram de agir) decisivamente. A desregulamentação e a titulização da dívida pública foram marcantes para a emergência dos mercados financeiros (CHESNAIS, 2005, p. 40-44). As medidas institucionais inglesas propiciaram o desenvolvimento da City em Londres na tentativa de retomar o diferencial competitivo através da esfera financeira, enquanto o governo contribuiu para a salvação dos bancos franceses no pós-2ª Guerra e possibilitou a emergência da classe rentista (JEFFERS, 2005, p. 155-158).

As alianças entre os Estados, sobretudo na Europa, e as intervenções no Terceiro Mundo (ambas com primazia dos Estados Unidos) marcaram a recomposição da economia

internacional e novas relações de poder perpetuadas no período neoliberal instaurado no pós- Guerra Fria. Tais fatores permitiram a expansão da atuação econômica multinacional e o crescimento da importância das Organizações Internacionais (PETRAS, 1997, p. 32-33).

Ao mesmo tempo, os mesmos países de Terceiro Mundo da América Latina que foram alvo das intervenções estrangeiras amadureceram ideias desenvolvimentistas apoiadas no reconhecimento da importância do Estado Nacional e na autonomia deste. Encontramos uma citação que resume esta ideia em Celso Furtado (1992, p. 30) ao dizer que “um sistema econômico nacional não é outra coisa senão a prevalência de critérios políticos que permitem superar a rigidez da lógica econômica na busca do bem-estar coletivo”.

Uma das maiores expressões da crença na autonomia nacional está na construção do Pensamento Cepalino que acompanhou a história do desenvolvimento latino-americano, notadamente o brasileiro, a partir da lógica da industrialização substitutiva das importações para o abandono da condição de dependência dos países centrais e do consequente subdesenvolvimento.