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1.1 Questionamento do Estado no sistema internacional

1.1.5 Novas tecnologias

As novas tecnologias são o principal meio de difusão dos padrões globalizados e permitem a criação dos instrumentos e estratégias dos agentes do capitalismo. Os saltos tecnológicos cada vez mais frequentes, em virtude dos enormes gastos em pesquisa privada, transformam constantemente o funcionamento do mercado. São criadas novas ferramentas de produção mais eficientes e logísticas que se utilizam das facilidades das telecomunicações.

Em verdade o domínio da tecnologia é um dos diferenciais do mercado, sendo veementemente buscados pelos agentes do capital. A Terceira Revolução Científico- Tecnológica, operada a partir da década de 1970, incluiu os computadores, automações industriais e os avanços das telecomunicações na produção, gerência e comercialização. Ao mesmo tempo, as facilidades das telecomunicações e a maior velocidade na transmissão de dados foram muito bem aproveitadas para a financeirização, alterando o paradigma da economia capitalista (VIZENTINI, 2004, p. 23-25).

Uma das principais consequências da utilização dos avanços científicos foi a descentralização da produção, que culminou com a expansão das empresas multinacionais constituídas em holdings. Estes são capazes de fragmentar toda a cadeia produtiva, atuar em diversas áreas diferentes e ainda movimentar o capital de forma muito rápida. Tudo em torno de um centro decisório financeiro com altos recursos telemáticos e detentor de um know-how de ponta. É o modelo adotado, por exemplo, pela Benetton e pela Fiat (CHESNAIS, 1996, p. 107).

Outra repercussão emblemática da aplicação das novas tecnologias está na reformulação das relações de trabalho. Com o deslocamento produtivo, foi possível aproveitar da mão de obra de países subdesenvolvidos onde os custos são menores e a legislação trabalhista, via de regra, menos avançada (VIZENTINI, 2004, p. 22-23). Ademais, devido à importância dos investimentos externos nas economias desses países em processo de abertura de mercado, as próprias relações de trabalho puderam ser moldadas para atender ao interesse das empresas.

Nesse processo a falta de preparação técnica da mão de obra também pôde ser compensada pelos avanços tecnológicos e reestruturação organizacional. Os novos equipamentos feitos para a fragmentação da produção cada vez exigem menos conhecimentos complexos para serem manuseados, simplificando o trabalho e adequando ao baixo grau de escolaridade dos operários (TAUILE, 2001, p. 121-123). Por outro lado, o incentivo ao ensino e especialização desses operários passa por iniciativas públicas em associação ao capital privado em escolas voltadas para a preparação de trabalhadores “programados” para atuar em indústrias, sem o real desenvolvimento das capacidades inventivas. É o caso dos cursos técnicos profissionalizantes oferecidos pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs) em associação com o Banco Mundial (OTRANTO, 2010, p. 98).

Enquanto isso, a concepção gerencial sai do meio produtivo e é transferida para os escritórios financeiros. Nesses escritórios o acesso é muito mais seletivo e muitas vezes restrito a camadas com melhores condições sociais e de acesso à educação. Os cargos gerenciais são destinados a membros da classe média alta, muitas vezes com histórico de proximidade com empresários, recebendo salários mais elevados (TAUILE, 2001, p. 125- 127).

Mas a utilização da tecnologia não é algo exclusivo dos atores privados. Os avanços tecnológicos iniciais sempre foram impulsionados pelos países em busca de um diferencial militar ou econômico. Foi o ocorrido com o controle computadorizado da aeronáutica norte- americana, patrocinado pela Força Aérea do país com um gasto de US$ 62 milhões em

pesquisa e desenvolvimento durante a década de 1950 (idem, p. 110). Ocorreu com o Brasil em dois pontos decisivos para sua industrialização e projeção de desenvolvimento com Vargas: a criação da Companhia Siderúrgica Nacional – CNS e da Petrobrás (idem, p. 173- 176).

O avanço tecnológico patrocinado pelo Estado sempre se mostrou como um diferencial competitivo com benefícios duradouros para a estrutura nacional. Na maioria das vezes, depois de aplicações militares iniciais, as novas tecnologias são disseminadas para a economia e para população.

A figura das tecnologias muda nessa transição para o uso privado. Os agentes do capital passaram a dispor de muitos mais recursos destinados na pesquisa e desenvolvimento, o que lhes deu vantagens sobre o avanço estatal (CHESNAIS, 1996, p. 146-149). A tecnologia em si não é um risco inerente ao Estado. Porém, da forma como tem sido desenvolvida e aplicada pelos agentes privados, torna-se um instrumento ameaçador.

O maior risco se concentra dos países em desenvolvimento. Os Estados mais atingidos não têm como responder à altura no que se refere ao desenvolvimento tecnológico, uma vez que os investimentos privados atingem montantes dificilmente disponíveis pelos governos desses países. E mesmo quando a pesquisa nacional é incentivada, muitas vezes ocorre em associação ao capital privado com o aproveitamento dos resultados pelas empresas, que captam os pesquisadores com ofertas dificilmente correspondidas pelo governo.

Além disso, o avanço tecnológico privado é feito na maioria das vezes à parte do controle público, gerando riscos ao meio ambiente, à saúde e à vida social dos países, como no desenvolvimento de compostos alimentícios sintéticos e da nanotecnologia (DUPAS, 2005, p. 76-77). A questão, então, é quanto ao controle e à fiscalização dos avanços tecnológicos tão rapidamente utilizados com pouca atenção aos efeitos causados:

Se bem exercidas, submetidas aos interesses gerais da sociedade, poderão vir a ser um importante instrumento para o desenvolvimento da humanidade. Por outro lado, submetidas unicamente ao interesse do capital e de sua acumulação, essas mesmas tecnologias poder levar a efeitos sinistros e devastadores (idem, p. 78-79).

Percebe-se, portanto, que o conjunto das novas tecnologias utilizadas para o capitalismo neoliberal ameaça a autonomia estatal com suas máximas de não intervenção do Estado e agora com a preponderância dos agentes privados não só no controle da vida privada, mas no direcionamento das próprias políticas nacionais e mundiais.